Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 118/17 (2009:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2438


 



Homenagem a Anna Stella Schic




Maria Inês Guimarães*


Anna Stella Schic, pianista brasileira, natural de Campinas, cidade do interior de São Paulo, faleceu, na França, no começo deste ano de 2009. Desde sua chegada neste pais, esteve envolvida em inúmeros projetos, entre os quais se destacam aqueles estreitamente ligados ao compositor Heitor Villa-Lobos. Essa aproximação com o músico fez com que a pianista se tornasse uma das mais importantes intérpretes da obra do compositor das Bachianas. Anna Stella sempre contava aos que tiveram o prazer de conviver com ela,  sobre seu contato pessoal com Villa-Lobos e de como esse encontro com ele contribuiu para que ela percebesse o que o compositor queria em suas peças. Sobre isso, ela falou também, em 2001, para a revista Concerto. Ao responder ao jornalista Nelson Kunze sobre como foi o contato com o compositor ela afirmou:


Conheci Villa-Lobos pessoalmente e trabalhei a obra dele com ele. Naturalmente eu não podia trabalhar tudo, mas algumas das principais composições. E ele me indicou precisamente o que queria e isso me deu uma grande segurança na questão da interpretação. Também toquei duas vezes sob a direção de Villa-Lobos. Eu apresentei, em primeira audição na Europa, o seu Concerto n° 2 — que é um belíssimo concerto—, e toquei Momoprecoce, na Suíça, sob sua direção. Naturalmente, todo este contato me deu uma noção muito precisa do que ele queria como interpretação das obras pianísticas”. (REVISTA CONCERTO — Guia mensal de música erudita, Clássicos editorial: São Paulo. Ano VII número 66, setembro de 2001, p. 14)






                      

                                                         
             
               





  Anna Stella Schic e Michel Philippot



Eu conheci Anna Stella em 1988 quando cheguei em Paris com o número de telefone dela que me fora oferecido pelo professor Almeida Prado, em Campinas. A partir daí, passei a ter contatos periódicos com ela. Desde o primeiro momento, percebi que estava diante de uma mulher que era grande conhecedora da música e ao mesmo tempo forte, decidida, engajada. Tive assim o prazer também de conhecer Michel Philippot grande compositor francês que era o companheiro e cúmplice da mulher e da artista.

Além do professor Almeida Prado, era outro nome da música que me aproximava de Anna Stella: o de Villa-Lobos. Desde o começo de meus estudos musicais, Villa foi um de meus compositores preferidos, principalmente por causa da escrita rítmica em torno da qual quase sempre ele constrói suas peças. 

Como aluna de Anna Stella, fiz releituras importantes da obra de Villa, como é o caso do Choros n° 5 Alma Brasileira. Nesta obra composta em 1925, observemos o desenho rítmico percussivo proposto na mão esquerda. Este ritmo, se tocado exatamente como está escrito, levaria a um resultado pesado e pastoso que impediria a fluidez do desenho melódico da mão direita. Neste momento da peça, o compositor procura leveza e alegria em contraste com as duas outras partes da obra: a languidez da seresta do começo e final e a densidade da parte central com o tema índio percussivo. Podemos ver no exemplo abaixo uma indicação de interpretação baseada na maneira de tocar da música popular brasileira que inspirou o compositor e a qual adotamos na gravação dos CDs Saudades das Selvas Brasileiras, (Pavane, Belgique, 2000); Contrepoint (Intégral, Paris, 2006) et Alma Brasileira (Vibrato, Paris, 1993). Estes discos foram realizados após um trabalho detalhado das obras com Anna Stella Schic.


                     

                                                              
                    
                      









Villa-Lobos, Alma Brasileira - Choros n° 5, compasso 25, Ed. Max Eschig, desenho rítmico percussivo na mão esquerda.



Villa-Lobos, Alma Brasileira - Choros n° 5, compasso 25, mão esquerda, indicação de interpretação, pedal facultativo indicado por Anna Stella.


Por outro lado, notamos abaixo um desenho rítmico também na mão esquerda, mas aqui com caráter melódico onde se deve tocar legato e para o qual o compositor pedia muito pedal.




Villa-Lobos, Alma Brasileira - Choros n° 5, compasso 12-14, Ed. Max Eschig, desenho rítmico melódico, tocar legato com muito pedal.


Neste ano em que se comemora os 50 anos da morte de Villa-Lobos (1887-1959), torna-se imperioso homenagear, também, aquela que gravou a obra integral para piano desse compositor (EMI, relançada na França por Solstice). Ainda sobre ele, Anna Stella escreveu o livro  Villa-Lobos : Memórias de um índio branco (Actes Sud) que é um estudo importante e necessário para aqueles que desejam conhecer o compositor brasileiro.

Anna Stella era, no entanto, ainda mais. Em sua obra encontra-se, também, um livro de técnica pianistique L'école Liszt (Société des écrivains). Esta obra registra a filiação da intérprete à escola de Liszt. Ela estudou no Brasil com José Kliass, aluno de Martin Kraus, um dos mais famosos discípulos de Liszt. Como professora, registra-se sua participação na fundação, no início dos anos 80, de uma faculdade de música em São Bernardo, no Estado de São Paulo. Ela deu aulas na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Premiada por sua obra e membro da Academia Brasileira de Música, Anna Stella sempre teve o prazer de revisitar obras de grandes compositores. Assim, foi uma das responsáveis pela divulgação, no Brasil, da obra de Pierre Boulez e para muitos, pela reabilitação das obras de compositores como Mendelsshon e Gershwin o qual ela sempre comparou com Ernesto Nazareth.

Sobre essas gravações, ela afirmou, em 2001:

“Eu gravei uma obra muito importante e isso realmente me dá uma grande satisfação — os prelúdios e fugas de Mendelssohn. Pouca gente toca, eu lamento, porque é uma obra realmente considerável.” (...) Quando eu descobri Gershwin, achei um musicista formidável. Mas a sua maneira de abordar o instrumento não é a mesma. Eu procurei, estudei bastante a técnica, não sei se consegui. Em todo caso, eu tentei fazer o som muito mais percutido, não mais redondo. “(REVISTA CONCERTO — Guia mensal de música erudita, Clássicos editorial: São Paulo. Ano VII número 66, setembro de 2001, p. 15)


Segundo a própria Anna Stela, foi ela quem fez a primeira audição do Concerto em Fá de Gershwin na Tchecoslováquia e na Alemanha.

A essa pianista, professora, mulher atuante e grande intérprete, que morreu em fevereiro de 2009, em Nice, no sudeste da França, resta-me agradecer por aquilo que me ensinou, pelas oportunidades que me ofereceu, pela companhia bem humorada, e pelo que ela fez pela música.




*Maria Inês Guimarães started studying the piano and the conservatoire of the city of Uberaba, Minas Gerais, in Brazil. She went on to perfect her instrumental technique in São Paulo with the pianist Eudóxia de Barros and Rafael Dos Santos. She also attended master classes given by the concert pianist Magdalena Tagliaferro. She also studed avec Jean Marie Machado and Bruno Wilhelm.From the outset of her career, Maria Inês has always devoted a part of her programmes to both traditional and classical  Brazilian music. Thus, whether she is performing in Brazil or elsewhere, Bach, Beethoven, Fauré and Kurtág  rub shoulders with Nazareth, Mignone, Abreu, Villa-Lobos and Antunes.

As concert halls are not always the ideal venues for experiencing popular traditional music, she also performs in bars and cafés in both France and Brazil. In this way, with her group  "Ilustrando o CHORO", consisting of piano, flute, bass and Brazilian percussion, she  is able to keep alive the almost century old tradition of Chorinho. Because improvisation is her passion Maria Inês has founded the Duo Asymétrie with Brenda Ohana and the Trio Wilhelm-Guimarães-Mendy with Bruno Wilhelm and Paul Mindy. She is member of the group L‚Attachement des Bobines created in 2006.

In France, Maria Inês has worked on the piano with Ana Stella Schic and Françoise Parrot-Hanlet at Paris‚ Ecole Normale de Musique. Since December 1996 she has held a doctorate from the Sorbonne University in Paris. This doctorate enabled her to study the works of the Brazilian composer  Lobo de Mesquita (1746-1805), under the supervision of Edith Weber. Her thesis was published by Presses Universitaires du Septentrion in 1997.

Her career as a musician is complemented by the free improvisation, the publication of articles, books and scores as well as her post as professor at the Conservatoire of Antony, in the Paris region. Maria Inês has also brought out ten recordings as both artist and composer.