Doc. N° 2385
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
116 - 2008/6
Alemanha - República Tcheca - Brasil
68: Música contemporânea e difusão cultural em relações bilaterais Paulo Affonso de Moura Ferreira
Revendo 1968 na vida musical Paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
É impossível considerar questões de difusão musical no Brasil de fins da década de sessenta sem dar particular atenção às atividades do pianista Paulo Affonso de Moura Ferreira. Mais do que qualquer outro protagonista da vida musical erudita do país, Paulo Affonso de Moura Ferreira surge como representante dos anseios renovadores de 68 pelas suas intensas atividades de divulgação de obras da música de vanguarda e pelo espírito corajosamente pioneiro que demonstrava. Foi, durante aqueles anos, decisivo combatente de convenções. Colaborou estreitamente aos esforços de organização da sociedade Nova Difusão em 1968, entidade que então apoiaria vários de seus concertos.
Nascido em Araraquara, em 1940, tinha sido discípulo de Lydia Alimonda, Heitor Alimonda e Homero Magalhães. Formara-se no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e no Curso de Canto Orfeônico anexo ao Instituto de Educação Caetano de Campos. Aperfeiçoara-se na Alemanha, de 1962 a 1966, especializando-se na interpretação de música contemporânea. Estudara no instituto superior de música de Trossingen, com Guido Waldmann e Lilli Kroeber-Asche. Após o seu retorno da Alemanha, Paulo Affonso de Moura Ferreira passou a dedicar-se à divulgação de obras de compositores contemporâneos no Brasil através de iniciativas várias. Era, na época, professor da Escola de Música de Piracicaba, dirigida por Ernst Mahle, idealista que desenvolvia com a sua escola um dos projetos pedagógicos e culturais de maior relêvo do país. O trabalho de Paulo Affonso de Moura Ferreira possuia uma acentuada orientação internacional e intercultural. Realizou vários concertos de cunho bilateral, destinados à difusão de conhecimentos e ao intercâmbio. Dentre as suas numerosas realizações, apenas algumas podem ser aqui consideradas. Servem para salientar a inestimável contribuição dada pelo pianista à atualização de conhecimentos e ao estreitamento de laços entre as nações. Paralelamente às suas execuções e à organização de concertos, Paulo Affonso de Moura Ferreira realizava um extraordinário trabalho de levantamento de partituras e de estabelecimento de contatos com compositores, pensadores e instituições. Com base nesse diversificado e intenso trabalho, estaria em condições nos anos seguintes de editar partituras e catálogos de obras de compositores brasileiros contemporâneos, contribuindo para a sua divulgação no Brasil e no Exterior.
Boris Blacher (1903-1975)
Dentre as iniciativas de Paulo Affonso de Moura Ferreira de 1968, cumpre salientar o concerto realizado a 25 de outubro, no Centro Cultural Brasil-Alemanha, que se anunciava como Dozentur do Instituto Goethe de Munique no Instituto Hans Staden de São Paulo. O concerto foi inteiramente dedicado a obras de Boris Blacher, então diretor da Escola Superior de Música de Berlim Ocidental.
Tratava-se de um compositor que despertava na época especial atenção de estudantes de composição e interessados em análise e teoria desenvolvida da música no Brasil. Assim, no Curso e Festival de Músical de Curitiba daquele ano, obras de Boris Blacher haviam sido analisadas e comentadas em cursos de Ernst Widmer. Para Widmer, uma certa tendência à sátira e à paródia na produção de Blacher surgia como particularmente instigante no seu trabalho com futuros compositores brasileiros.
Sobretudo aspectos rítmicos e métricos - em particular da técnica dos metros variáveis - despertavam a atenção de jovens dedicados à composição pelo significado do fator rítmico para o Brasil. Obras de Boris Blacher eram consideradas também em círculos de estudantes de Arquitetura da FAU/USP relacionados com a música, uma vez que o compositor unia na sua formação Arquitetura, Música e Musicologia. Surgia, nesse sentido, como vulto emblemático para anseios de diálogo interdisciplinar entre essas áreas e que determinaria o trabalho posterior da Nova Difusão.
Apesar do fundamental interesse de suas obras, um recital exclusivamente dedicado a obras de Boris Blacher nunca havia sido realizado. Participaram do concerto Ula Wolff (soprano), Valeska Hadelich de Ferreira (violino), Eládio Perez Gonzalez (barítono), Cláudio Stephan (vibrafone), Guilherme Franco (percussão) e Sandor Mólnar Jr. (contrabaixo). O programa constou das seguintes obras: Dois poemas para quarteto de jazz op. 55 para vibrafone, contrabaixo, percussão e piano; Quatro canções sobre textos de Friedrich Wolf op. 25; Sonata para violino e piano op. 18; Francesca da Rimini, fragmento da Divina Comédia de Dante para soprano e violino solo, op. 47; Três peças para piano (1943); Sonata para piano op. 39; Cinco provérbios de Omar, fazedor de tendas, op. 3; Aprèsludes: Quatro canções sobre poesias de Gottfried Benn op. 57 e 3 Salmos para barítono e piano (1943).
Os textos cantados em alemão foram publicados em português, o que representou um considerável esforço de tradução.
Das Quatro Canções, segundo textos de Friedrich Wolf:
1. Caroços de Cerejas Tu me trouxeste as primeiras cerejas,/Vermelhas e doces, - primeiros brotos do verão,/Comendo-as, rimos ao mesmo tempo,/ Sem por isso deixarmos de conversar a sério, // E o mundo respirava por todos os poros,/Alegria vermelha e verde amargura, Súbito, tu penduraste em tuas orlhas/Um pequeno par de cerejas, assim, bem unidas.// (...) 2. O Cavalinho de Circo Meneando a cabeça/Enfeitada com plumas coloridas,/O cavalinho, acompanhando os sons de uma polka/Dá voltas, trotando na arena.//De fraque, chicóte em punho, Enluvado de branco, um senhor/Estala surdamente o chicóte,/Girando silenciosamente com o cavalinho.// (...) 3.Razões do Coração Deve-se obedecer ao coração/Pois da razão é ele o dono melhor,/Hoje atormentam-me dores e preocupações/Porque, - sem sentido, - fugi de você.//Maldita seja a eterna pressa - Para a morte se chega sempre em tempo.../Malditas as cordas, as correntes/que amarram-no como escravo// (...)
4. A Bruxa
"Em criança acreditávamos em seres mágicos./A bruxa criava com uma só palavra e de uma só pedra/Um castelo inteiro./O mágico, - de uma vassoura, criava,/Rápidamente, um ser humano com braços e pernas... // (...)
Música da Tchecoslováquia
A 29 de outubro, juntamente com Ula Wolff e sua mulher, Valeska Hadelich Ferreira, Paulo Affonso de Moura Ferreira realizou um programa dedicado à música da Tchecoslováquia no contexto do ciclo A Grande Música de Câmara, no Auditório Itália.
Esse ciclo, promovido pelo Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, era dedicado expressamente a estudantes. Pretendia-se contribuir aos esforços de conquista de novas gerações de apreciadores da música através de concertos de alto nível, a cargo de grandes intérpretes nacionais e estrangeiros. Entendia-se como uma campanha que visava educar os jovens ao culto da música, criando neles a exigência e o hábito de frequentarem as salas de concertos. Entre os meses de agosto e dezembro de 1968, apresentaram-se, no âmbito desse ciclo, vários outros eventos de excepcional qualidade artística e interesse cultural, entre eles um recital de Ilka Machado, para canto e conjunto de cordas, uma apresentação do Grupo Coral do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, sob a regência de Walter Lourenção, um recital de piano de Pietro Maranca, outro de Andor Foldes, um programa dedicado à música instrumental dos operistas italianos, com Almerindo D'Amato e um recital Haydn, com Emma Contestabile. Ula Wolf, tinha sido aluna de Hilde Sinnek e aperfeiçoara-se nos Estados Unidos, na Alemanha e na Áustria. Havia realizado vários recitais na Europa e em diferentes cidades do Brasil. Obtivera, em 1963, o prêmio de melhor solista vocal da Associação Paulista de Críticos Teatrais. Valeska Hadelich tinha sido aluna de Roman Schimmer, tendo participado dos cursos de música nova de Darmstadt (1964 e 1966). Encontrava-s no Brasil desde 1966, onde recebia orientação de Altéa Alimonda. O programa constou de obras de Leos Janacek (Sonata 1° de outubro de 1905, 7 versos infantis), Anton Dvorak (Sonatina op. 100; 7 Canções ciganas op. 55), Bohuslav Martinu (Duas polcas) e Bedrich Smetana (Da terra natal).
Também aqui os organizadores tiveram o cuidado de realizar cuidadosas traduções dos textos cantados.
Rimas infantís, Leo Janacek: III. Não há nada melhor que a primavera! Não há nada melhor que a primavera! Campos e gramados tornam-se verdes. A cabra descansa no pasto nada lhe aborrece o descanso (...) VI. Calças rasgadas, nelas o vento sopra, Vou remendá-las, a aranha já tece fios. (...) VIII. O nosso cachorro quebrou o rabinho Prendeu-o na cerca. Cachorro levado, Pobre cachorrinho! (...) X. A velha feiticeira fêz de cevada cevadinha e de milho moía farinha foi esta a sua magia. (...)
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).