Doc. N° 2362
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Bulgária-Brasil
Vladi Simeónov e a Orquestra Filarmônica Infantil da Bulgária no Brasil 1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Um dos grandes acontecimentos da vida musical brasileira de 1968 foi a visita da Orquestra Filarmônica Infantil da Bulgária, dirigida pelo seu fundador, Vladi Simeónov. O programa do concerto, realizado no Teatro Municipal de São Paulo, constou, na sua primeira parte, da Sinfonia N° 5 de Beethoven e, na segunda parte, de obras de Wagner (Introdução do 3° ato de Lohengrin), Smetana (Moldavia), P. Stainov (Ratchenitza) e Berlioz (Rakotzi Marche).
O interesse despertado por essa presença era devido inicialmente ao pouco conhecimento que se tinha da Bulgária e da cultura búlgara no Brasil. Sentia-se, em determinados círculos, em parte condicionado pelas circunstâncias políticas da época, um crescente interesse por empreendimentos culturais de países encerrados pela então Cortina de Ferro. Embora não sendo recentes os elos histórico-culturais que uniam a Bulgária e o Brasil - a viagem do Zar Ferdinando da Bulgária em 1928 fora uma prova eloqüente da simpatia e do interesse de ambos os lados - ambos os países tinham-se mantido distantes pelos acontecimentos da Segunda Grande Guerra e, sobretudo, pela cesura causada politicamente com a proclamação da República Popular Búlgara, em 1946. Havia, porém, uma outra justificativa pelo interesse especial despertado pela visita da Orquestra Infantil da Bulgária ao Brasil. Tratava-se de uma orquestra de crianças e jovens, e isso vinha de encontro a anseios da época. A consciência da importância da música, do canto e da prática instrumental na formação da juventude tinha sido alimentada por décadas pelo movimento músico-pedagógico. Sobretudo os corais infanto-juvenís contavam já com estruturas estabelecidas. Naqueles anos de meados da década de sessenta, porém, sentia-se a necessidade de um certo redirecionamento dos esforços no sentido de rejuvenescimento do público de concertos e, sobretudo, de formação de músicos de orquestra. Julgava-se que o sistema de ensino musical fundamentado tradicionalmente nos conservatórios não levava ao suprimento dessas necessidades. Havia, por um lado, movimentos que trabalhavam sobretudo pela arregimentação juvenil, pelo fomento da presença de jovens em concertos, pelo despertar de interesses através de um repertório adequado, e nesse aspecto salientava-se sobretudo a Juventude Musical de São Paulo. Havia, porém, jovens que procuravam outro caminho para a transformação do status quo. Não se sentiam representados por movimentos de difusão cultural no sentido tradicional do termo, na qual participavam antes como ouvintes ou, na melhor das hipóteses, como músicos e cantores. Procuravam lançar as bases de uma nova difusão, caracterizada essa por uma participação consciente, refletida, ao mesmo tempo crítica e analítica da cultura musical. Nesse contexto, a visita de uma orquestra infanto-juvenil de "Pioneiros" de um país socialista surgia como de grande interesse para a observação e discussão do sentido social e político-cultural da formação orquestral de jovens. Anseios por orquestras jovens no Brasil
A visita da Orquestra Filarmônica Infantil da Bulgária coincidiu com uma fase da vida músico-cultural brasileira onde os anseios por orquestras jovens eram particularmente intensos e iniciativas correspondentes em fase latente ou em gestação. Somente estudos mais pormenorizados poderão demonstrar até que ponto os impulsos recebidos por essa presença búlgara foram decisivos no desenvolvimento que desde então se observou e na formação sistemática de orquestras jovens no país. Não se trataria aqui apenas de demonstrar relações causais ou de influências, mas sim, sob a perspectiva dos estudos culturais, de análises que considerem, entre outros aspectos, e de forma diferenciada, o fenômeno do despertar de interesses pela formação orquestral juvenil sob condições totalitárias, independentemente de direcionamentos políticos. O desenvolvimento do trabalho orquestral entre jovens no Brasil e em outros países da América Latina, que se mostraria como surpreendente nas décadas seguintes, deveria ser analisado na sua inserção em processos histórico-culturais decorrentes dos anos 60. Por demais é considerado quase que a-historicamente como resultado natural do desenvolvimento e do progresso de uma vida musical compreendida de forma descontextualizada.
Vladi Simeónov
Em estudos da história cultural do sinfonismo infanto-juvenil da segunda metade do século XX não pode deixar de ser considerado Vladi Simeónov, o mentor e regente da Orquestra Filarmônica Infantil da Bulgária.
Nasceu a 23 de maio de 1912 na cidade de Razgrad. Seu pai, Georgi Simeónov, que gozava de renome como pedagogo musical e artista plástico, orientou-o musicalmente na primeira infância, reconhecendo a sua vocação para a música. Estudando violino, ingressou já em 1921 na Orquestra Sinfônica de Razgrad. A partir de 1926, realizou seus estudos de violino e posteriormente de regência orquestral no Conservatório Estatal de Sofia. Durante os seus estudos, formou uma orquestra de câmara e fundou uma orquestra sinfônica juvenil. Após os seus estudos em Sofia, realizou cursos de aperfeiçoamento em regência em Roma. Estudou com os professores Molinari e Reihvein. Retornando à Bulgária, veio com o intuito de elevar o nível da prática musical artística da Bulgária, desenvolvendo uma série de empreendimentos. As suas ações não podem ser compreendidas sem a consideração da situação social e cultural de fins da Guerra e de reconstrução da vida cultural e de suas estruturas após o seu término. Justamente nessa época sentia-se por toda a Europa, desgastada pelos anos da guerra, uma grande procura de valores culturais, sobretudo de música. Na cidade de Plovdiv, fundou, em 1945 uma orquestra sinfônica, com a qual realizou vários concêrtos de alta qualidade de repertório e de cuidada preparação técnico-artística. Em 1951, fundou a Orquestra Sinfônica da Rádio Búlgara. Em 1953, criou a Orquestra Filarmônica Infantil de Pioneiros da Búlgaria, o seu mais acalentado projeto músico-pedagógico e político-cultural. A orquestra foi constituída pelos mais destacados jovens musicistas do país e, significativamente, fundada no Palácio dos Pioneiros de Sofia. Como regente, Simeónov apresentou-se como convidado em vários países da Europa Ocidental, entre eles na Alemanha, Itália e Dinamarca, além de atuar em diferentes países do Leste, tais como Tchecoslováquia, Rússia, Alemanha Oriental e Polonia. Por duas vêzes foi homenageado com o prêmio Dimitrov, a maior condecoração oficial da Bulgária, recebendo também, entre outras medalhes e prêmios, o título de "Artista Emérito do Povo".
Significado para os jovens búlgaros
À época de sua fundação, a Orquestra dos jovens Pioneiros era única no gênero na Europa, despertando a atenção do público e da crítica em vários países. Marcou, assim a presença da Bulgária no plano internacional e a imagem do país. Para os jovens membros da orquestra, a experiência ganha nos vários países do mundo foi marcante para toda a vida. Ganharam amigos e realizaram contactos que muitas vezes perduraram por muitos anos e abriram caminhos para a carreira futura. Foram em certa forma privilegiados com relação a outros jovens que não tinham a possibilidade de fazer viagens à Europa Ocidental. A orquestra daria continuidade às suas atividades internacionais nos anos que se seguiram ao concerto em São Paulo, até que os seus membros alcançaram a idade adulta. Em 1979, realizou uma tournée pelo México e pelos Estados Unidos, em 1984, novamente no Brasil, alcançaria um de seus maiores triunfos.
Significado para a política internacional da Criança e do Jovem
Ponto culminante da trajetória da orquestra foi um concerto dado a convite de Kurt Waldheim, Secretário Geral das Nações Unidas, perante representantes de 140 países por ocasião do encerramento do primeiro Ano Internacional da Criança. A orquestra apresentou-se no Concerto do Dia dos Direitos Humanos, aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, no Auditório da Assembléia Geral. Executou obras de Verdi, Haydn, Petko Staynov e Prokofiev. Raina Kabaivanska, um soprano búlgaro de renome pelas suas atuações na Opera Metropolitana de Nova Iorque, cantou uma ária com a orquestra. Peter Ustinov discorreu a respeito do Ano Internacional da Criança. O Presidente, Salim A. Salim, da Tanzânia, dirigiu aos ouvintes uma mensagem de saudação.
Também de especial relevo para a história cultural daas relações internacionais foi um concerto da orquestra no auditório da UNESCO, em Paris.
Questões de continuidade. Ricardo Averbach
O último concerto dos Pioneiros foi dado no Conservatório Giuseppe Verdi, de Milão, em 1989. Uma fundação que traz o nome de Vladi Simeonov tomou a si o escopo de dar continuidade ao trabalho idealista e pioneiro de Vladi Simeonov. Na época de sua visita ao Brasil, Simeónov era professor de Regência Orquestral do Conservatório Estatal Búlgaro, dedicando-se à preparação de jovens regentes. Dos seus alunos alcançariam renome internacional, entre outros, Mihail Angelov, Vassil Kazanjiiev e Emil Chakarov. Um de seus últimos alunos seria significativamente um brasileiro, Ricardo Averbach, que teria o seu nome vinculado com os intuitos de revitalização do ideal.
Ricardo Averbach, formado em Engenharia Industrial, realizou estudos de regência na Academia Nacional de Música da Bulgária, em 1988. Atuara anteriormente como regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Trabalhou com Sergiu Celibidache no Festival de Música de Schleswig Holstein e com Gennady Rozdestvensky na Accademia Musicale Chigiana. Em 1992, recebeu a bolsa Maurice Abravanel no Festival de Tanglewood e, em 1995, o grau de Doctor of Musical Arts em direção orquestral da Universidade de Michigan em Ann Arbor. Tornou-se regente da University Symphony Orchestra e da Oxford Chamber Orchestra. Atuou anteriormente como diretor musical da University of Pennsylvania Symphony Orchestra and Wind Ensemble, e da Penn Chamber Music Society. (...)
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).