Doc. N° 2386
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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68: Ópera italiana em São Paulo: Questões de renovação e exigências de público Armando Belardi (1900-1989)
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Poucas eram as esferas da vida musical brasileira que em fins da década de sessenta levantavam tantas questões quanto à necessidade de renovação de repertórios e de público que a ópera. Em círculos preocupados com problemas sócio-culturais e de difusão cultural, criticava-se por um lado a constante repetição de obras, o convencionalismo das apresentações e a delimitação social e cultural do público interessado. Sentia-se ou se supunha sentir um certo declínio de interesse pela arte lírica com a integração das gerações mais jovens de origem italiana ou européia em geral na sociedade brasileira. O problema básico da prática operística parecia ser de natureza cultural. Ao mesmo tempo, porém, reconhecia-se a necessidade da apresentação de obras conhecidas do repertório para a manutenção do público existente. Tinha-se, assim, um problema complexo de difusão, uma vez que se aspirava e se sentia a necessidade de uma renovação do repertório e, por outro lado, reconhecia-se a exigência de repetições e da conservação de convenções. A esfera lírica surgia aparentemente quase que como um universo à parte, separado dos meios relacionados com a música instrumental e coral. Entretanto, essa dicotomia era apenas aparente, e muitos elos havia entre o mundo centralizado na ópera e os círculos que passavam a se empenhar no debate renovador. De forma por vezes injusta, percebia-se a crítica até mesmo satírica de alguns com relação a maestros e cantores que se dedicavam à manutenção da vida operística tradicional.
No âmbito da Nova Difusão, porém, procurava-se uma nova perspectiva para a consideração justa dos esforços sobrehumanos exigidos para a conservação da ópera em São Paulo, transformada que estava em pálido reflexo do que fora no passado. Os critérios procurados para o julgamento justo eram histórico-culturais e, sobretudo, vinculados à história da imigração italiana. Constatava-se, porém, que havia outros elos entre as diferentes esferas musicais, possibilitados em geral por qualidades humanas e por uma nova valorização de atitudes profissionais, de normalidade por assim dizer musicante, menos teoretizadora talvez, em todo o caso expressão de outras esferas sociais e tradições culturais. Indagava-se se haveria aqui uma transplantação, para a realidade paulista, de uma situação européia marcada por uma diferença entre um universo latino, sobretudo italiano, e um centro-europeu.
A procura de critérios adequados para a apreciação justa de personalidades da vida paulista ainda não foi completada. Ainda hoje, passados 40 anos, parece ser necessário reconsiderar-se do ponto de vista cultural a ação de músicos relacionados com a ópera no Brasil. Com o renovado interesse por questões de imigração e por processos de integração e de identidade de imigrantes abrem-se aqui amplas possibilidades para estudos mais diferenciados. Uma personalidade mereceria, aqui, especial consideração: a de Armando Belardi, o diretor artístico da temporada lírica de 1968.
Temporada lírica de 1968
A temporada lírica de 1968, promovida pela Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo, realizou-se em colaboração com a emprêsa Alfredo Gagliotti.
A 11 de setembro, levou-se, em primeira récita de assinatura, La Traviata, de G. Verdi, sob a regência de Armando Belardi à frente da Orquestra Sinfônica Municipal. O diretor do côro foi Marcelo Mechetti, o maestro substituto Carlo Ventura. Os cenários e as vestimentas vieram do Teatro San Carlo de Nápoles. Os preparadores foram Hermínia Russo, Marcello Mechetti e Raphael Casalanguida. O Regisseur foi Bruno Nofri, os diretores de cena Paulo Ansaldi e Emmerson Eckmann. O coreógrafo foi Johnny Franklin. Entre os bailarinos, salientaram-se Lia Marques, Maria Angela d'Andreia, Mozart Xavier, Gilda Müller e Jurandir Gomes. Os principais cantores foram Virginia Zeani, Ruggero Bondino, Costanzo Mascitti, Terresa Boschetti, Vitttorio Pandano, Andréa Ramus, Paulo Adonis, Boris Farina, Dalva Nader, Enrico Vannucci e Luiz Orefice. A 20 de setembro, levou-se, em segunda récita extraordinária, La Boheme de G. Puccini. Os cenários provinham da cenografia Parravicini, de Roma, e as vestimentas do Teatro da Ópera de Roma. A Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico do Teatro Municipal estiveram sob a direção de Alberto Paoletti. O maestro substituto foi Carlo Ventura. Os principais intérpretes foram Ruggero Bondino, Walter Monachesi, Andrea Ramus, Mario Rinaudo, Virginia Zeani, Marta Baschi, Afonso Amirati, Boris Farina, Vittorio Pandano e Luiz Orefice. A 27 de setembro, assistia-se, em terceira récita extraordinária, ao Rigoletto, de Verdi, com cenários Parravicini de Roma e guarda-roupas do Teatro da Ópera de Roma. O regente foi Armando Belardi. O elenco artístico era composto de Carlo Ventura (maestro substituto), Johnny Franklin (coreógrafo), Lia Marques (assistente de coreografia), Emmerson Eckmann e Paulo Ansaldi (diretores de cena), Francisco Giacchieri (chefe "metteur en scéne"), Hermínia Russo (ponto), Marcello Mechetti (maestro de coro) e Maria Angela d'Andrea, Johnny Franklin, Jurandir Gomes, Lia Marques, Gilda Müller e Mozart Xavier (primeiros bailarinos). Os intérpretes foram Walter Monachesi (Rigoletto), Niza de Castro Tank (Gilda), Ruggero Bondino, Lidia Fiori, Ligia Lacerda, Mario Rinaudo, Wilson Carrara, Vittorio Pandano, Andrea Ramus, Paulo Adonis, Maria Antal e Luiz Orefici. A 9 de outubro, em 5a. récita de assinatura, levou-se Andréa Chénier, de Umberto Giordano, com cenários Parravicini de Roma e vestimentas do Teatro da Ópera de Roma. A Orquestra Sinfônica Municipal, o Coral Lírico e o Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo estiveram sob a direção de Alberto Paoletti. O regisseur foi Lorenzo Frusca e o maestro substituto Carlo Ventura. Os principais bailarinos foram Lea Ester Havas, Esmeralda M. Penha, Vera Lucia Consorte de Souza, Waldivia Aranha Rangel, Vera Lucia Machado Torres, Leila Sanches Garcia, Yara Ludovico da Silva, Gilda Muller, Elisabeth M. Ferreira, Suely Brillinger, Lilian Schmidt, Tony de Carlo, Reinaldo S. Moura, Luiz V. Ribeiro, Peter Danti e Durval P. Carvalho. Dentre os intérpretes, além de vários já citados, salientaram-se Sérgio Albertini (Adrea Chenier), Claudia Parada, Walter Monachesi, Teresa Boschetti, Lidia Fiore, Mario Rinaudo, Wilson Carra, Vittorio Pandano e Mario Mirandi. A 16 de outubro, em 6a. récita de assinatura, apresentaram-se I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo e Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni. Os cenários eram da cenografia Parravicini de Roma e as vestimentas do Teatro de Ópera de Roma. O regente foi Diogo Pacheco, um fato que surpreendeu os observadores da situação operística, uma vez que a imagem de Diogo Pacheco sugeria conotações distintas daquelas do mundo liderado por A. Belardi. Os principais intérpretes foram Sergio Albertini, Marta Baschi, Walter Monachesi, Costanzo Mascitti, Vittorio Pandano, Benito Maresca, Marta Rose, Teresa Boschetti e Luana Strocoki.
Intensas atividades de A. Belardi - ano Rossini
Da atuação de Armando Belardi nesse ano de 1968 salientam-se também os concertos realizados no âmbito das atividades artísticas do Departamento Musical de Cultural. O ano tinha iniciado com um concerto matinal no Teatro João Caetano, quando, com orquestra de cordas, executara-se a Serenata em Dó Maior op. 48 de Tschaikowsky. Perez Dworecki fora solista do Concerto para viola e orquestra de cordas, de Radamés Gnatalli.
Em julho, no Rio de Janeiro, A. Belardi regeu a Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC, em programa que incluiu uma suite sinfônica da ópera O Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov e o Ponteio de C. Santoro. O Concerto em lá menor op. 54 de R. Schumann foi executado por Nelson Freire. A 27 de agosto, A. Belardi dirigiu um concerto com a Orquestra Sinfônica Municipal e o pianista russo Sergei Dorenski (veja relato no número anterior desta revista). A 8 de novembro, com a Orquestra Filarmônica de São Paulo, Armando Belardi regeu Festas nas Igrejas, de Francisco Mignone, a abertura da ópera Semiramis de Rossini e o Concerto e Ré Maior op.77, de Brahms, tendo como solista o violinista polonês Szmsia Bajour. A 21 de novembro, a Sociedade Filarmônica Lyra, da comunidade teuto-brasileira, promoveu um concerto com a Orquestra Sinfônica Municipal e que constou da Rapsódia op. 53 de Brahms para contralto, coro masculino e orquestra, e da Suite Folclórica de Kurt Lismann, levada então em primeira audição. Também foram executados trechos de A Flauta Mágixa, de Mozart. Participaram, entre outros, Niza de Castro Tank, Hilde Bodogh, Mariangela Rea, Bruno Lazzarini e Paulo Adonis Gonzáles. A 6 de dezembro, comemorando o centenário de morte de G. Rossini, A. Belardi regeu o Stabat Mater do compositor. Solistas foram Helena Caggiano, Mariangela Rea, José Sabó Filho e Paulo Adonis Gonzalez. A 8 de dezembro, o Circulo Italiano de São Paulo promoveu um concerto dedicado aos compositores Pugliese e Rossini, pelo centenário de sua morte.
Boris Farina
Nos estudos relacionados com a arte lírica e com as questões de difusão que se levantavam não se poderia deixar de mencionar a atividade artística desenvolvida pelos próprios cantores. De forma injusta, pouco tem-se considerado o empenho e as iniciativas de muitos desses intérpretes. Um deles foi Boris Farina, baixo que se revelara sobretudo em papéis cômicos em temporadas líricas de São Paulo. Possuía uma formação obtida no renomado Conservatório San Pietro a Maiella, de Nápoles, tendo estudado sobretudo com Alfredo Morelli. Em Buenos Aires, obtivera o primeiro lugar em concurso promovido pelo Teatro Colón. Estudara também com a soprano Hina Spani, arte cênica com Otto Erhard, da Ópera de Berlim, e Felipe Romito. Aperfeiçoara-se no repertório mozartiano com Maria Olga Kerensky. Além de ter-se apresentado em vários centros da América do Sul e em vários programas de rádio e televisão, participara em festivais internacionais, entre êles, singularmente, do Primeiro Festival de Música Folclórica Brasileira.
No dia 4 de agosto de 1968, acompanhado ao piano por Judith Cabette, Boris Farina realizou um recital no Teatro Municipal de São Paulo. Apresentou peças de Mozart, Verdi, Halevy, Gounod e, entre os brasileiros, de L. Barros M. (Macumba do Terreiro). Também aqui o cantor procurou apresentar peças de cunho popular, incluindo "Os Barqueiros do Volga" ao lado da "Canción del Carretero", de L. Buchardo.
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A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).