Doc. N° 2360
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Áustria-Brasil
Paul Badura-Skoda 1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
O ano de 1968 na vida musical de São Paulo foi marcado pela visita de vários pianistas europeus de renome internacional. Um deles foi Paul Badura-Skoda, já então conhecido como um especialista na interpretação de Bach, Mozart, Haydn e Schubert. O recital, no Teatro Municipal de São Paulo, no dia 30 de agosto de 1968, constou de obras de Mozart (Fantasia em ré menor K.V. 397), Schubert (Sonata em mi bemol maior op. 122), Beethoven (Sonata op. 53 em dó maior), Bartok (Suite op. 14) e Chopin (Três mazurkas, Barcarola op. 60 e Polonaise op. 53). Desde 1960, Paul Badura Skoda dirigia anualmente os cursos de aperfeiçoamento organizados pelo Festival de Viena (junho) e Edinburgo (agosto e setembro). A sua fama decorria sobretudo dos seus inúmeros discos (Westminster, Heliodor, Baerenreiter e Musicaphon). Era conhecido como um dos grandes pianistas vienenses da época, ao lado de Jörg Demus e Friedrich Gulda. Este último já tinha estado no Brasil. Era sobretudo conhecido como autor de um livro sôbre a interpretação de Mozart e aqui fundamentava-se a grande expectativa pela sua visita, a de um exemplo de prática pianista refletida musicologicamente. Havia, porém, também questões de natureza cultural que se prendia à sua pessoa, seja pela sua origem e formação, seja pelo fato de manifestar elos interdisciplinares
Paul Badura-Skoda
Paul Badura-Skoda nasceu a 6 de outubro de 1927 em Viena. Era considerado como o pianista austríaco, ou melhor, vienense por excelência. Por parte da mãe, convertida, descendia de uma família judaica de tradição austro-húngara, de Ödenburg. Cresceu, assim, entre dois mundos culturais e religiosos. Aptidões musicais revelaram-se cedo. Martha Wiesenthal, pianista e violinista, foi a sua primeira professora, a seguir Viola Thern e Otto Schulhoff. Ambos transmitiram-lhe diferentes tradições, uma da escola clássica vienense, que primava pela correção, outro um toque e interpretação marcados sobretudo pela fantasia.
Entre Engenharia, acordeão e piano
Na sua juventude, possuia uma tendência à engenharia e à técnica, possivelmente uma herança paterna. Influenciado pelo seu padrasto, tocava também acordeão, e foi com esse instrumento que deu os seus primeiros concertos. À época da presença russa chegou a tocar para os soldados russos. Em 1945 entrou para o Conservatório da Cidade de Viena. Experimentou as dificuldades do período de fim da guerra e início da época pós-guerra. Nessa época, a música desempenhou um papel especial e foi sentida como um patrimônio cultural de alto significado, de valores por assim dizer supra-temporais. Em 1947, ganhou o primeiro prêmio do Concurso de Música Austríaco e realizou um curso de virtuosidade com Edwin Fischer, nos verões musicais de Lucerna,com o qual ficaria vinculado estreitamente até a morte deste, em 1960.
Em 1950, apresentou-se pela primeira vez no Festival Internacional de Salzburg e, em seguida, realizou suas primeiras tournées a outros continentes, EUA, América Central e do Sul. Foi convidado como solista por Furtwängler e Karajan. Desde 1966 era artista em resid^rencia na Universidade de Wisconsin, em Madison.
Musicologia e piano
Casou-se cedo com Eva Badura-Skoda, musicóloga. Com ela dedicou-se também ao etudo da Musicologia. A sua mulher havia-se doutorado em Innsbruck, em 1953, com um trabalho de título Contribuições à História do Ensino Musical na Áustria nos séculos XVI, XVII e XVIII. Na época, era professora convidade na Universidade de Wisconsin em Madison. De sua lavra, era conhecida a publicação Zur Echtheit von Mozarts Sarti-Variationen KV 460, publicada no Anuário Mozart, em 1959. O interesse de Paul Badura-Skoda era dirigido sobretudo a Mozart e Schubert, mais tarde também a Bach. Com a sua esposa, havia publicado Mozart-Interpretation, Anregungen zur Interpretation der Klavierwerke, em Viena, em 1957, conhecido no Brasil na tradução em inglês, Interpreting Mozart on the Keyboard, Londres e New York, 1962. Um dos primeiros grandes pianistas que redescobrira Mozart tinha sido Edwin Fischer, com quem estava estreitamente ligado. Como Mozart na sua época escrevera para o Hammer-Klavier, passou a colecionar instrumentos antigos. Em 1957, no Mozart-Jahrbuch, surgira o seu estudo sobre o baixo-contínuo em concertos para piano de Mozart (Über das Generalbaßspiel in den Klavierkonzerten Mozarts). O seu interesse musicológico foi dirigido no sentido de saber "o que o compositor realmente teria desejado". Para êle, o intérprete seria apenas um servidor que deveria ser leal à obra do compositor, embora de forma criativa. O pianista deveria ter uma certa modéstia perante a obra. A principal época de seu interesse é a do início da grande música para teclado, Bach, Scarlatti, Händel, seguindo-se Haydn, Mozart e Beethoven. Importante para êle foi o conhecimento da música de Hindemith e de Bela Bartok, contribuindo para a sua divulgação.
Necessidade de arquivos e coleções
Paul Badura-Skoda vinha de encontro a anseios da juventude paulista de então que procurava dedicar-se à pesquisa musicológica. A pesquisa da interpretação, sobretudo de Mozart, despertava sobretudo interesse pelo fato de ser a tradição dos estudos mozartianos representada em São Paulo por Martin Braunwieser e que se prendia ao Mozarteum de Salzburg na pessoa de B. Paumgartner. Naquela época, a sua filha, Renata Braunwieser, preparava-se para o estudo da Musicologia em Salzburgo e em Viena, procurando concretizar as aspirações de Martin Braunwieser voltadas ao estabelecimento da disciplina no Brasil, na tradição de Paumgartner. A presença de Badura-Skoda permitia, aqui, o contacto com correntes mais recentes do desenvolvimento da pesquisa mozartiana nas suas relações com a prática e com a interpretação.
A visita de Paul Badura-Skoda coincidiu com a constituição do primeiro Centro de Estudos em Musicologia em São Paulo, no âmbito da então fundada Sociedade Nova Difusão. Para isso dera-se início à formação de um arquivo e biblioteca. Entretanto, a orientação desse centro diferenciava-se daquela que se percebia nos intuitos de Badura Skoda. A concepção da Nova Difusão dizia respeito sobretudo à renovação do repertório e de formas de apresentação a partir de uma crítica das formas convencionais de difusão e da procura de uma difusão refletida culturalmente de acordo com as necessidades de uma sociedade complexa e dinâmica. A atividade de Badura Skoda surgia sobretudo significativa pelo fato de ser estreitamente vinculada com o desenvolvimento da técnica de gravação. Sabia-se que a sua carreira e a difusão de sua arte pianística foram particularmente fomentada pelo desenvolvimento do long-play. Tinha sido o pianista oficial da firma Westminster. Era, assim, um objeto de considerações privilegiado em época em que se discutia a função da gravação, da Rádio e da Televisão na Difusão Cultural em sociedade de massas.
Também a pesquisa musicológica da interpretação era questionada, sob o pano de fundo da cultura brasileira, pela sua orientação exclusivamente histórico-musical. Discutia-se se esse tipo de aproximação poderia ter validade para o estudo da interpretação de obras do passado brasileiro ou se, aqui, não seria necessário também considerar aspectos histórico-culturais, etnológicos e, até mesmo, extra-musicais. Essa seria a orientação de trabalhos que iriam ser desenvolvidos no âmbito do Centro de Pesquisas em Musicologia e que, posteriormente, levaria à introdução do primeiro curso superior de Prática da Execução e Repertório na Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo. (...)
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).