Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 118/20 (2009:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2009 by ISMPS e.V. Edição reconfigurada © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2436


 

Costa Rica - Brasil


História oral de ruralidades, estudos culturais e cultivo de tradições


Resenha



Maria Mayela Padilla. Por los trillos de la finca. San José: Editorial Costa Rica, 2006. 188 p. 21 cm x 14 cm. ISBN 9977-23-828-6



Nesse conjunto de narrações e crônicas, a autora relata suas experiências de vida como menina e adolescente em propriedade na região de San Ignacio de Acosta.


Licenciada em Engenharia Agrônoma, Maria Mayela Padilla é escritora e já gravou discos e cassetes com poesias e canções de cunho regional e típico (Las mejores poesías de María Mayela Padilla; 15 canciones de María Mayela Padilla; Por eso nos llaman ticos). Publicou vários livros (Cantos de elote tierno/Leyendas ticas e otras vainas; Dichos y refranes de los ticos). Trabalhou durante anos no programa de rádio Güipipía e na televisão em El Barbero de la Villa e El Fogón de doña Chinda. Participou em filmes (La Negrita; Los Secretos de Isolina).


Enriquer Tovar salienta que a escritora, „reconocida folclorista nacional, cantante de melodiosa voz y compositora, recoge de su memoria, prácticamente sin desvirtuar, particularidades de su infancia y adolescencia, la manera de mirar el mundo cuando la inocencia lo cubre todo, al tiempo que el lector tiene la gran experiencia de ir viendo cómo se va desvaneciendo esa falta de malicia y cómo la protagonista va reflexionando, con base en sus vivencias y tirando líneas para enfrentar un mundo en el cual la mentira, los espejismos y las irrealidades cotidianas tienden a empañarlo todo.“ (pág. XII)


Roberto Aguilar, em prólogo, acentua que a autora entra com a sua obra numa nova área da produção artística costarricense. Os relatos, quase que autobiográficos, possuiriam valor literário, refletindo a riqueza histórica das vivências da classe trabalhadora nas quintas cafeicultoras do Valle Central. Essa realidade, desconhecida por muitos e ignorada por políticos e historiadores, surge como de importância como um „pilar da idiosincrasia de Costa Rica.“


Museo Nacional de Costa Rica. Fotos A.A.Bispo 2009. Copyright
Sob o pano de fundo dessas palavras introdutórias, a obra de Maria Mayela Padilla desperta a atenção também nos estudos culturais que relacionam Costa Rica e o Brasil. A importância da cultura do café em ambos os países, as mudanças ocorridas nas plantações e na vida de proprietários e trabalhadores no decorrer do último século, com influência nas imagens e auto-imagens de regiões chama à consciência a necessidade de fixação de testemunhos do passado e a oportunidade da publicação de tal obra.


Não se trata aqui, porém, apenas de recuperação de documentos históricos, que em geral oferecem dados de interesse sobretudo sobre a vida de proprietários e de suas visões da realidade, mas sim como de reconstruções de vivências a partir da história oral de protagonistas do trabalho. Ter-se-ia, assim, por um lado, mais uma expressão do intuito de se escrever uma história das mentalidades, de uma história „de baixo“, de uma história a partir da perspectiva de trabalhadores rurais.


Entretanto, apesar do grande significado do intento para os estudos culturais, sobretudo da ruralidade, a obra da autora de Costa Rica traz à consciência um conjunto de problemas teóricos e metodológicos que também se constata no Brasil.


O seu intuito não é exclusivamente histórico-cultural, mesmo no sentido de uma história das mentalidades, mas reflete antes a sua inserção em determinadas correntes de pensamento e de concepções do Folclore também vigentes no Brasil e que necessitam ser consideradas nas suas intenções positivas e nos seus aspectos negativos de pouca refletividade metodológica.


O seu modo de proceder não indica tanto preocupações teóricas, mas adquire um cunho de crônica literária. Uma apreciação adequada da obra deveria assim ser tentada antes de um ponto de vista literário do que propriamente científico-cultural. Demonstra que também em Costa Rica constata-se a existência de uma compreensão de Folclore que se caracteriza pela interferência de esferas disciplinares e, sobretudo, pela não-separação entre intuitos criadores e de pesquisa e pela orientação prática, de difusão e formação cultural altamente emocionalizada a serviço de impulsos patrióticos e de sentimentos regionais.


Uma apreciação adequada da obra de Maria Mayela Padilla, relacionando-a com o Brasil, deveria assim ser procurada comparando-a não com a obra de pesquisadores sobretudo interessados na renovação teórica do Folclore como disciplina, mas sim com o labor cultural de folcloristas-cantoras brasileiras, podendo-se lembrar aqui de artistas-pesquisadoras de renome, tais como Inezita Barroso e Ely Camargo.


No âmbito dos estudos culturais, empenhados na renovação do Folclore, tem-se a tendência de considerar tais correntes como expressão de uma fase já histórica da disciplina, não exatamente científica.


A obra de Maria Mayela Padilla, porém, demonstra a continuada vigência e a atualidade da ação de folcloristas que se inserem nessa tradição de pensamento em várias regiões do continente, movidos que são por sentimentos pátrios, regionais e intenções educativas. A tarefa que se impõe é a da procura de critérios adequados para o exame dessa produção, da sua inserção adequada em contextos e de suas consequências para a política cultural.


A.A.Bispo

Exposição de motivos da vida rural no
Museu Nacional de Costa Rica.
Fotos H. Huelskath 2008