Doc. N° 2366
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
França-Brasil
Eric Heidsieck
1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
A.A.Bispo
No âmbito dos estudos culturais concernentes às relações França-Brasil dos anos mais recentes, tomou-se notícia de uma obra do pianista e compositor Eric Heidsieck que surge como singularmente significativa pela sua temática e, sobretudo, pelas circunstâncias sob as quais surgiu. Trata-se da Paraphrase sur le thème de la Marseillaise en 23 "à la manière de..." como uma Hommage à Rouget de l'Isle.(Éditions Symétrie/Lyon) Essa Hommage teria nascido no Brasil, em Manaus, às margens do Rio Negro, num dia de 14 de julho, a data nacional da França. Alí, o pianista, que executara o hino nacional francês, teria sentido o desejo de considerar mais profundamente a riqueza do tema de Rouget de l'Isle Como um conjunto de variações que inclui menções a 23 outros compositores, a obra foi criada em Strasburg, em 1988, sendo apresentada em recital. Termina com o tratamento de um tema duplo, Dies Irae e Marseillaise, concebido como uma oposição entre o Dia do Juízo Final, na cólera divina, com a glória dos redentos.
Por essa obra, o compositor foi nomeado, em 1989, pianiste officiel français para a celebração do Bi-Centenário da República. O pianista-compositor a apresentou em 1995, no Hôtel National des invalides e a tem executado em diversos países, entre eles na Alemanha, no Marrocos, nos Emirados Árabes, no Canadá e no Japão, país com o qual mantém elos particularmente estreitos. Essa obra de conotações tão programaticamente francesas, originada no Amazonas, dirige a atenção a um pianista conhecido sobretudo pelas suas realizações de ciclos integrais (suítes de Händel, partitas de Bach, sonatas e concertos de Mozart, sonatas de Beethoven, obra de Fauré, sonatas de Hindemith, etc.). Desde início da década de 80, o pianista vem-se dedicando de forma mais intensiva à composição, criando sobretudo cadências e transcrições. Após muitas décadas dedicadas ao ensino, no Conservatório de Lyon, voltou novamente ao palco, em 1997. De suas obras cumpre mencionar um ciclo de 24 melodias sobre a temática dos 4 elementos, inspirado em poemas de Maurice Courant.
Pianistas-compositores
Como muitos outros pianistas que passaram e passam à composição (e às vezes à musicologia) no decorrer de sua trajetória musical, Heidsieck poderia ser considerado no seu desenvolvimento sob uma perspectiva teórico-cultural. Não se trata aqui somente das questões de identidade nacional nas suas relações com atividades internacionais que se levantam tão placativamente na Hommage à Roger de l'Isle de Heidsieck. Trata-se de um fenômeno mais amplo e complexo, que leva à transposição de esferas de especialização, da música prática com os seus condicionamentos artísticos e anseios de projeção à criação composicional e, em parte, à musicologia. Esse fenômeno não pode ser comparado àquele da interdisciplinaridade nas ciências. Diz respeito também não apenas teoricamente ao interrelacionamento entre teoria e prática, criação e pesquisa. Leva à produção de obras que trazem a marca da especialidade instrumental de seus autores, de sua inserção em tradições de repertórios e que perpetuam formas, gêneros E concepções. Situam-se em geral à parte daquelas tendências da criação originadas do debate propriamente composicional. Para os estudos culturais, não se trata, aqui, de avaliações estéticas e críticas, mas sim da consideração do fenômeno como resultado de situações e de processos culturais e sociais, de suas causas e conseqüências. Os pianistas-compositores inserem-se em tradição histórico-cultural específica que necessita vir a ser considerada nas suas múltiplas dimensões e mais diversas conotações.
Pianismo no debate de 1968
A discussão dessas questões não é recente no Brasil. Foi uma das preocupações do círculo que, em 1968, procurava caminhos para a superação de uma difusão cultural com bases tradicionais, idealizando uma Nova Difusão baseada na participação refletida e, ao mesmo tempo, numa observação participante. Debatendo-se a perpetuidade de repertórios e a renovação de formas de expressão, constatava-se o condicionamento que representava a formação pianística tradicional. Essa discussão era conduzida também por jovens pianistas que, a partir de sua inserção no próprio universo cultural do seu instrumento, procuravam caminhos para a renovação consciente. Nesse contexto, o contato com jovens pianistas do Exterior oferecia a oportunidade para o conhecimento de anseios e de tendências em outros centros e para cotejos.
Eric Heidsieck em São Paulo
Eric Heidsieck, ainda com menos de 30 anos (nasceu em Reims, em 1933), apresentou-se em São Paulo, em 1968, no âmbito de sua primeira tournée pela América Latina. Como um dos pianistas jovens mais renomados da França, era conhecido no Brasil sobretudo por uma série de gravações (Pathé Marconi). Em concerto, matinal, realizado no dia 18 de agosto, no Teatro Municipal, executou o concerto para piano e orquestra n° 17 em sol maior KV 453 de W. A. Mozart, sob a regência de S. Wislocki. Nos meios pianísticos tradicionais de São Paulo, foi esperado com grande expectativa pelo renome que trazia por ter sido o último discípulo de Alfred Cortot e aluno de Wilhelm Kempff, e por ter alcançado com apenas 18 anos o primeiro prêmio do Conservatório de Paris. Apesar de sua juventude, realizara recitais nas mais renomadas salas da Europa, entre elas na Salle Pleyel, onde havia executado os últimos 12 concertos de Mozart. Já se apresentara em numerosos países da Europa, na África do Sul, no Canadá e nos Estados Unidos. Sabia-se, porém, que apesar do vasto repertório apresentado em mais de 50 concertos, Heidsieck procurava ampliar o espectro das obras pianísticas cultivadas nos repertórios convencionais.
(...)
Grupo redatorial dir. A.A.Bispo
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).