Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 119/10 (2009:3)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2451


 


Austrália-Brasil


Austrália e Brasil em Darwin
Papel do Brasil no desenvolvimento da Teoria da Evolução
Estudos na Biblioteca de Melbourne








Este texto apresenta uma súmula de reflexões encetadas no decorrer de ciclo de estudos, contatos e observações realizados na Austrália e Nova Zelândia no âmbito do programa Atlântico/Pacífico da ABE/ISMPS pelo Ano Darwin 2009. O evento foi preparado no contexto dos cursos "Música no Encontro de Culturas" (1998-2002) e "Música na Oceania" (2008) levados a efeito na Universidade de Colonia sob a direção de A.A.Bispo.


O programa de trabalhos - o primeiro do gênero - concretizou impulsos partidos do Congresso Internacional "Música e Visões" pelos 500 anos do Brasil e triênio subsequente (1999-2004), do II° Congresso Brasileiro de Musicologia (RJ 1992), do Encontro Regional para a América Latina e Caribe ICM/UNESCO (SP 1987) e do projeto "Culturas Musicais Indígenas" patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha (1992-).


Os trabalhos procuraram dar continuidade aos impulsos decorrentes do simpósio de renovação dos estudos interamericanos e transatlânticos (Leichlingen/Colonia 1983). A orientação teórica é marcada pela tradição de pensamento e de iniciativas remontante à sociedade de renovação de estudos e prática cultura fundada em S. Paulo, em 1968 (Nova Difusão), atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.

Instituições envolvidas e visitadas: Academia Brasil-Europa, Institut für Studien der Musikkultur des Portugiesischen Sprachraumes e.V./IBEM, National Maritime Museum (Sydney), Tasmanian Museum (Hobart), State Library of New South Wales (Sydney), Western Australian Museum (Albany), Pacific Cultures Gallery (Adelaide), Royal Exhibition Building (Melbourne) e Viktoria Library (Melbourne)







O Brasil desempenhou papel importante no desenvolvimento do pensamento de Darwin, sobretudo por ter sido a primeira região na qual confrontou-se com a natureza dos trópicos.


Veio a bordo da nave Beagle, em viagem de circumnavegação da terra, que partiu de Londres em dezembro de 1831, chegando ao Brasil no início de 1836. Aproveitou todas as ocasiões para fazer observações de formações geológicas, plantas e animais, assim como, ainda que de passagem, das condições do país e de sua população.


Essas e as observações e dados colhidos em outras partes do mundo, assim as notícias e materiais recebidos posteriormente em intenso intercâmbio por correspondência com informantes, como o teuto-brasileiro F. Müller (Veja artigo nesta edição), muito contribuiram para o desenvolvimento de sua obra.


Paralelamente a estudos histórico-culturais, ou melhor a estudos históricos de orientação teórico-cultural em contextos globais referentes à estadia de Darwin no Brasil e à repercussão de sua teoria no país (veja artigos neste número), cumpre considerar o papel desempenhado pelo Brasil na sua própria obra.


Darwin no Brasil e Brasil em Darwin surgem como complexos temáticos relacionados mas distintos, que exigem aproximações teóricas e procedimentos metodológicos diferenciados. O primeiro dirige a atenção mais para processos histórico-culturais, o segundo para a História da Ciência, das correntes do pensamento científico, da elaboração teórica das observações e informações, dos resultados de pesquisas, dos avanços trazidos para os conhecimentos e das relações com as posições teóricas de outros cientistas.


Pontos de partida para a consecução dessa tarefa histórico-cientifica são as próprias publicações de C.Darwin dedicadas explicitamente às suas observações no Brasil, sobretudo aquela por êle editada sobre o papel da Zoologia na viagem da nave Beagle (The Zoology of the Voyage of H.M.S. Beagle, under the command of Captain FitzRoy, R.N., during the Years 1832 to 1836, London: Smith, Elder (1838-1845). Obra básica neste contexto e de considerável difusão foi a sua narrativa das viagens das naves Adventure e Beagle entre os anos 1826 e 1836, em três volumes, editada pelo Capitão R. FitzRoy em 1839 (Journal and Remarks, 1832-1836, Narrative of the Surveying Voyages of His Majesty‘s Ships Adventure and Beagle between the years 1826 and 1836, describing their Examination of the Southern Shores of South America, and the Beagle‘s Circumnavigation of the Globe, London: Henry Colburn 1839).


Melbourne. Foto A.A. Bispo 2009©
Nesse mesmo ano, surgiu o seu relato relativo a observações em Geologia e História Natural nos vários países visitados, e que foram iniciadas no Brasil (Journal of Researches into the Geology and Natural History of the Various Countries visited by H.M.S. Beagle, under the command of Captain FitzRoy, R.N., from 1826 to 1836, London: Henry Colburn, 1839; 2a. ed. corregida e aumentada, London: John Murray 1845). As observações geológicas realizadas na viagem voltaram a ser tratadas em outras publicações (entre elas: Geological Observations on South America. Being the third part of the Geology of the Voyage of the Beagle, unter de command of Capt FitzRoy, R.N., during the years 1832 to 1836, London: Smith, Elder, 1846).


Após essas publicações relacionadas diretamente com as suas próprias observações in loco, tem-se a sua grande obra de sistematização de conhecimentos e de formulação teórica, a Origem das Espécies por Meios da Seleção Natural, obra que conheceu várias edições (On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life, London: John Murray, 1859; 2a. ed. 1860; 3a. ed. 1861; 4a. ed. 1866; 5a. ed. 1869; 6a. ed. 1872).


É digno de menção que o próprio Darwin inicia a sua obra inserindo-a na história do desenvolvimento do pensamento científico através de um panorama histórico sobre o desenvolvimento das opiniões sobre a origem das espécies.


Panorama histórico do pensamento científico segundo Darwin


Darwin parte, nesse seu breve panorama, afirmando que até então a maioria dos pesquisadores teria acreditado que as espécies seriam inalteráveis e que cada uma teria sido criada individualmente. Apenas poucos estudiosos teriam acreditado que as espécies se modificariam e que as formas vivas de hoje representassem sucessores de formas anteriormente existentes. Sem querer considerar em pormenores textos de antigos pensadores, cita, em nota, Empedokles, que teria tido uma vaga noção da seleção natural e Aristóteles (Physicae auscultationes).


Em época mais recente, o primeiro que teria tratado científicamente o tema fora Buffon, embora não tivesse entrado em considerações sobre as causas e os meios da transformação das espécies. O nome de Lamarck é particularmente salientado, cujas concepções foram divulgadas em publicações no início do século XIX, primeiramente em 1801, de forma ampliada na grande obra intitulada significativamente de Filosofia zoológica (Philosophie zoologique), publicada em 1809, e na introdução à sua História Natural dos animais invertebrados, surgida em 1815. 


Darwin chama a atenção ao fato de ter sido Lamarck aquele que apresentara a doutrina de que as espécies, inclusive o Homem, derivar-se-iam de outras. A Lamarck caberia o mérito de ter sido o primeiro a ver a probabilidade de que todas as transformações no mundo orgânico e anorgânico fossem resultados de leis naturais e não resultado do ocaso.


Os fatores das mudanças procurara Lamarck em parte na influência das condições de vida, em parte no cruzamento de formas já existentes, e, por fim, no uso ou não-uso de órgãos, ou seja, no poder do hábito. Supôs uma lei de desenvolvimento progressivo, no qual todas as formas de vida apresentariam uma tendência evolutiva, sem porém deixar de aceitar, para os organismos muito simples, a existência de uma Generatio spontanea.


Darwin baseou-se, nessas suas considerações relativas a Buffon e Lamarck, na leitura da História Natural de Isidore Geoffroy Saint-Hilaire e na biografia desse pesquisador escrita pelo seu filho, Etinne Geoffroy Saint-Hilaire. Segundo este, o seu pai teria suposto, já em 1795, que todas as espécies atuais seriam sucessoras degeneradas de um tipo. Só em 1828 teria divulgado publicamente que as formas não se teriam mantido inalteráveis desde o início de todas as coisas.


Causa original das modificações seriam sobretudo as condições de vida ou o mundo ambiente. Não acreditava que as espécies vivas da atualidade estivessem sujeitas à transformação. O seu filho salientava que esse seria um problema que apenas no futuro poderia ser solucionado.


O papel que Darwin concede a Etinne Geoffroy Saint-Hilaire e a seu filho merece particular consideração sob o enfoque euro-brasileiro, uma vez que Auguste F. C. de Saint-Hilaire (1779-1853) esteve no Brasil, vindo em 1816 em companhia do zóologo Delalande, sob a ação do Conde de Luxemburgo, permanecendo no país até 1822.


Nesses anos percorreu inúmeras regiões do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em trabalho de observação multidisciplinar, sobretudo botânica. Publicaria, após o seu retorno, em Paris, a sua magna obra Flora Brasiliae Meridionalis (1824-1833), elaborada juntamente com Jussieu e Cambessedés.


Descrições de suas viagens foram apresentadas à Academia Real de Ciências da França e apoiadas nos seus resultados pelas personalidades mais renomadas do mundo científico francês da época. (Veja, das várias publicações em português, Viagem à Província de São Paulo; Resumo das Viagens ao Brasil, Província Cisplatina e Missões do Paraguai, São Paulo: Martins, reed. 1972, e, daquelas inseridas na Coleção Reconquista do Brasil, Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais; Viagem pelo
Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil; Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce; Viagem às nascentes do Rio São Francisco; Viagem à Província de Goiás; Viagem a Curitiba e Santa Catarina; Viagem ao Rio Grande do Sul; Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo).


No seu relato de viagens relativo a Goiás, o autor entra em considerações sobre a mistura de raças, seus resultados e a necessidade de uma antropologia que não se baseasse tanto em especulações mas que se desenvolvesse a partir de observações.


Via no cruzamento de raças uma possibilidade de desenvolvimento de uma raça mista dotada de melhores qualidades do que a „raça americana“ propriamente dita, mais capaz do que esta de resistir „à superioridade dos brancos“: „O exemplo dos mestiços do Paranaíba acabará por mostrar - se isso for necessário - que, tanto entre os homens quanto entre os animais, as raças se aperfeiçoam ao seu cruzarem.“ (Viagem à província de Goiás, tradução de Regina Regis Junqueira, Belo Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975, págs. 136-137)


Embora citando o desenvolvimento do pensamento na França, Darwin procurava inserir-se sobretudo no pensamento anglo-saxão, lembrando ser curioso como as mesmas idéias surgissem em diferentes locais à mesma época. Ao lado de citar Goethe, o seu esforço em procurar inserir-se numa própria tradição familiar é evidente. O seu avô, Erasmus Darwin, teria, na sua obra Zoonomia (1794), antecipado a Lamarck. Goethe na Alemanha, o seu avô na Inglaterra e Geoffroy Saint-Hilare na França teriam chegado a conclusões similares sobre a origem das espécies ao redor de 1794/94. Darwin parece procurar, aqui, um paralelo histórico para a situação desagradável da publicação de sua própria obra, antecipada que teria sido sob alguns aspectos por A. R. Wallace.


Continuando com o seu panorama, Darwin menciona informações fornecidas pelo americano Rowley relativas ao inglês W. C. Wells. Cita uma comunicação feita em 1913 por W.C.Wells na Royal Society de Londres sobre uma mulher branca, cuja pele se assemelhava à de um negro; em 1818, Wells publicara uma obra na qual reconhecia o princípio da seleção natural, a primeira aceitação desse princípio tornada pública.


Wells tratara porém apenas de raças humanas, entre outras de questões de imunidade de negros e mulatos com relação a doenças tropicais, mencionando, porém, que todos os animais tenderiam até certo ponto à mudança e que os animais domésticos poderiam ser melhorados através de processos de seleção. O que aqui ocorreria artificialmente faria supor que processo similar ocorresse na Natureza na produção de variedades humanas mais adequadas para o respectivo habitat.


Passando dessas considerações antropológicas de Wells ao terreno da botânica, lembra que W. Herbert, em 1822 e em 1837 afirmara, em obras de horticultura e jardinagem, que as espécies de plantas representariam uma classe mais elevada de variedades, ampliando a sua opinião aos animais. Em 1826, Grant, em texto publicado no Philosophical Journal de Edinburgh, confirmava que as espécies se derivariam de outras espécies e que se aperfeiçoariam através dessas transformações, uma opinião que repetiria em 1834. Opiniões similares quanto à origem das espécies, no relativo à arboricultura, foram publicadas por Patrick Matthew, em 1831, e por Wallace, no Linnean Journal. Segundo Darwin, porém, Matthew teria dado um pêso demasiado grande à ação das condições de vida.


É singular como no desenvolvimento apresentado por Darwin são considerados autores de vários continentes ou obras dedicadas a diferentes regiões do mundo. Entrando na área da Geologia, Darwin lembra da Descrição das Ilhas Canárias de C. Leopold von Buch (1774-1854), surgida em 1836. Nessa obra, o seu autor expressara a opinião de que as variedades de transformavam gradualmente em espécies definidas e que estas então não seriam mais capazes de cruzamentos. No trabalho de Rafinesque, também deste ano, sobre a Flora da América do Norte, constatava-se opinião similar. Nos Estados Unidos, em artigo surgido no Boston Journal of Natural History, Haldeman discutira razões a favor ou contrárias à hipótese do desenvolvimento e da transformação das espécies.


Das posições contrárias, ou seja, daquelas que partiam da inalterabilidade das espécies a partir de concepções teológicas, Darwin lembra da obra Vestiges of Creation, anônima, publicada em 1844 e 1853, de grande difusão, admitindo porém o seu mérito por ter chamado a atenção geral ao problema.


Após discutir opiniões do geólogo J. d‘Omalius d‘Halloy (1831; 1846) e de Owen (1849), tratando sobretudo da questão de uma prioridade de Owen pela publicação da doutrina da seleção natural. Darwin procurou relativar o significado de ter sido Owen o primeiro a expressar o princípio da seleção natural, uma vez que teria sido antecipado por Wells e Matthew.




Significado da estadia no Brasil


Na Introdução à sua obra, Darwin remonta à sua viagem a bordo do Beagle. Lembra que ficou altamente impressionado por certas singularidades na distribuição dos animais e das plantas da América do Sul, assim como das relações geológicas dos habitantes atuais desse continente com os anteriores. Nos capítulos posteriores poder-se-ia ver como tais observações pareceram-lhe elucidar a origem das espécies, o „mistério dos mistérios“.


Após o seu retorno à Europa, em 1837, pareceu-lhe que a questão poderia ser esclarecida sob muitos aspectos através da coleta e da comparação de fatos pertinentes. Em 1848, Wallace, que então se dedicava à História Natural no Arquipélago Malaio, enviara-lhe um texto, em 1858, com o pedido de transmiti-lo a Charles Lyell, que o publicou então na revista da Linnean Society. Como Wallace chegara às mesmas conclusões de Darwin, este resolvera publicar rapidamente a sua obra, ainda que em esboço. Darwin estende a doutrina de Malthus sobre o aumento geométrico da população humana a todo o mundo animal e vegetal, o que levaria a uma luta pela vida dos seres.


Brasil na Origem das Espécies


Observações realizadas no Brasil por Fritz Müller são primeiramente consideradas no segundo capítulo, dedicado ao tema da mudança no estado natural. Tratando da questão da diferença entre indivíduos da mesma espécie que surgem como independentes da variação, por exemplo entre diferentes sexos, menciona informações de Wallace relativas ao Arquipélago Malaio e a de Fritz Müller, incluindo-as na sua argumentação. „Similares casos, ainda muito mais singulares pode Fritz Müller observar entre os machos de certos crustáceos brasileiros; assim, o macho de uma Tanais surge usualmente em duas diferentes formas (...)“. ( C. Darwin, Die Entstehung der Arten durch natürliche Zuchtswahl, trad. C. W. Neumann, Stuttgart, 1963, pág. 79)


No trecho relativo ao nível que cada organização se procura erguer, volta a considerar informações do Brasil. Essa menção se insere em contexto de alto significado da obra de Darwin, pois trata do aspecto de sua teoria na qual a existência persistente de seres mais inferiores não apresentaria problemas, pois a seleção natural ou a sobrevivência do mais apto não implicaria necessariamente em progresso. Na sua argumentação, cita a informação de F. Müller segundo indivíduos da família de tubarões não oprimiriam o Amphioxus, pois este possuiriam nas costas inférteis e arenosas do Sul do Brasil um único concorrente. (op.cit. pág. 179)


Outra informação referente ao Brasil empregada por Darwin surge no capítulo VI, onde trata das dificuldades da teoria. Aqui, no ítem designado como formas de transição, parte da afirmação de que se não fosse possível comprovar a existência de um órgão composto que não pudesse ser originado por numerosas transformações sucessivas, a sua teoria cairia por terra. Tratando dos vários modos de transição, entre êles o da aceleração e retardamento dos períodos de reprodução, cita um exemplo do Brasil. De novo remonta às observações de Fritz Müller relativas aos crustáceos. (op.cit. 254)


No ítem desse capítulo voltado às dificuldades especiais da teoria da seleção natural, tratando de casos extraordináriamente difíceis de elucidação, volta a considerar observações feitas no Brasil. Fritz Müller, para comprovar as teses de Darwin, teria realizado com grande cuidado uma similar demonstração de provas. Muitas famílias de crustáceos incluiriam espécies que possuem um aparelho para a respiração e que são adaptados à vida fora da água.


Em duas dessas famílias, pesquisadas com cuidado por Müller, aparentadas, as espécies coincidem entre si em todas as suas características principais, nos seus órgãos de sentidos, no sistema circulatório e outros. Fritz Müller opinava, assim como Darwin, que a grande similaridade em vários pontos do corpo precisaria remontar à derivação de um antepassado comum. Isso levou Müller a analisar o aparelho respiratório pormenorizadamente, descobrindo que todas as espécies que respiram diferem entre si em muitos pontos. A argumentação leva por fim a confirmar que a suposição de atos criativos particulares tornaria a questão incompreensível. Para Müller, essas comprovações seriam tão importantes que o levaram à confirmação das opiniões apresentadas na obra de Darwin. (op.cit.  260)


No capítulo VII, dedicado às objeções contra a seleção natural, Darwin volta a referir-se ao Brasil no ítem que trata de plantas trepadeiras. Refere-se aqui às observações de F. Müller de que os caules novos de uma Alims e de um Linum (plantas não-trepadeiras) desenrolam-se de forma clara, ainda que irregular, vendo como provável que o fato ocorresse em outras plantas. (op.cit. 325). No capítulo VIII, dedicado ao Instinto, volta a considerar Wallace e Müller, aquele com referência ao Arquipélago Malaio, este com o Brasil. O primeiro explicaria a ocorrência de duas ou três formas femininas diversas de uma borboleta, Müller elucidaria a ocorrência de dois machos diferentes de um crustáceo brasileiro. (op.cit. 380)


Nova menção de pesquisas realizadas no Brasil ocorre no capítulo 9, dedicado à formação de bastardos. Aqui, considerando o grau de infertilidade e aspectos de polinização, menciona que em diferentes orquídeas, como demonstrado por F. Müller, seria generalizado o fato singular de certas plantas poderem ser polinizadas com pólens de uma outra espécie. (op.cit. 388)


No Capítulo XIV, que trata do parentesco recíproco dos seres viventes, da morfologia, da embriologia e de órgãos rudimentares, Darwin, referindo-se à classificação, refere-se ao fato de que alguns cientistas, entre eles Milne Edwards e Agassiz exageraram no significado das características do embrião.


Esse exagero derivaria do fato de que não se excetuara as características de adaptação das larvas, Para comprovar esse fato, F. Müller ordenara os crustáceos brasileiros exclusivamente segundo tais características, e o resultado foi uma classificação artificial. (op.cit. 584) No mesmo capítulo, volta a referir-se ao Brasil, situando a descoberta curiosa de Fritz Müller segundo a qual alguns crustáceos (aparentados com o Panaeus) surgem primeiramente na simples forma Nauplius, passariam depois por dois ou mais estágios Zoe e Mysis, atingindo por fim a sua forma definitida. Müller demonstrava a sua opinião dizendo que todos os crustáceos apareceriam como Nauplii se não ocorre opressão do desenvolvimento (op.cit. 618).


Mais à frente, trata de outro caso singular com base em informação vinda do Brasil. Muitos animais da terra e da água doce, ao contrário dos membros aquáticos dos mesmos grupos, não passariam por metamorfose. Müller supunha aqui que o processo da transformação lenta e de adaptação de um animal à vida da terra e da água doce seria simplificado, de modo que não passavam pelo estágio de larva. (op.cit. 623)


O Brasil volta, por fim, a estar presente na obra novamente pelos seus crustáceos. Nessa grande classe, as formas se diferenciariam: algumas delas aparecem primeiramente na forma Nauplius. Como essas larvas se alimentam no mar aberto e não se adaptam a modos de vida especiais, Fritz Müller e outros supunham que, em tempo remoto, um animal adulto igualava-se ao Nauplius, surgindo mais tarde os grandes grupos de crustáceos através de várias linhas de derivação. (op.cit. 624)


As informações relativas a observações realizadas no Brasil surgem, assim, em pontos importantes no caminho demonstrativo de Darwin. Dizem respeito sobretudo a crustáceos, a plantas trepadeiras, a orquídeas e borboletas. Tais informações, juntamente com outros dados, foram considerados também em outras publicações. Pode-se citar aqui, textos relativos ao movimento de plantas trepadeiras (On the Movements and Habits of Climbing Plants, London: Longman e.o., 1865; 2a. ed. 1875; c/ F. Darwin, The Power of Movement in Plants, Londres: Murray 1880); a obra, em dois volumes, The Variation of Animals and Plants under Domestication (London: John Murray, 1868); os trabalhos relativos à polinização (The Effects of Cross and Self Fertilisation in the Vegetable Kingdom, Londres: Murray, 1876; On the Various Contrivances by Which British and Foreign Orchids are Fertilised by Insects, and on the Good Effects of Intercrossing, 2a. ed. London: Murray 1877).


Antonio Alexandre Bispo



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais - Academia Brasil-Europa (A.B.E.) - e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes, I.S.M.P.S. e.V.), visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens: http://www.brasil-europa.eu


  2. A A.B.E. é entidade exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias. É, na sua orientação teórico-cultural, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. A Organização de Estudos de Processos Culturais remonta a entidade fundada e registrada em 1968 (Nova Difusão). A A.B.E. insere-se em tradição derivada de academia fundada em Salzburg pelos seus mentores, em 1919, sobre a qual procura sempre refletir.