Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 122/34 (2009:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2531


 


Manifestar o interno e dar forma ao externo
Liberdade e tempo na noção da personalidade
"Nós somos não porque pensamos ou porque somos, mas sim porque somos, pensamos, sentimos e queremos"
Sobre a Educação Estética do Homem XI

250 anos de nascimento de Friedrich von Schiller (1759-1805)

Bad Arolsen, Museu Christian Daniel Rauch




Museu Christian Rauch. Foto A.A. Bispo 2009. Copyright
Este texto apresenta os primeiros de uma série de estudos motivados pelos 250 anos de Friedrich von Schiller em 2009. Os trabalhos foram impulsionados sobretudo por uma visita ao Museu Christian Daniel Rauch, em Bad Arolson. O ciclo de estudos foi precedido por colóquios sôbre Estética e Ética na Universidade de Bonn e de Filosofia Intercultural na Universidade de Colonia sob a direção de A.A.Bispo.

A orientação teórico-cultural insere-se na tradição da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa. A Estética, conduzida sob o ponto de vista dos estudos culturais foi introduzida nos cursos superiores da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo em 1972. O ciclo de estudos inscreveu-se no programa dedicado a estudos do mundo de língua alemã e mundo de língua portuguesa da A.B.E.







Imagens de obras de Christian Daniel Rauch,
escultor nascido em Arolsen (1777-1857).
Exposição no Marstall da Residência dos
Príncipes de Waldeck e Pyrmont.
Trabalhos da Academia Brasil-Europa em Bad Arolsen. Fotos H. Huelskath 2009

 
Ponto de partida das reflexões da carta XI do texto "Sôbre a Educação Estética do Homem" ("Über die ästhetische Erziehung des Menschen") de F. Schiller é a conclusão de que há a necessidade de uma distinção daquilo que se concebe como beleza.

Uma falsa concepção seria aquela resultante da constatação de que o refinamento de costumes e um culto à estética trazem consigo o perigo de uma deterioração do caráter, do prejuízo da veracidade e, sobretudo, da perda de liberdade, ou seja, de que sociedades onde impera o cultivo das formas seriam marcadas pela falsidade, artificialidade, vaidade e escravidão às aparências.

A beleza, porém, se adequadamente entendida, seria necessária para o alcance do Humano, fundamental para o desenvolvimento do homem e da sociedade em direção à plenitude da natureza humana. A concepção da beleza não deve aqui partir de constatações empíricas, mas sim de uma concepção racional.

Personalidade e estado. O imutável e o mutável

Levando-se porém a abstração às suas máximas alturas, processo indispensável para alcançar-se o conceito do Belo que surge como necessário para o desenvolvimento do Humano, chega-se por fim dois conceitos últimos. Aprende-se aqui a diferenciar no homem algo que permanece e algo que continuamente se modifica. O que permanece designa-se como pessoa, o que muda, como sendo estado.

Pessoa e estado - o próprio ser e a sua determinação - , que na sua essência são vistos como um, dividem-se em dois nos seres finitos. Apesar de toda a permanência da pessoa, o estado se modifica, apesar de toda a mudança de estado, a pessoa permanece. Passa-se da estabilidade à ação, da impassividade aos afetos, da concordância à contradição, a pessoa, porém, permanece sempre a mesma.

No Homem, como ser vivente, temporal, pessoa e estado são diferentes, de modo que nem se pode fundamentar a pessoa na situação, nem a situação na pessoa. Se acontecesse o segundo, a pessoa precisaria modificar-se, se a primeira, o estado deveria permanecer imutável. Em todo o caso, terminaria ou a personalidade ou a temporalidade.

"Cogito, ergo sum"? Questão de liberdade

Para Schiller - afastando-se não só de um Descartes - "nós não somos porque pensamos, queremos ou sentimos; não porque somos é que pensamos, queremos, sentimos. Nós somos porque nós somos, pensamos, sentimos e queremos", e porque além de nós há algo Outro.

A pessoa precisa assim ter o seu próprio fundamento, pois o permanente não pode decorrer daquilo que se transforma. Tem-se assim a idéia do ser absoluto fundamentado em si mesmo, ou seja, a noção da liberdade. O estado tem também o seu fundamento; este não é a pessoa, pois o estado não é absoluto. Condição de todo o ser dependente, do vir-a-ser,  é o tempo.

Raízes do temporal no imutável

A personalidade, que é eternamente permanente, não pode vir-a-ser, não pode começar no tempo; ao contrário, o tempo é que nela se inicia, pois na mudança deve haver um permanente como fundamento. Algo deve transformar-se, se houver uma transformação. Esse algo não pode ser ele próprio mudança. Quando se diz que a flor floresce e murcha, faz-se da flor algo permanente na sua mudança e emprestamos a ela por assim dizer a qualidade de uma pessoa, na qual ambas as situações se manifestam. Que o homem vem a ser, isto nada contradiz a argumentação, pois o homem não é apenas pessoa, mas sim pessoa que se encontra numa determinada situação. Toda a situação, porém, resulta do tempo, e, assim, o homem, como fenômeno, precisa ter um início, ainda que nele seja eterna a inteligência pura. Sem o tempo, ou seja, sem o vir-a-ser, jamais seria um ser determinado. A sua personalidade existiria como disposição, mas não nos fatos. Apenas através da sequência de suas imagens é que se apresenta o eu permanente no mundo dos fenômenos.

Modificação e permanência na existência humana

O homem recebe primeiramente a máteria da ação, ou a realidade. Ele a recebe pelo caminho da percepção, de algo externo, do espaço, e como algo que se modifica em si, no tempo. Essa matéria, que se transforma em si, acompanha o seu eu, que jamais se modifica e que se mantém ele mesmo em todas as mudanças. A diretriz dada pela natureza racional no homem é a de que todas as percepções se transformem em experiência, ou seja, tornem-se unidade do conhecimento, e todos os tipos de aparências no tempo se tornem leis para todos os tempos. Somente à medida que se modifica, o homem existe, e apenas na medida em que continua sendo o mesmo, é que existe. O homem, imaginado no seu aperfeiçoamento, seria assim a unidade que permanece, que mantém-se a mesma nas correntes das transformações.

Disposição da personalidade ao Divino

Mesmo que não se transforme em ser infinito, em divindade, pode-se designar como divina a tendência à manifestação absoluta da potencialidade (realidade de todo o possível) e da absoluta unidade da aparência (necessidade de todo o real). O homem traz em si a disposição ao Divino na sua personalidade. O caminho ao Divino, que jamais atinge o seu objetivo, é aberto na esfera dos sentidos.

A personalidade em si, independente de todo a matéria sensorial, existe apenas em disposição a uma possível manifestação infinita. Enquanto não vê e não sente, não é nada mais do que forma e capacidade vazia. Por outro lado, a sua sensibilidade, por si e separada de toda a ação do espírito, nada mais pode ser do que matéria a ser ligada a uma forma.

Sensibilidade e personalidade no configurar a matéria

Enquanto o homem apenas sente, apenas deseja, e atua somente a partir do que anela, não é outra coisa do que mundo, se esse conceito for entendido apenas como conteúdo amorfo do tempo. A sua sensibilidade é o que faz a sua capacidade tornar-se força atuante; mas somente a sua personalidade pode fazer com que a ação dessa força seja sua. Para não ser apenas mundo, deve dar forma à matéria. Para não ser apenas forma, deve dar realidade à potencialidade que traz em si. Ele realiza a forma quando cria o tempo e quando confronta o permanente com a mudança, ou seja, a unidade eterna de seu eu com a variedade do mundo. Ele forma a matéria quando suspende o tempo, quando afirma o permanente na mudança e quando faz a diversidade do mundo submissa à unidade de seu eu.

Configuração da matéria e materialização da forma

Daqui decorrem duas exigências ao homem, duas leis fundamentais da sua natureza sensorial-racional. A primeira procura a realidade absoluta, tudo que é forma deve tornar-se mundo, e toda a sua potencialidade deve-se manifestar no mundo das aparências. A segunda tende à formalidade absoluta; deve extinguir tudo que seja simplesmente mundo e deve trazer concordância em todas as suas modificações. O homem deve manifestar o interno e formar o externo.

Veja comentários de outras cartas da obra de Schiller nesta edição. O relato dos trabalhos terá prosseguimento no próximo número.




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.