Doc. N° 2369
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Eventos em destaque
Questões de Difusão: Cultura e Natureza Naturalistas viajantes à épocas das grandes Descobertas
Castelo de La Roche Jagu. Ploëzal. Atividades da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
No âmbito do programa "Cultura/Natureza" da Academia Brasil-Europa, e vinculado ao ciclo de estudos Normândia-Bretanha-Brasil, procedeu-se a uma visita à exposição Passions botaniques. Naturalistes voyageurs au temps des grandes découvertes, levada a efeito no domínio departamental de la Roche Jagu, Ploëzal, do 7 de junho a 9 de novembro de 2008. A exposição realizou-se em convênio com o Museu Nacional de História Natural e o Conselho Geral das Côtes-d'Armor que dedicou toda uma série de eventos baseadas em espetáculos vivos e artes do caminho, com exposição, conferências, apresentações artísticas e audições de música "verde", com baladas sobre a natureza.
La Roche Jagu
O castelo de la Roche Jagu faz parte do valioso e diversificado patrimônio de arquitetura civil da Bretanha. É o último testemunho de uma série de posições de defesa edificados entre Pontrieux e o arquipélago de Bréhat. É debruçado sobre o vale do Trieux, um local cuja fortificação data provavelmente do século XI. A antiga fortaleza foi destruída durante as guerras de sucessão do século XIV, a sua reconstrução deu-se a partir de 1405. O edifício conserva a imagem de sua função defensiva, já porém com um caráter residencial, salientado pelas suas muitas janelas e 19 chaminés em estilo gótico flamboyant anglo-normando. Foi ocupado, no século XVI, por uma guarnição, oficiais da justiça e depois, por militares.
Situado em privilegiado local, com vista panorâmica sobre vale com um rio que serpenteia ao fundo, os seus jardins, hortas e de cultivo de ervas e flores obedecem a cuidadoso programa onde não são desprezados os vínculos da Botânica com a história cultural. Nesse ambiente favorável, a exposição, no interior do castelo, procurou possibilitar os visitantes de seguir a trajetória dos grandes nomes da história das ciências no decorrer dos séculos através dos oceanos e dos continentes. A exposição partiu da constatação dos vínculos da história global da Botânica com os grandes descobrimentos. Assim, procurou-se retraçar a evolução da Botânica nos seus vínculos estreitos com as principais fases políticas, econômicas e filosóficas da história do mundo ocidental e de sua expansão.
Esse plano foi realizado de forma exemplar do ponto de vista científico, estético e didático. Com programa de evidente coerência, as 14 salas do castelo foram dedicadas a múltiplos aspectos do complexo temático, elucidados em painéis com textos informativos, fotografias, plantas, sementes e objetos originais e raros de coleções e museus. A apresentação seguiu modelar dramaturgia, com efeitos de luz e de espaços. Entre os temas tratados, salientam-se aqueles voltados ao uso das plantas na medicina na Antiguidade, as bases filosófico-naturais de sua classificação dentro de complexa concepção global do mundo e do homem. Também o uso de plantas para fins práticos, tais como para a coloração de tecidos, com os respectivos utensílios empregados foram expostos e considerados segundo os seus elos com os países de proveniência. Na parte dedicada à Idade Média, considerou-se a ação dos monges e o significado dos jardins e do cultivo de ervas nos conventos, o seu uso na medicina e na culinária. Também aspectos simbólicos e mágicos de plantas foram considerados em imagens e textos. Após essas salas dedicadas ao mundo antigo e medieval é que se passou ao tratamento do tema relativo à época das Descobertas. Com isso, inseriu-se o desenvolvimento da Botânica nas suas relações globais da era moderna no vasto e complexo panorama de sua história, mostrando os fundamentos que elucidam a recepção recíproca de plantas na Europa e nas regiões descobertas e colonizadas.
Difusão de plantas e Descobrimentos
Esse intuito da exposição não é novo para o estudioso de língua portuguesa. Foi tratado, sobretudo, em cuidadosas publicações, pela Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses. Entretanto, os pontos de vista geográfico- e histórico-culturais foram aqui diferentes. Muitos dos nomes de viajantes e cientistas, de expedições e de programas científicos considerados surgem como pouco conhecidos, até mesmo como novos para o estudioso que está familiarizado com a literatura em português. Apesar de serem considerados alguns vultos da história dos Descobrimentos portugueses e espanhóis, a perspectiva histórica foi compreensivelmente francesa. Tem-se, assim, uma excepcional oportunidade para a complementação de enfoques e a troca de informações, para o conhecimento de outras culturas do saber relativo à Botânica nas suas relações com a história cultural.
A história das navegações, do comércio e de empreendimentos coloniais franceses é pouco conhecida nas suas globais dimensões no mundo de língua portuguesa. Sem a consideração dessas relações e desses contatos não se pode compreender adequadamente os pressupostos da influência cultural francesa em muitos países extra-europeus nos séculos XIX e XX. Essa influência tem sido estudada em geral sob um enfoque primordialmente orientado segundo a literatura, e, a partir de visões e conceitos desenvolvidos a partir dessa perspectiva, tem-se considerado as artes e a música. Uma visão histórico-científico-cultural que englobe as relações Cultura/Natureza, segundo o escopo do programa originalmente desenvolvido pela A.B.E. tem a possibilidade de abrir novos caminhos.
Viajantes franceses
Nos textos e documentos concernentes a nomes de viajantes e cientistas franceses, demonstrativos de um alto grau de desenvolvimento de pesquisas e de sua presença na memória francesa, percebe-se a necessidade de uma inserção da história das ciências, dos conhecimentos e das idéias numa história da cultura compreendida de forma ampla, onde o desenvolvimento científico surja como objeto de estudos culturais. Essa exigência não diz respeito apenas a período mais ou menos remoto da história dos Descobrimentos, da colonização e das grandes viagens científicas do século XIX. Um particular mérito da exposição foi o da reciprocidade no estudo da difusão, dirigindo também a atenção aos caminhos e às técnicas da introdução de plantas extra-européias na Europa e de sua aclimatação. Constata-se, assim, que o fomento de parques de aclimatação, jardins botânicos, estufas, palácios de vidro e outras instituições também representaram expressões de determinada vontade política, fazendo parte assim de uma história político-cultural. A apresentação de projetos e empreendimentos franceses por ocasião de Exposições Universais chamou à consciência o significado internacional desse fomento da Botânica para a própria imagem dos países, para a própria França e para a difusão cultural francesa no mundo. O cuidado pelo mundo das plantas surge como expressão do grau de cultura e civilização e torna-se elemento de relevância numa política cultural de relações internacionais. Há inúmeras possibilidades de estudos da influência francesa em iniciativas similares de aclimatação e de cultivo de espécimes em Portugal e no Brasil. Em eventos anteriores da A.B.E. considerou-se, em encontro no Palácio de Cristal de Petrópolis, a ação exemplar de várias personalidades da vida pública do passado brasileiro.
A exposição teve, sobretudo, o mérito de demonstrar a atualidade da Botânica e a necessidade cada vez mais premente de considerar-se a natureza como tarefa cultural do presente. A conservação da biodiversidade e da flora marinha foram apenas alguns dos aspectos da atualidade de um complexo de temas que se insere numa longa história cultural da Humanidade.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).