Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 118/19 (2009:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2437


 


Costa Rica-Brasil


Legado cultural hispânico e o despertar de consciência nas Américas: J. García Monge


Resenha



Ana Cecilia Barrantes de Bermejo. América/España en Repertorio Americano. San José: Editorial Costa Rica, 2007. 254 p.; 21 x 13,5 cm. ISBN 978-9977-23-875-3



A autora, doutora em Filologia pela Universidade de Valencia, Espanha, foi membro fundadora da Universidad Nacional de Costa Rica, de seu Conselho Universitário, tendo sido Vice-Decana e Decana do Centro de Estudios Generales da mesma universidade. É autora de vários livros, entre eles De la Normal Superior a la Universidad Nacional: Un anhelo y una experiencia (1994); Buscando las raíces del Modernismo en Costa Rica (1994); Para comprender El arpa y la sombra (1998) e Niñas y niños del 48 escriben I.


A obra é dividida em duas partes: Algunos logos del Repertorio Americano e Hacia la solidaridad. Os textos são emoldurados por um Proemio, por Bibliografia e por Anexos (América, Hispanoamérica, Latinoamérica, Iberoamérica, Panamérica, Indoamérica y Eurindia; Autores americanos se refieren a temas españoles).


O Repertorio Americano foi uma revista publicada sob a direção de Joaquín García Monge, de 1919 a 1958, ano de seu falecimento, constituindo hoje, com os seus 1168 números, importante fonte para estudos histórico-culturais. A coleção compreende 50 tomos, cada um com 24 cadernos de16 páginas. A autora utilizou o Repertório sobretudo sob a perspectiva das relações entre a América e a Espanha. Guiou-se, nos seus exames, pelos conceitos de legado e contemporaneidade. Procurou elucidar as idéias e as relações estabelecidas entre intelectuais e artistas dos dois lados do Atlântico relativamente ao legado cultural hispânico e ao despertar de consciência da realidade americana.


A primeira parte da obra é dedicada ao tratamento dos seguintes temas: O que é o Repertorio Americano?; A língua, poderoso instrumento de comunidade humana; O livro, coadjutor da cultura hispana; A política: civilizar, educar; Hispanoamericano, latinoamericano, panamericano, indoamericano?; Consciência e identidade da América e Do arielismo.


A autora se dedica ao exame das designações de americano e de hispânico, de suas implicações linguísticas e de seus poderes criadores, concentrando-se sobretudo na influência dominante do arielismo. Ao mesmo tempo, questiona como foi crescente o despertar do auto-conhecimento e da consciência de unidade da América. Salienta que o Repertório Americano defendeu desde o seu primeiro número a identidade histórica como emoção estética.


Como a autora lembra, García Monge, ao fundar a revista, tinha como propósito propagar e renovar idéias e revisar valores tradicionais sob diferentes aspectos. O seu modêlo foi dinâmico, vital, procurando contribuir à solidariedade, sempre aberto ao diálogo.


As concepções de Monge, o seu ideal da unidade Homem/Cultura e da Cultura a serviço do Homem haviam sido desenvolvidas durante a sua estadia no Chile. Em Nova Iorque, em 1918, teria tido a idéia de editar uma revista, para a qual pensara nos títulos La Reunión Americana e Repertorio Americano, guiando-se respectivamente pelo argentino Mariano Moreno e Andrés Bello. O nome de Reuníon tinha conotações com as idéias de simpósio, ou seja, de banquete, ágape, convivio, designando o intuito de congregação e agrupamento. O título Repertorio, por seu lado, indicava o intuito de compilar num todo fragmentos de obras e tinha conotações que sugeriam o descobrir.


A preocupação maior dizia respeito ao futuro das relações entre a América inglêsa e a América latina, a realização de uma „anfictionía hispanoamericana“ sonhada por Bolívar. Com base nas declarações de Monge, a autora salienta que o programa da ação compreendia o ser fiel aos fortes vínculos espirituais entre as quatro Espanhas e os países latinos do Mediterrâneo, a luta pela anfictionía hispanoamericana no sentido de uma fidelidade ao espírito da antiga Grécia, que aspirava a associação de povos para assuntos de interesse geral, e as já citadas relações entre a América anglo-saxônica e a latina. Tais aspirações eram novas numa época em que a cultura humanística da elite americana teria sido unilateralmente europeizante, marcada pela concepção de uma rivalidade cultural e pela „adoración positiva a las culturas anglosajonas contra el retraso de la otra América“. (pág. 27) A rivalidade cultural acentuada pelo arielismo evidenciava uma situação decadente.


No Repertório publicaram-se expressões de criação literária e artística, artigos, ensaios, poemas, caricaturas e retratos. Há um predomínio de textos de função cognitiva, informativa e explicativa ao lado daqueles de cunho estético. Em alguns outros países americanos surgiram órgãos inspirados no Repertorio Americano. Foi, segundo a autora, órgão influente na formação de uma moderna cultura hispânica, moderna e ao mesmo tempo interpassada de latinidade romana e de espírito socrático. Segundo um crítico do Equador, a revista contribuiu a que Costa Rica passasse a ser considerada como centro intelectual destacado do continente. Na Colombia, foi designado como a „voz da América“.


A segunda parte do livro é dedicada ao tratamento dos seguintes ítens: Para a americanidade; Conhecimento dos espanhóis com respeito à América; Crescente simpatia dos espanhóis para com a América; Crescente simpatia dos americanos para com a Espanha; Unidade/Irmandade; Um momento decisivo: um império da hispanidade?; Enriquecimentos da americanidade; Peroração e Mátria.


Nessa segunda parte, a autora explorou a concepção de Patria Una como atitude literária carregada de sentido ético. Examinou os conhecimentos dos espanhóis referentes à América e, vice-versa, a dos americanos relativamente à Espanhã para chegar à unidade-irmandade no movimento de ida e volta. Destacou um momento decisivo que ocorreu com a caída da Espanha republicana, quando a ambição de Franco era a de restaurar um império da hispanidade.


O peculiar no empenho do órgão foi o de ter visto o movimento de aproximação como obra cultural, despojada de toda intenção nacionalista. Salientava-se que, quando se falava de „madre patria“ nos países americanos não se queria com isso significar colonias espirituais de antigas colonias políticas. García Monge defendia uma concordia entre a cultura angloamericana e a hispanoamericana na criação de uma nova civilização americana. Para isso enfatizou o ético e o estético.


A concepção de „Matria“ de García Monge surge como uma busca de uma terra incógnita e de uma nova tradição para transcender a circunstância imediata e buscar respostas que a vinculem à tradição da cultura universal. Mátria seria uma espécie de alma cultural, um impulso existencial, símbolo, um termo originado do alemão Mutterland, inspirado em Leopold Ziegler. Essa idéia universalizante seguia a convicção de que só através de caminhos universais é que os hispanoamericanos se aproximariam de si próprios. Na Matria também havia lugar para os frutos espirituais da alma do Oriente na América. Judeus e chineses deveriam assim incorporar-se como criadores à cultura a se desenvolver.


Como a autora salienta no seu prólogo, ao redigir o seu trabalho decidiu-se intencionalmente por eliminar todo o aparato acadêmico, teórico e erudito. Teria tomado essa decisão por crer que os resultados de seu estudo devessem chegar ao „homem da rua“, especialmente aos estudantes, para interessá-los pela riqueza ideológica tratada. Procurou não dar ao leitor „idéias mastigadas“, propondo projetos e modelos. Teve o cuidado de que as citações não se prestassen a outras leituras, a outros deciframentos do discurso, inspirando-se na idéia de que as citações não devem criar „pseudo- necessidades“, „pseudo-interesses“. Assim, o leitor estaria capacitado para captar o espírito da época. Outra intenção teria sido a de apresentar autores que sabem utilizar a língua, brindando o leitor com espelhos ideológicos vivos, alguns contraditórios, que foram formando ou conformando a cultura americana. Apesar de ser resultado de uma decisão consciente, é justamente nessas concepções, nessa sua parte formal e metodológica que a publicação se apresenta como questionável e merecedora de ser revista.


A.A.Bispo