Doc. N° 2361
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Alemanha-Brasil
Duo Bauer-Bung 1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Dentre os anseios de renovação da prática musical, do repertório, dos meios de difusão e de conquista e formação de um novo público de fins da década de 60, pode-se inserir a redescoberta do duo pianístico, em particular do piano a quatro mãos. O grande número de pianistas formados pelos conservatórios e por professores particulares, constituindo a maioria dos jovens músicos e dos visitantes de concertos, levava à discussão de questões de renovação da vida musical e de suas formas de difusão a partir de perspectivas desse instrumento. Com a relativa falta de instrumentistas de cordas e sôpros, o piano a quatro mãos e a execução de concertos a dois pianos surgiam como uma possibilidade viável para a prática camerística , vindo de encontro aos anseios que procuravam a superação do individualismo e do direcionamento à virtuosidade solística, até então principal escopo do ensino musical. Para aqueles que defendiam uma transformação da difusão musical, esta deveria deixar de ser apenas de um agente ativo a um público passivo, tornando-se refletida e consciente, com protagonistas ao mesmo tempo participantes e observadores analíticos. A prática da execução a dois pianos e a do piano a quatro mãos oferecia possibilidades para o exercício em comum de análises, de trocas de reflexões, de união entre a reflexão e a prática.
Caminho para a pesquisa
Além do mais, o redescobrimento ou a revalorização da música para dois pianos e para piano a quatro mãos exigia uma pesquisa de repertório, a procura de obras de interesse especial para os anseios renovadores da época, uma atividade nem sempre fácil nas circunstâncias de então. O conhecimento mais sensível e aprofundado de vários compositores da música do século XX, a ocupação com tendências estéticas pouco representadas no ensino dos conservatórios foram em parte possibilidades por essa prática, tais como aquelas relacionadas com Erik Satie e a música francesa do século XX. Essa procura de obras foi acompanhada também pela de informações sobre a história dessa prática musical, pela leitura de publicações que ofereciam subsídios para estudos de contextos. Aqui, o interesse foi naturalmente também dirigido à prática da música para piano a quatro mãos no Brasil do passado, tendo-se então dado início às primeiras pesquisas sistemáticas nessa direção. Devido ao relativo pequeno número de obras originais para dois pianos e piano a quatro mãos, passava-se a se reconsiderar transcrições e reduções de obras sinfônicas e camerísticas. Com base nesse repertório histórico, em geral de salão, e nas obras recém-criadas por compositores brasileiros passou-se a discutir questões culturais e estéticas relacionadas com esse tipo de prática musical e com a música do Brasil em geral. A prática a quatro mãos, portanto, no contexto geral das preocupações de questionamento e de superação de uma cultura pequeno-burguesa e convencional, surgia - ela própria talvez uma das expressões principais dessa cultura -singularmente como meio para a reflexão de suas inserções histórico-culturais e de suas conotações sociais. A constatação de que também pianistas estrangeiros de renome se dedicavam à prática do piano a quatro mãos e a difundiam em tournées internacionais representava um encorajamento para aqueles que procuravam revalorizá-la e exercitá-la refletidamente.
Kurt Bauer e Heidi Bung
O Duo Pianísico Bauer-Bung, integrado por Kurt Bauer e Heidi Bung, apresentou-se, em 1968, pela primeira vez no Brasil. A excursão estava sendo realizada sob o patrocínio do Goethe Institut de Munique. O duo era conhecido nos meios musicais através de gravações (Deutsche Gramophon, Camerata). No concerto realizado em São Paulo, a 23 de agosto de 1968, pelo Departamento de Cultura e pelo Centro Cultural Brasil-Alemanha (Casa de Goethe), os pianistas executaram o Concerto N° 2 em Dó Maior de J. S. Bach, com a Orquestra Sinfônica Municipal sob a regência de Stanislaw Wislocki. O programa incluiu também obras de Beethoven (Egmont, abertura), Camargo Guarnieri (Dois Ponteios) e J. Brahms (Sinfonia N° 4 op. 98). Ambos os executantes haviam estudado na Escola Superior de Música de Stuttgart, com Wladimir Norbowski. Ambos haviam feito um curso de aperfeiçoamento com Walter Gieseking. Após receberem prêmios no Concurso Internacional de Música de Genebra, em 1953, os pianistas integrantes do Duo passaram a receber atenção internacional. Alcançaram o primeiro prêmio para Duo de Piano no Concurso G.B.Viotti, em Vercelli, Itália, e, em 1955, o do Concurso Internacional das Rádio-Emissoras de Munique. Em 1966, receberam o Prêmio do Govêrno da Baviera. O Duo Bauer-Bung muito tinha contribuído, assim, para a valorização da prática do duo pianístico na Europa e em países. Chegaram a apresentar-se no Oriente Médio e na África do Norte.
Duos pianísticos e o debate sobre a difusão cultural
A procura e a descoberta de obras adequadas para esse tipo de prática musical favoreciam a reflexão sobre o sentido da difusão. A apresentação de obras desconhecidas de um repertório original dos séculos XIX e XX poderia ainda ser inserido no conceito tradicional, quase que pedagógico e de instrução da difusão. Entretanto, pela limitação do repertório, a necessidade de consideração de músicas de salão exigia que os músicos se orientassem segundo outros critérios na preparação e na apresentação de concertos, critérios mais propriamente de natureza histórico-cultural. A transmissão adequada desses critérios levava a que se projetasse novas formas de apresentação, com a inclusão de elementos visuais e de encenação que possibilitassem contextualizações, atualizações e audições críticas do repertório apresentado. Assim, justamente uma prática de execução que possuia conotações altamente convencionais e doméstico-familiares passou a servir de veículo para o desenvolvimento de concepções relativas a uma difusão cultural consciente.
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).