Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 121/7 (2009:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2484


 


Brasileiros em Paris na década de 80 do século XIX
A época do presidente Jules Grévy (1879-1887)

F.-J. de Santa-Anna Nery (1848-1901), Baron De Hübner (1811-1892), Émile Levasseur (1828-1911), Roland de Bonaparte (1858-1924)
Amazonas e Folclore Brasileiro nas suas relações com os estudos franceses de Economia Política, Geografia Econômica e Etnologia



Arquivo A.B.E.
Este texto apresenta uma súmula de ciclo de estudos dedicados às relações França-Brasil/Brasil-França realizados em diferentes cidades francesas em 2009. Foram aqui lembradas as preocupações pelos estudos culturais franco-brasileiros na linha de tradição que remonta à época da fundação da sociedade dedicada à renovação dos estudos culturais (Nova Difusão 1968), a atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa.


Na Europa, a partir de 1974, esses trabalhos e iniciativas receberam a colaboração de muitos estudiosos franceses no decorrer das décadas, e, entre os brasileiros residentes na França, deve-se salientar Luíz Heitor Correa de Azevedo pelo seu empenho no desenvolvimento institucional e pela sua participação em muitas iniciativas. Ao encontro de Royaumont em 1984 sob sua égide remontam impulsos que marcaram a orientação antropológico-cultural do ISMPS e da ABE..Os  trabalhos seguiram impulsos do Colóquio Filosofia Francesa Contemporânea e Estudos Culturais pela morte de J. Derrida (2005), do Congresso Internacional "Música e Visões" pelos 500 anos do Brasil e triênio subsequente (1999-2004) e eventos precedentes, devendo lembrar-se da Primeira Semana de Música França-Alemanha realizada por iniciativa brasileira em 1983 em Leichlingen/Colonia.


Pareceu ser oportuno, para sumarizar e favorecer o prosseguimento ao trabalhos em seminários europeus, recordar alguns nomes de brasileiros e de franceses que atuaram sobretudo em Paris na contextualização de sua época. Essa aproximação antes pessoal facilita os estudos para estrangeiros e traz à consciência o papel mediador desempenhado por muitos brasileiros que estudaram e viveram na França, trazendo impulsos ao Brasil que devem ser analisados sob o pano de fundo da época em que estudaram e atuaram. Os estudos tiveram como objetivo principal oferecer uma contribuição à formação de uma consciência histórica adequada àqueles residentes na França ou descendentes de brasileiros.






Arquivo ABE
No estudo da presença brasileira em Paris na segunda metade do século XIX, em particular nos anos 80, o nome do amazonense F.-J. de Santa-Anna Nery assume uma posição de excepcional relevância.

O exame de sua personalidade e obra permite identificar elos que unem política, economia, geografia econômica, história comercial e estudos culturais no contexto das relações recíprocas entre a Europal, em particular a França e o Brasil. Permite, ao mesmo tempo, reconstruir uma esfera social e cultural que predominou na última década do Brasil monárquico na França e que manteria a sua influência, nas décadas seguintes, ainda que em situação distinta daquela da representação oficial do país. Permite, também, identificar correntes de pensamento e posições de natureza econômica e de desenvolvimento que podem ser constatadas em parte até o presente, contribuindo, através da sua contextualização na época, a que sejam relativadas e repensadas.

O papel desempenhado por F.-J. de Santa-Anna Nery na história das idéias no contexto franco-brasileiro não pode ser compreendido sem a consideração de sua formação no Brasil, da fundamentação religiosa de suas concepções e da inserção de sua vinda à Europa, de seus estudos e de suas atividades no movimento de restauração católica a partir de uma perspectiva francesa.

Foi um homem que, nos primeiros anos de sua presença na Europa, vinculou-se com determinados círculos eclesiais, inicialmente com os "velhos católicos" de orientação crítica com relação ao Concílio Vaticano I. (Veja matéria referente a F.-J. de Santa-Anna Nery no site da Academia Brasil-Europa).

Sob esse pano de fundo, compreende-se que F.-J. de Santa-Anna Nery tenha-se integrado em esferas da sociedade francesa de orientação política marcada por posições católicas.

Diferentemente do Segundo Império, de Napoleão III, caracterizado pela influência da Igreja e por uma política exterior favorável a interesses pontifícios, o sistema instaurado a partir da derrota da França na Guerra Franco-Prussiana de 1870/71 caracterizou-se, na complexidade de suas múltiplas tendências, também por tendências que levariam ao laicismo e à separação entre a Igreja e o Estado. Por outro lado, certos grupos da sociedade tendiam a posições ultramontanas.

O longo período do Govêrno de Jules Grévy (1807-1891), eleito por duas vezes e que durou de 1879 a 1887, jurista de profissão, que havia sido contra os monarquistas já após a Revolução de Julho, depois contrário ao fortalecimento da posição do chefe do executivo, opositor de Napoléon III e contrário à Guerra Franco-Prussiano, hostil a León Gambeta (1838-1882)  e Louis Adolphe Thiers (1797-1877), de posições republicanas, contrário à expansão colonial, foi marcado por um crescente fortalecimento do laicismo.

Essas tendências foram intensificadas pelo ministro Jules Ferry, contrário ao ensino por meio de congregações religiosas, e pelo anticlericalismo do presidente do Conselho, Charles de Freycinet (1828-1923). Por ocasião do falecimento de Victor Hugo, em 1885, decidiu-se até mesmo conferir ao Pantheon o estatuto de um templo republicano. A posição de F.-J. de Santa-Anna Nery, expressa pelas personalidades com quem conviveu, indica que se encontrava próximo a esferas de oposição.

Amazonas, colonização e civilização

Nas suas palavras ao leitor, escritas a 5 de setembro de 1884, o autor de Le Pays des Amazones. L'El-Dorado. Les Terres a Caoutchouch (Paris: Bibliothèque des Deux-Mondes, Frinzine, 1885, salienta que já se havia muito escrito sobre o rei dos rios do mundo e sobre a rainha das províncias do Brasil. Um novo estudo sobre essas regiões poderia parecer supérfluo. Ele não o seria se se considerasse a utilidade do trabalho. Este representaria também um apelo. Dever-se-ia despertar energias, inflamar coragens, e levar à resolução de colonizar essa região, a mais rica e mais fértil do mundo, a terra da borracha, o El-Dorado lendário, terras virgens que estariam esperando a semente da civilização.


"Oui, ce n'est pas trop d'être l'enfant de ces sublimes solitudes, d'avoir nourri ses jeunes années de la sève de cette terre; d'avoir gravé dans son âme les splendeurs de cette nature pour posséder en soi assez d'images, assez de souvenirs et assez de couleur afin de reproduire avec amour et avec fidélité les merveilles du sol natal.

Décrire ou chanter sa patrie, c'est puiser en soi-même, c'est descendre au fond de son être et creuser jusqu'à ses propres racines. Et, lorsque les hasards de la destinée nous ont jeté loin de notre berceau, avec quelle intensité d'éblouissements ne revoyons-nous pas, à travers le temps et l'espace, les lieux et les hommes qui ont enveloppé notre enfance! abec quelle puissance d'émotion ne sentons-nous pas le besoin de rendre les scènes du passé, les grandes visions d'autrefois! (XIII-XIV)

(...)

Après La Condamine et Humboldt, après Castelnau et Agssiz, après Coutinho et Barboza-Rodrigues, après Creveaux, Wiener et tant d'autres, il reste à dire on un seul volume ce qu'ils ont mis en plusieurs; il reste à susciter des énergies, à enflammer des courages; il reste à imprimer la résolution de voir et de coloniser le plus beau, le plus riche, le plus fertile pays du monde, le pays du caoutchouc, l'El-Dorado légendaire, les terres vierges qui attendent la semence de la civilisation." (XVI)


Barão De Hübner (1811-1892) e a herança da Restauração


Uma das possibilidades para situar F.-J. de Santa-Anna Nery no contexto político e diplomático interno europeu e nas suas relações com o mundo extra-europeu é considerar a sua proximidade com o Barão De Hübner. Hübner, austríaco, viveu grande parte da história política da Europa posterior ao Congresso de Viena (1815). Iniciara a sua carreira diplomática sob o Príncipe de Metternich (1773-1859), desde 1809 Ministro do Exterior da Áustria, principal vulto da Restauração e da Santa Aliança, propugnador do princípio monárquico, adversário de movimentos nacionalistas e liberais. Metternich permaneceu o grande e admirado modêlo para Hübner durante toda a sua vida, e esse gozou de especial confiança e consideração de Metternich.

Hübner foi enviado a Paris primeiramente em missão extraordinária, tornando-se attaché em 1837. Em 1841, passou a secretário da legação austríaca em Lisboa e, a seguir, a Consul Geral em Leipzig. Em 1848, período crítico para a Áustria, foi enviado a Milão, onde foi aprisionado.

Por ordem do Príncipe Felix Schwarzenberg, acompanhou a família imperial a Olmütz, onde foi secretário do primeiro ministro. Em 1849, foi designado para negociar com Louis Napoléon, então Presidente da República sobre questões relativas aos territórios italianos da Áustria. Como Embaixador da Áustria, atuou em Paris de 1851 a 1859. Viveu assim de perto o período do Golpe de Estado de Napoleão, do Segundo Império, da Guerra da Criméia, da ascensão da França a uma posição de predomínio na Europa, da unificação da Itália e da diminuição dos estados pontifícios. Recebeu o título de Barão em 1854. (Neun Jahre der Erinnerungen eines österreichischen Botschafters in Paris unter dem zweiten Kaiserreich, 1851-1859, 2 vols., Berlim, 1904).

Entre 1865 e 1867, quando Embaixador em Roma, realizou estudos sobre o Papa Sixto V e que levariam a uma obra que despertou atenção. Admirava nesse pontífice o fato de ter alcançado a sua alta dignidade apesar de provir de meio modesto, a sua capacidade de organização demonstrada na Curia Romana, a sua energia empreendedora que levou ao término da igreja de São Pedro, e, o seu vulto de diplomata. Esses estudos confirmaram-no na sua convicção de que o homem é o forjador do seu próprio destino.

Além desses elos com a Igreja, a proximidade de F.-J. de Santa-Anna Nery com o Barão De Hübner explica-se sobretudo pelo fato de ter este realizado uma viagem ao redor do mundo, em 1871 e publicado as suas observações em obras de ampla divulgação (Promenade Autour du Monde 1871, 2. vols., Paris 1872, 5th ed. ; Spaziergang um die Welt, 2 vols., Leipzig, 1874; 7th ed., 1891; em italiano, Turim, 1873; Milão, 1877). F.-J. de Santa-Anna Nery conhecia essa obra certamente na versão francesa, publicada em várias edições, ilustrada com trabalhos deo renomado Gustave Doré (1832-1883) e publicado pela casa Hachette, em 1872.

O escopo da viagem do Barão De Hübner fora o de estudar os vínculos entre a Natureza e a Civilização, sobretudo nas regiões do Oriente para além do Ocidente (para além das Rocky Mountains), além de considerar as personalidades do Japão que dirigiam a sua nação ao caminho do progresso e as causas da resistência da China quanto à entrada da cultura européia. Em 1883, viajou à Índia pelo caminho do Cabo da Boa Esperança, retornando pela outra rota, passando pelo Canadá. À época da publicação da obra de F.-J. de Santa-Anna Nery sobre o Amazonas, preparava-se a edição dos relatos dessas viagens pelo Império Britânico.

Sob esse pano de fundo, lê-se com mais compreensão a carta do Barão De Hübner, que abre, como membro-associado estrangeiro do Institut de France, a obra magna de F.-J. de Santa-Anna Nery relativa ao Amazonas, datada de Pest, de 18 de Novembro de 1884.

Nesse texto, De Hübner louva o trabalho de F.-J. de Santa-Anna Nery pela profusão de informações dadas a respeito de sua terra natal e pela forma com que as elaborou. Embora nela se sentisse o patriotismo do autor, este não impedira a liberdade de seu julgamento. A oportunidade da publicação era devida ao fato de o Brasil estar envolvido na transformação do trabalho nacional - a abolição da escravatura - e, em consequência, estar procurando braços, o espírito de empreendimento e os capitais do Velho Mundo. Reciprocamente, era lançado numa época em que a Europa procurava novos campos de atividades.


Justificava-se essa inclusão da carta pelo fato de Hübner ter estado no Brasil, ainda que por pouco tempo, uma estadia que lhe havia deixado ótimas e persistentes lembranças, impressionado que ficou pela imensidão das riquezas naturais do país. Como era da opinião de que o homem é aquele que forja a sua própria sorte, a nação brasileira tinha o seu destino nas suas mãos. Ela nada mais precisava do que querer, trabalhar e caminhar à frente nas vias da verdadeira civilização e a aproveitar do bem inapreciável, tão raro do outro lado do Atlântico, de gozar da tranquilidade não interrompida que devia a seu bom senso, à forma monárquica de govêrno e à sabedora do seu soberano.


"Enfant, vous-mêmes, des régions privilégiées que vous décrivez si bien, vous avez accumulé dans votre ouvrage une masse d'informations précieuses, vous les avez parfaitement coordonnées et exposées avec une grande lucidité.

Certes, on y trouve bien les prédilections du patriote; mais l'affection à votre sol natal ne trouble en aucune façon la liberté de votre jugement. C'est un livre fort bien faît, et qui a le mérite de l'opportunité, puisqu'il paraît à une époque où le Brésil, engagé dans la transformation de son travail national, en retour des ressources immenses qu'il ouvre à l'Europe, cherche les bras, l'esprit d'entreprise et les capitaux du vieux continent, et où l'Europe, de son côté, cherche, pour ceux de ses fils qui la quittent, de nouveaux champs d'activité.

En plaçant sous les yeux du public des deux hémisphères un tableau si bien tracé du magnifique bassin des Amazones, vous rendez service à tout le monde, et vous acquérez des titres spéciaux à la reconnaissance de vos compatriotes. Permettez-moi de vous en offrir toutes mes félicitation.

Mon court séjour au Brésil m'a laissé de longs et charmants souvenirs.

Toutes les fois que je m'y reporte par la pensée, je suis frappé de l'immensité des trésors qu'une nature prodigue a réunis sur cet empire.

Si, comme on dit, chacun est l'artisan de sa fortune, c'est certainement le cas de la nation brésilienne. Elle tient ses destinées entre ses mains. Elle n'a qu'à vouloir, à travailler, à marcher de l'avant dans les voies de la vraie civilisation, et à profiter du bien inappréciable, et si rare d'autre côté de l'Atlantique, de la tranquillité non interrompue qu'elle doit à son bon sens, à la monarchie et à la sagesse de son auguste souverain."

Émile Levasseur e as "harmonies économiques"

Se a carta do Baron De Hübner indica a inserção de F.-J. de Santa-Anna Nery na história do pensamento político, a segunda carta incluída no seu livro testemunha os seus contatos com o meio especializado em teoria econômica e comercial, em geografia e história econômicas. O livro correspondia, assim, às tendências da década de 80 na França em desenvolver a Geografia como disciplina científica, baseada em dados seguros e, sobretudo, em estatísticas.

Antes de publicar a sua obra sobre o Amazonas, F.-J. de Santa-Anna Nery, em Paris, pediu o parecer do mais renomado especialista nessa área da França, Pierre Émile Levasseur. Filho de Victor Levasseur, tornara-se especialista em história econômica após estudos na École normale supérieure. A sua dissertação de doutoramento, apresentada em 1854, versara sobre o sistema de Law. Após atividades de docente em Alençon, em 1852 e em Besançon, em 1857, passara a ocupar a cadeira de História das Doutrinas Econômicas, posteriormente de Geografia, História e Estatística Econômicas. Foi professor do Conservatoire national des arts et métiers e da École libre des sciences politiques. Havia criado, em 1876, um atlas temático que é considerado, na sua exatidão, como pioneiro no gênero até então publicado em França.


Levasseur ocupava, à época de F.-J. de Santa-Anna Nery, importantes cargos em instituições francesas. Era membro do Conselho de Educação Nacional e Presidente honorário da Sociedade de Geografia. Exercera papel influente na reforma do ensino da Geografia nas escolas primárias e secundárias da França, no início da década de 70. No âmbito da Economia Política, Levasseur desenvolveu estudos de história da economia relativos à população francesa, ao trabalho e à classe operária. Era, na sua orientação teórica, um oponente às idéias da École de Lausanne e de Léon Walras. Levasseur possuia concepções próprias, de cunho genérico, que se poderiam designar como sendo de natureza teórico-cultural. Para êle, o Homem seria aquele que daria forma a seu próprio destino. A natureza seria apenas a matéria que deveria receber a forma. A humanidade possuiria, na ciência, uma ferramenta capaz de agir sobre essa matéria, podendo assim dominá-la e configurá-la, mantendo as "harmonias econômicas".


O texto da carta-prefácio de Levasseur para a edição da obra de F.-J. de Santa-Anna Nery sobre o Amazonas, embora constituindo verdadeira introdução, é publicada em forma de uma carta de agradecimento pelo envio das provas tipográficas e pelo pedido de parecer. Assim como a carta do Barão De Hübner, também o texto de Levasseur parte da constatação do patriotismo do autor. Este quis erigir um monumento à sua terra natal, a obra, porém, não seria apenas agradável aos brasileiros, mas sim de utilidade para o país e para os estrangeiros, entre êles a França, que saberiam tirar partido das informações. Após considerar a riqueza da vegetação e a rêde de vias navegáveis, compara a bacia amazônica com a do Congo, concordando, aqui, com o autor, de que, na situação da época, o Amazonas prometia ao comércio sucessos mais fáceis e imediatos do que a África.


O Govêrno brasileiro tinha feito um ato de sabedoria político-comercial permitindo o acesso aos navios estrangeiros e as províncias tinham compreendido o interesse em dar um valor comercial às riquezas naturais. A navegação produzira uma das mais fecundas revoluções econômicas da história. Ela aproximava os continentes. Fazia com que se pudesse alcançar os pontos mais extremos das vias fluviais e, juntamente com as vias férreas pelo interior, haviam tornado acessíveis regiões até então inaproveitadas à colonização, à cultura e à exploração econômica. O Brasil não poderia negligenciar tal condição do progresso econômico do século.


Para Levasseur, o Brasil demonstrava saber quais as instituições, quais os hábitos de trabalho e de economia, quais os costumes políticos e sociais eram favoráveis ao desenvolvimento pacífico de uma grande nação. Desde a fundação do Império, sob um govêrno nacional e liberal, e particularmente sob o reinado de um soberano que a Europa tinha apreciado pelas suas eminentes qualidades, o Brasil havia dado um passo considerável com a supressão gradual dos escravos, decretada há treze anos atrás. Esse passo havia sido dado de forma espontânea, de previsão, não sob pressão de outra potência ou como resultado de lutas, e desde dessa época continuava-se a despender esforços generosos no sentido de uma libertação definitiva dos escravos.

Grande parte dos sucessos comerciais da agricultura eram devidos às facilidades da navegação que possibilitara a colocação dos produtos em mercados da Europa e dos Estados Unidos. Para o presente e o futuro seria necessário aumentar ainda mais tais facilidades de comunicação. Com a penetração na Amazônia, o Brasil atrairia população, propagaria a civilização em regiões que apenas esperavam a mão do homem para tornarem-se ricas em gado e em cereais, para que o homem pudesse êle mesmo por a mão na terra, na certeza de poder vender os seus produtos e viver em segurança sem renunciar a suas relações com o resto do mundo civilizado. Entre a França e o Brasil existiam estreitas e antigas relações de comércio e elos de simpatia. Seria conveniente cultivá-los para o bem das duas partes. Na obra, Levasseur via a confirmação das idéias que havia concebido para o desenvolvimento da riqueza do Império.


"Le patriotisme vous a heureusement inspiré.

Vous avez voulu consacrer un monument à la province dont vous êtes originaire, et le livre que vous venez de composer ne sera pas seulement agréable à vos compatriotes, il sera profitable à la fortune du pays dont vous faites connaître les ressources, et à celle des étrangers, Français ou autres, aui sauront tirer parti de vos enseignements.


Par la puissance de sa végétation et par l'immense étendue de ses voies navigables qui pénètrent, à travers tout le continent, jusqu'au pied de la Cordillère, le bassin de l'Amazone est une des contrées du monde envers lesquelles la nature paraît avoir été le plus libérale. Le bassin du Congo est seul dans une situation analogue, et, quelque autorisés que soient les efforts faits de ce côté, vous avez raison, Monsieur, de dire que, dans l'état actuel des choses, l'Amazone promet au commerce des succès plus faciles et plus immédiats.


La voie est ouverte. Le gouvernement brésilien a fait un acte de sage politique commerciale losqu'il en a permis l'accès aux marines étrangères, et les provinces ont si bien compris l'intérêt qu'elles ont à donner par l'exploitation une valeur commerciale aux richesses naturelles de leur sol, qu'elles ont subventionné des compagnies étrangères, afin de s'assurer le bienfait de communications rapides.


La vapeur, en changeant les conditions du transport par mer et par terre, a produit une des plus grandes et des plus fécondes révolutions économiques dont l'histoire garde le souvenir, et dont la seconde moitié du dix-neuvième siècle a déjà recueilli en partie les profits. C'est elle qui, en abrégeant les voyages, a rapproché les continents, et qui, en faisant pénétrer les paquebots jusqu'aux points extrêmes de la navigation fluviale, ou en poussant la construction des voies ferrées dans l'intérieur des terres, a rendu acessibles à la colonisation, à la culture, à l'exploitation minière ou forestière, des régions que l'énormité des frais de transport ne permettait pas auparavant à l'homme d'utiliser.

(...)


Le Brésil ne pouvait pas négliger cette condition du progrès économique dans notre siècle.


Il sait quelles institutions, quelles habitudes de travail et d'épargne, quelles moeurs politiques et sociales sont favorables au développement pacifique d'une grande nation. Depuis la fondation de l'Empire, sous un gouvernement national et libéral, et particulièrement sous le règne d'un prince dont l'Europe a apprécié les éminentes qualités, il a pris un essor remarquable.


Il y a treize ans, il n'a pas craint de décréter, par un acte de libéralité spontanée, qui était en même temps un acte de prévoyance, la suppression graduelle de l'esclavage, qui n'a été obtenue ailleurs que par la volonté d'une métropole ou à la suite de luttes terribles, et il fait, depuis cette époque, de généreux efforts pour hâter le moment de la libération définitive. Il a abattu, sur de vastes espaces, les forêts de ses serras voisines de la côte, pour y planter des caféiers. Malgré les crises agricoles et les difficultés de la concurrence commerciale qui ont parfois découragé son ardeur, il est parvenu, en un demi-siècle, à décupler le chiffre de ses récoltes et de son exportation de café. Il n'ignore pas que, s'il a pris le premier rang dans le commerce de cette denrée, il doit en grande partie ce résultat aux facilités que la navigation perfectionnée lui a procurées pour porter ses produits jusque sur les marchés de l'Europe et des États-Unis; l'élargissement des débouchés a stimulé la production, et l'abondance de la marchandise offerte a contribué à son tour à étendre davantage le marché.


Il importe à la grandeur future, comme à la fortune présente du Brésil, qu'il augmente encore ces facilités de communication auxquelles il doit déjà beaucoup.


Il est un des plus grandes États du monde par l'étendue de son territoire; mais la partie septentrionale de ce territoire est la seule que la nature ait dotée d'un réseau tout agencé de voies navigables. Ailleurs, il faut que les chemins de fer suppléent à l'insuffisance des cours d'eau, gravissent les rampes des plateaux, conduisent, par de là les rapides, dans les vallées des fleuves, vivifiant les grandes contrées agricoles ou minières de l'intérieur en les reliant aux marchés populeux de la zone côtière et aux ports de mer qui donnent pour débouché le monde entier.


Le Brésil l'a compris et s'est mis énergiquement à l'oeuvre; il est juste de l'en féliciter et de l'encourager à poursuivre avec persévérance une entreprise qui n'est pour ainsi dire qu'à ses débuts, malgré les 5,500 kilomètres qui se trouvent aujourd'hui en exploitation, mais qu'il faut conduire avec prudence dans la mesure des capitaux dont on peut disposer ou qu'on peut rémunérer. En continuant ces lignes de pénétration dans le grand massif brésilien, il fera pour ses provinces intérieures ce que les États-Unis ont fait pour le Far-West, ou la Nouvelle-Galles du Sud pour le bassin du Darling: il attirera la population, et il propagera sa civilisation dans des régions qui n'attendent que la main de l'homme pour devenir riches en bétail et même en céréales, et où l'homme lui-même n'attend peut-être, pour mettre la main à la terre, que la certitude de trouver un marché où il vende ses produits, et de pouvoir vivre honorablement de son travail en pleine sécurité et sans renoncer à ses relations avec le reste du monde civilisé.


Entre la nation française et la nation brésilienne, il y a d'étroites et anciennes relations de commerce et des liens de sympathie. Il est bon de les entretenir et de les resserer dans l'intérêt de l'une et de l'autre. C'est pourquoi je me félicite que vous ayez écrit votre bel ouvrage en français, et j'ai éprouvé un plaisir d'autant plus grand à le lire que, dans les conseils que vous donnez, au nom de votre expérience, à vos concitoyens de l'Amazone sur le peuplement de la province et sur l'exploitation de ses voies navigables, j'ai trouvé la confirmation des idées que j'avais conçues sur les moyens de développer la richesse de l'Empire."


Após a publicação da obra de J.-F. Santa-Anna Nery, Levasseur manteve ou intensificou os seus elos com Pedro II. Em 1886, Pedro II solicitava ao Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na França, Barão de Arinos, agradecer a E. Levasseur a remessa da conferência que havia feito por ocasião da inauguração do busto de Jules Nicola Crevaux (1847-1882), o explorador sul-americano, também do Amazonas, em Nancy. (Arquivo Nacional, Dom Pedro II e a Cultura, Rio de Janeiro 1977, pág. 317, entrada 1938). No mesmo ano, agradeceu também pelos canais diplomáticos a remessa do folheto intitulado La Statistique geographique que lhe fora oferecida pelo autor, adiantando que lhe escreveria assim que pudesse (op.cit. pág. 322, entrada 1974). Em 1887, manda agradecer a E. Levasseur e C. Delegrave por dois exemplares do Novo Mapa Mural do Brasil que haviam sido enviados ao Brasil (op.cit. pág. 322, entrada 2114).


Príncipe Roland Bonaparte (1858-1924)


Para os estudos relativos à inserção político-cultural de J.-F. Santa-Anna Nery surge como particularmente relevante o fato de ter este convidado ao Príncipe Roland-Napoléon Bonaparte para prefaciar a primeira edição da sua obra Le Folk-Lore Brésilien, publicada em Paris, em 1889 (F.-J. de Santa-Anna Nery, Folk-Lore Brésilien, accompagné de douze morceaux de musique, Paris: Perrin 1889).


Roland-Napoléon, um dos filhos de Pierre-Napoléon Bonaparte (1815-1881), neto pelo lado do pai de Lucien Bonaparte, irmão mais novo de Napoleão era, na época, prestigiado cientista e antropólogo. Era casado com Marie-Félix Blanc (1859-1882), filha de um banqueiro e proprietário de cassino. Com os meios possibilitados pela sua mulher, cedo falecida, Roland Bonaparte pôde financiar várias expedições e viagens de pesquisa à África, Ásia e ao continente americano e criar grandes coleções na sua residência em Paris, entre elas o então maior Herbarium do mundo. Dentre as suas obras, havia até então publicado obras sobre o Suriname (1884) para a Exposicão colonial de Amsterdam em 1883; sobre a Nova Guinea (1885) e preparava uma publicação relativa a Maurício (1890).


No seu prefácio, Roland Bonaparte salienta que o Brasil oferecia aos folcloristas um campo de estudos pouco explorado, mas muito fértil. Tendo sido colonizado pelos portugueses, devia também seu desenvolvimento aos africanos. Esses dois elementos, diferentes entre si, teriam encontrado um terceiro, os indígenas, donos da terra, que precisaram ser submetidos ou domesticados. Da amálgama desses três elementos teria resultado o Brasil. Outras contribuições, se bem que mais efêmeras, teriam também deixado traços. Um país formado nessas condições devia conservar suas tradições populares, estas também diversificadas.


Só recentemente tinha-se porém começado a fazer o inventário desses tesouros. Esses trabalhos, porém, eram ignorados pelos estudiosos europeus, uma vez que a língua portuguesa era pouco difundida. Ninguém seria melhor indicado do que Santa-Anna Nery para realizar esta tarefa. Na suas três últimas viagens ao Brasil, o autor havia colhido grande quantidade de novos documentos, À primeira vista, Roland Bonaparte estaria tentado a reprovar-lhe haver dado espaço tão largo às tradições de origem indígena. Reconhecia, porém, a importância que este ramo da mitologia assumira nos estudos antropológicos da época.


Roland Bonaparte termina o seu texto com a mesma afirmação de outros prefaciadores de obras de J.-F. Santa-Anna Nery e que sugere as relações entre os estudos culturais e a economia. Os franceses estão unidos aos brasileiros por antigos laços de simpatia, que o tempo e as relações comerciais mais intensas alargaram. No livro, escrito por um brasileiro eminente na França, podiam-se encontrar lembranças, tocantes ou curiosas, dos vínculos que unem a França ao Brasil, e que remontam às tentativas francesas de ali fundar, ao norte, a França Equinocial, e, ao sul, a França Antárctica. (op.cit. 27-29)


(...)



Antonio Alexandre Bispo





  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.