Doc. N° 2402
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116 - 2008/6
Itália-Brasil
68: Centenário da morte de Rossini e renovação musical L'Insieme di Firenze
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
A passagem dos cem anos da morte de Gioacchino Rossini (1792-1868) foi lembrada em várias iniciativas em São Paulo de 1968.
Alguns desses eventos merecem ser tirados do esquecimento, uma vez que desempenharam um papel não sem significado nos anseios de renovação de repertórios e da difusão musical de então. Esse fato parece ser paradoxal, uma vez que as óperas de Rossini sempre gozaram de grande popularidade no Brasil, faziam parte de estações líricas convencionais, árias e cavatinas pertenciam ao repertório dos cantores mais vinculados à tradição e aberturas rossinianas, assim como fantasias de suas óperas, eram apresentadas por bandas de música até mesmo nas menores localidades. O interesse especial por Rossini em época tão marcada por intuitos inovadores poderia assim parecer incompreensível. Entretanto, não foi apenas resultado de uma rememoração histórica. Do ponto de vista histórico-musical, recordou-se a posição inovadora de Rossini na sua época, não apenas sob o aspecto especificamente da linguagem musical, mas sobretudo pelo seu significado social, pela popularidade que alcançou e pela difusão mundial de sua música.
Singularmente, óperas de Rossini não marcaram a estação lírica de 1968. De suas óperas, executaram-se aberturas em concertos. Assim, a 8 de novembro, com a Sociedade Orquestra Filarmônica de São Paulo, apresentou-se a abertura de Semiramis, regida por A. Belardi.
Dois aspectos pouco conhecidos da obra rossiniana estiveram sobretudo no centro das atenções: as composições sacras, em especial o Stabat Mater, e a sua música instrumental.
Stabat Mater
A recepção da música de Rossini no meio sacro-musical do Brasil era convencionalmente vista como manifestação da decadência litúrgico-musical do passado já remoto. Apenas em cidades mais tradicionais, tais como São João del-Rei, ainda havia músicos e sacerdotes que toleravam a música sacra coro-orquestral nas igrejas. A fase da restauração sacro-musical segundo os critérios do Motu Proprio de Pio X, porém, chegava ao fim em conseqüência das tendências surgidas após o Concílio Vaticano II. Essas transformações em nada modificaram a situação, pelo contrário, agora não só a música com acompanhamento orquestral do século XIX como também aquela para órgão e coro a cappella foram banidas em geral do culto. O único caminho para a consideração do repertório do século XIX era o de sua execução em concertos.
A revalorização do Stabat Mater de Rossini na vida de concertos de São Paulo está vinculada ao nome de Armando Belardi. Fora ele que promovera, nos anos 40, a audição que se tornou marco no redescobrimento da obra. Em 1942, em comemoração ao 150 aniversário do compositor, A. Belardi apresentou o Stabat Mater em primeira audição em São Paulo, tendo como solistas Celina Sampaio, Iracema Bastos Ribeiro, Thomaz Filipetti e Americo Basso. O oratório foi reapresentado no dia 3 de setembro, por motivo do IV Congresso Eucarístico Nacional. Em 1968, em comemoração ao centenário a morte de G. Rossini, A. Belardi organizou e regeu o Stabat Mater com a participação da Orquestra Sinfônica Municipal, o Coral Lírico sob a regência de Marcello Mechetti e os solistas Helena Caggiano, Mariangela Rea, José Sabó Filho e Paulo Adonis González. No dia 8 de dezembro, para o Circolo Italiano de São Paulo, com o apoio do Departamento Municipal de cultural, realizou-se um concerto apenas dedicado a obras do compositor, sob a regência de A. Belardi. Também aqui participaram os cantores citados, além de Costanzo Mascitti.
Concerto Rossiniano. L'Insieme di Firenze
Sob o aspecto dos interesses pela renovação de repertórios e da difusão musical, a música instrumental de Rossini constituiu uma revelação para parte do público dos anos sessenta. O principal evento foi, aqui, o concerto rossiniano levado a efeito no Auditório Itália, a cargo do grupo L'Insieme di Firenze, a 12 de agosto de 1968. A iniciativa tornou-se apenas possível com o patrocínio da ALITALIA.
O conjunto havia sido criado em 1965. Era considerado como um dos poucos conjuntos de música de câmara que promoviam a divulgação de obras pouco conhecidas, raras e de música contemporânea. Nos poucos anos de sua existência, já havia se apresentado nas principais cidades italianas e de outros países, entre eles na França, Bulgária, Turquia, Líbano, Egito e Grécia. O diretor artístico do conjunto era Franco Pezzullo, clarinetista. Os demais intérpretes eram Calara Saldicco (piano), Salvatore Alfieri (flauta), Alfonso Smaldone ), Gilberto Grassi (fagote) e Enrico Giuliani (corne).
O Auditório Italia associava-se assim às homenagens rossinianas com um concerto sui-generis, constituido de composições juvenís de Rossini, originadas anteriormente ao sucesso de Il barbiere di Siviglia, entre 1808 e 1812. O programa dizia:
"Trata-se de um Rossini que poderíamos qualificar de inédito para a grande maioria do público; o que dá um sentido e um valor não meramente celebrativo à nossa comemoração. Trata-se de páginas que - na límpida e vivificante interpretação de L'Insieme di Firenze - constituirão para os cultores da música a mais agradável surpres e uma verdadeira revelação."
O programa constou das seguintes obras:
Quartetto N° 1 (Allegro, Andante, Rondó); Prelúdio e Tarantella; Quartetto N° 4 (Allegro moderato, Andante, Allegretto) e Andante e Variazioni.
O programa incluia frases-depoimentos de Rossini, de Arthur Schopenhauer e de Maurizio Hauptmann. Deste último, citava-se:
"Se aos conquistadores e aos heróis, que provocam a infelicidade de inúmeras multidões, elevamos monumentos e dedicamos poemas épicos, o que não mereceria tamanho consolador e artífice de inúmeras horas de felicidade."
"Concerto presentato" de Almerindo d'Amato
No dia seguinte a esse concerto, dia 13 de agosto, o Auditório Itália voltava a oferecer um novo concerto com obras de Rossini, agora sob o título "A música instrumental dos operistas italianos: De Pergolesi a Rossini". O concerto esteve a cargo de Almerindo d'Amato, um dos renomados músicos italianos que se apresentaram em São Paulo em 1968 e um dos mais destacados pianistas italianos da nova geração. Tinha sido discípulo de Alfred Cortot, Guido Agosti, Carlo Zecchi e havia realizado inúmeros concertos na década de sessenta em quase todos os países europeus e da África setentrional. Empenhava-se em divulgar uma nova foma de manifestação artística: o "concerto presentato". Nesse tipo de concerto, cada peça apresentada era precedida por uma curta dissertação a respeito de sua inserção histórica e estética. O objetivo era preparar os ouvintes para uma recepção consciente e ativa.
Essa intenção e proposta de Almerindo d'Amato vinha de encontro aos objetivos do círculo que constituia a Nova Difusão. Demonstrava a necessidade de estudos musicológicos para a renovação do repertório, para a sua difusão musical fundamentada e refletida.
O programa constou de obras de G. B. Pergolesi (Suite in re maggiore), G. Paisiello (Sonata in re maggiori, Sonata in sol maggiore), D. Cimarosa (Sonata in fa maggiore, Sonata in sol minore, Sonata in si b, maggiore La Perfidia), G. Rossini (Peccati di vecciaia: une caresse à ma femme; Miscellanea: Marche et Réminiscences pour mon dernier voyage) e Rossini-Liszt (La Regata Veneziana; La Danza: Tarantella napoletana).
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).