Doc. N° 2344
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
Instituições em destaque
Museu-Casa Natal de Ernest Renan (1823-1892)
Livre pensamento, fé na ciência e história cultural em contextos euro-brasileiros Joaquim Nabuco (1849-1910) e a superação de Renan
Tréguier. Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Casa Natal de Renan Trabalhos da A.B.E. 2008. Fotos A.A.Bispo No âmbito do ciclo de estudos Normândia-Bretanha-Brasil da Academia Brasil-Europa, levado a efeito em maio e junho de 2008, realizou-se uma visita ao museu Renan, instalado na sua casa de nascimento, em Tréguier, Bretanha. O objetivo dessa visita foi a de incentivar reflexões contextualizadas sobre o significado da obra e da personalidade de Renan sob o ponto de vista das relações internacionais, em particular euro-brasileiras.
Monumento a Renan
A pequena cidade de Tréguier é marcada pela memória de Renan. Na praça principal, ao lado da monumental catedral, centro de culto do padroeiro da Bretanha, Santo Ivo, ergue-se a estátua do autor, representado em singular atitude de velho pensador, sentado, tendo ao lado, de pé, Palas Atena, a deusa da sabedoria. Essa posição central do monumento é mais do que simples expressão de veneração da comunidade por um pensador alí nascido.
Representa uma manifestação, uma permanente recordação a uma situação de conflito, a um desafio à Igreja e uma demonstração de auto-consciência de um grupo de pensadores que co-determinaram a história cultural do século XIX e parte do XX. O visitante de Tréguier não realiza, num primeiro instante, a tensão que se exprime nessa contraposição entre o monumento e a catedral. As dimensões do conflito tornam-se apenas perceptíveis quando se sabe das circunstâncias sob as quais o monumento foi levantado, os protestos de católicos perante tal homenagem a um "apóstata" e que levou até mesmo à edificação de um Calvário de expiação, na melhor tradição bretã.
Casa Natal de Renan
Documentos, fotografias e vozes da imprensa que testemunham essas ocorrências são conservadas e expostas em salas de sua casa natal. Nessa casa nasceu Ernest Renan, em 27 de fevereiro de 1823 e nela viveu os primeiros quinze anos de sua vida. Trata-se de uma típica casa bretã de estrutura de madeira de fins do século XVI e início do XVII, de dois andares. O significado dessa casa para Renan e para a sua memória deriva do fato de o próprio escritor não tê-la abandonado, a ela retornando por ocasiões de férias. No museu ali instalado, apresentam-se objetos relativos à vida e formação de Renan na sua infância e juventude, reconstruindo atmosferas. Esse é o caso por exemplo do seu quarto de nascimento, no andar mais alto da casa, com vista sobre os telhados de Tréguier, com alguns móveis. O museu também apresenta objetos e documentos de suas atividades e certidões de sua projeção internacional. Ali estão expostos diplomas de honra de instituições e academias de vários países, por exemplo da Itália e da Rússia, sobretudo relativos a seus trabalhos de orientalista. Num dos aposentos, reinstalou-se o seu gabinete de trabalho do Collège de France, com a respectiva biblioteca.
Fotografias de suas atividades e viagens, além de originais e primeiras edições de suas obras adquirem especial significado para estudos especializados. Esses documentos oferecem um panorama da amplidão de seus interesses e, sobretudo, da inserção de questões religiosas do século XIX no contexto dos estudos orientalistas e da história da Antiguidade e, vice-versa, desses estudos na história do pensamento religioso. Assim, o visitante se conscientiza de que a história cultural e científica do século XIX não pode ser considerada independentemente de seus vínculos com a história do pensamento teológico e da história eclesiástica. As dimensões políticas dessas relações, hoje muitas vezes surpreendentes, tornam-se evidentes dos muitos documentos expostos na Casa Renan. O visitante percebe, aqui, os muitos elos entre situações de tensão da ciência e da religião em diversos países do século XIX, seja na Alemanha, na França, em Portugal ou no Brasil. Para os estudos euro-brasileiros, a atenção é dirigida naturalmente à questão religiosa no Brasil nos seus vínculos com a história do pensamento no século XIX e com o movimento republicano. Que o papel desempenhado por Renan foi reconhecido na Europa como sendo de extraordinário significado isso demonstra o cultivo de sua memória após a sua morte, ocorrida em Paris, a 2 de outubro de 1892. O seu mausoléu se encontra no Panthéon.
Da Teologia à Ciência das Religiões
Destinado à vida sacerdotal, tendo sido formado no ambiente profundamente religioso e tradicionalmente católico da Bretanha, Ernest Renan realizou estudos no renomado Seminário St. Sulpice em Paris. Influenciado por obras de pensadores alemães, entre êles Hegel e D. F. Strauß, abandonou o seminário em 1845, pouco antes do seu sub-diaconato. Da Teologia passou às Ciências das Religiões e à Orientalística. Em 1848, publicou a obra L'avenir de la science. na qual manifesta as suas tendências positivistas e sua fé na ciência e no progresso. Entre 1849 e 1850, trabalhou em bibliotecas italianas para a consecução de sua obra Averroès et l'averroisme (1852). Em 1855, publicou uma concordância histórico-sistemática das línguas semitas. De 1860 a 1861, dirigiu, para o Govêrno fancês, excavações na área da antiga Fenícia, descobrindo o que chamaria de o Quinto Evangelho, Palestina. Entre 1864 e 1865, realizou uma nova viagem ao Oriente, visitando o Egito e locais relacionados com a vida de São Paulo. Escreveu obra sobre a Fenícia (La mission de Phénice, 1864-74) e, sobretudo, ainda em Gaza, La vie de Jesus (1863, vol. 1 da Histoire des origines du Christianisme, em 7 volumes, 1863-83). Essa obra monumental de Renan, que causou polêmica e garantiu-lhe renome, foi uma expressão do intento de considerar o vulto de Jesus a partir da história do mundo antigo e do panorama bíblico. A obra contribuiu à popularização do método exegético-crítico na pesquisa da vida de Jesus. Criticado pelo Episcopado francês, não pode assumir uma cátedra de línguas semitas no Collège de France para a qual havia sido nomeado, em 1862, e para a qual proferira uma aula inaugural, que gerou polêmica. Após a Guerra de 1871, foi reabilitado. Tornou-se, em 1878, membro da Académie Française. De 1883 a 1892, foi administrador do Collège de France. Escreveu também uma Histoire du peuple d'Israel, em 5 volumes (1887-93) e Dialogues et fragments philosophiques (1876). De cunho memorial é o livro Souvenirs d'enfance et de jeunesse (1883). Entre outras obras, cumpre lembrar Drames philosophiques (1878-86), Caliban, L'eau de Jouvence, Le prêtre de Némi e L'abbesse de Jouarre.
(...) juntamente com Taine e Berthelot, Renan representou uma geração que acreditou no poder absoluto da Ciência, na sua ação absolutamente benéfica e no seu futuro absoluto. Ele era um cético e ensinou o ceticismo, mas o seu ceticismo não era sem sangue, mas vivo como o de Montaigne (...), e por isso prendia-se com tanta lealdade na ciência positiva, a ela transferindo algo da fé incondicional do sacerdote de Tréguier. (Albert Thibaudet, Histoire de la Littérature Française de 1789 à nos jours, Paris: Stock Delamain et Boutelleau 1936; Geschichte der französischen Literatur... 2a. ed., Freiburg/München: Karl Alber, 1953, 375)
Renan e o Brasil
Ernest Renan parece ter exercido uma influência ainda não suficientemente pesquisada em determinados círculos intelectuais brasileiros, sobretudo naqueles relacionados com reformas e movimentos que marcaram a transição da Monarquia para a República. A sua obra sobre a Vida de Jesus foi logo publicada em tradução portuguesa e muito difundida. Dentre aqueles que receberam influência de Renan, destaca-se o abolicionista e escritor Luiz Gama. No seu Le Pays des Amazones, F.-J. de Santa-Anna Nery (Paris: Bibliothèque des deux-mondes, L. Frinzine et cie, 1885), inicia o livro referindo-se a Renan: "M. Renan prétend que, pour parler convenablment de la religion, il faut avoir cru et ne plus croire. Nous disons que, por décrire comme il faut le pays enchanté des Amazones, il est nécessaire de l'avoir beaucoup vu et de l'avoir quitté depuis quelque temps".(pág. XIII)
A influência de Renan deve ser considerada também com relação ao desenvolvimento do pensamento de Joaquim Nabuco (1849-1910). Aqui, porém, torna-se evidente a necessidade de estudos mais aprofundados e contextualizados de Renan para uma análise diferenciada e uma melhor compreensão do caminho que Joaquim Nabuco descreveu na sua obra autobiográfica Minha Formação. (Joaquim Nabuco, Minha Formação, Prefácio de Carolina Nabuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre: Jackson 1952) Nessa obra, Joaquim Nabuco dedica todo um capítulo a Renan. Inicia o seu texto acentuando que, desde a época de seus estudos, a literatura e a política ter-se-iam alternado nos seus interesses. Nos primeiros anos, predominara a política, com a viagem à Europa, em 1873, a sua atenção principal passara à literatura, aqui permanecendo até 1879, quando entrou para a Câmara. Nessas suas reminiscências, o autor salienta o quanto lera na sua juventude. Quanto às idéias religiosas, estivera sobretudo sob a influência de Strauss, Renan e Havet. De fragmentos de muitas obras fizera a sua lenda pessoal de Jesus. Já essa expressão crítica denota o quanto Joaquim Nabuco, na sua idade madura, afastou-se de uma concepção religiosa marcada pela Vida de Jesus. Salientando a influência poderosa de suas leituras na sua formação, justifica o fato de melhor se expressar em francês do que em português. Faltar-lhe-ia para reproduzir a sonoridade da grande prosa portuguesa o eco interior que repetiria e prolongaria dentro de si "o sussurro indefinível" de uma página de Renan. Esse eco se mostrava tanto mais íntimo e profundo à medida que tal sussuro se amortecia, o que pode ser compreendido como a diluição da influência de Renan à época em que escrevia as suas memórias. O seu contacto pessoal com o mundo intelectual da Europa deu-se sobretudo através de Renan. Quando, em 1872, Alexandre Dumas Filho escreveu L'Homme-Femme, Joaquim Nabuco publicou, no Rio de Janeiro, uma carta em francês a Ernest Renan de título "Le droit au Meurtre". Procurou, a seguir, meios para que esse texto chegasse às mãos de Renan. O seu mensageiro foi Artur de Carvalho Moreira. Após entregá-la, Carvalho Moreira escreveu uma missiva a Joaquim Nabuco relatando as circunstâncias do encontro, a amabilidade de Renan e as condições modestas em que vivia. Assim preparado o contacto, foi Renan uma de suas primeiras visitas quando de sua estadia em Paris, em 1873. A impressão do encontro ficou profundamente marcada na memória de Joaquim Nabuco: "Na minha vida tenho conversado com muito homem de espírito e muito homem ilustre; ainda não se repetiu, entretanto, para mim, a impressão dessa primeira conversa de Renan. Foi uma impressão de encantamento; imagine-se um espectáculo incomparável de que eu fosse espectador único, eis aí a impressão. Eu me sentia na pequena biblioteca, diante dos deslumbramentos daquele espírito sem rival, prodigalizando-se diante de mim, literalmente como Luís II da Baviera na escuridão do camarote real, no teatro vazio, vendo representar os Niebelungen em uma cena iluminada para ele só. Dessa entrevista não saí só fascinado, saí reconhecido." (Minha Formação, op.cit., pág. 80) Esse reconhecimento de Joaquim Nabuco deveu-se sobretudo à amabilidade de Renan em abrir-lhe as portas ao meio intelectual de Paris. Deu-lhe cartas para personalidades que desejava conhecer, tais como Taine, Scherer, Littré, Laboulaye, Charles Edmond, que deveria apresentá-lo a George Sand, Barthélemy Saint-Hillaire, por intermédio do qual conheceria Thiers. Assim que Joaquim Nabuco publicou o seu Amour et Dieu, enviou um exemplar a Renan. A sua resposta, publicada na auto-biografia, representou uma elevada honra ao jovem escritor: "Sèvres, 15 août 1874. Cher monsieur, J'ai tardé plus que je n'aurais dû à vous dire tout ce que je pense de vos excellents vers. Je voulais les relire et, puis, j'espérais quelque vendredi vous voir à Paris. Oui, vous êtes vraiment poète. Vous avez l'harmonie, le sentiment profond, la facilité pleine de grâce. Si vous voulez venir après demain, lundi, vers trois ou quatre heures, rue Vanneau, vous serez sûr de me trouver; nous causerons. Je suis prêt à faire tout ce que vous voudrez pour la Revue et les Débats. Malheureusement ces recueils sont depuis longtemps brouillés avec la poésie. Ce sont des vers comme les vôtres qui pourraient les réconcilier. Croyer à mes sentiments les plus affectueux et les plus dévoués. - E. Renan". (op.cit. pág. 81) Nessa resposta, Renan não apenas se colocou à disposição para abrir caminhos a Joaquim Nabuco como também situava a sua obra como ponte entre a poesia e os estudos. Para Renan, as forças intelectuais deveriam ser conduzidas aos estudos históricos, o que havia recomendado a Joaquim Nabuco. Sob esse pano de fundo, compreende-se que este ficasse ferido ao ler, em obra posterior de Renan, os Souvenirs d'Enfance et de Jeunesse, que este, por cortesia, não se esquivava de dizer inverdades a jovens escritores. Joaquim Nabuco procura tirar dessa decepção uma lição a jovens escritores. Afirma que não teria ficado ofendido caso Renan tivesse criticado seus versos, que aliás tinham sido louvados por grandes nomes da literatura. Entretanto, o seu texto deixa entrever o contrário. Citando S. Felipe Néri ao dizer que aquele que se não pode conformar à perda da própria honra nunca avança na vida espiritual, Joaquim Nabuco situa o episódio como um marco na sua evolução interior. Ao mesmo tempo, porém, o leitor adquire uma imagem ofuscada de Renan, apesar de toda a nobreza e polidez do relato de Nabuco, o que tanto prezava no caráter francês: Renan surge como alguém capaz de dizer inverdades.
No capítulo seguinte, quando se refere à crise poética por que passou, Joaquim Nabuco acentua o fato de que, nos seus versos, apenas expressara concepções de outros. A idéia central de um deles, por exemplo, aquela de que a humanidade esperava a adoção de Deus e essa seria ainda um suspiro do seu coração, seria um espelho do que Renan tomara a escritores alemães e expressara elegantemente em prosa. Conselho: menos literatura e mais estudos culturais Entretanto, apesar da crítica mais ou menos velada e do distanciamento de Renan, Joaquim Nabuco procurou passar à nova geração o conselho dado pelo orientalista francês para que a juventude se dedicasse antes a estudos histórico-culturais do que à poesia:
"Não há em regra nada mais ingrato, mais fútil, do que a produção que o indivíduo tira toda de si, e é o que acontece quando o talento não tem uma profissão literária séria. Há estudos, como as humanidades, que são apenas a habilitação do espírito para a carreira das letras; quem os tem pode dizer que possui a ferramenta do seu ofício; além da ferramenta, há, porém, que escolher o material. O material, em que trabalham os nossos homens de letras, são os costumes, a sociedade, quando são romancistas ou dramaturgos; as leituras, quando são críticos, a própria vida ou impressões, quando são poetas. O material preferido é, como se vê, todo ele pouco consistente, efémero, em parte grosseiro, em parte imprestável ou insuficiente, e assim a produção é quase toda fácil, improvisada, sem trabalho anterior, sem investigações, sem esforço, sem tempo, sem nenhum elemento que revele continuidade, ambição. (...) O nosso campo literário é composto de flâneurs...Aconselhar a jovens brasileiros que se dediquem a estudos históricos desinteressados, é aconselhar-lhes a miséria; mas as leis da inteligência são inflexíveis e a produção do espírito que não se alimenta senão de sua própria imaginação, tem que ser cada dia mais frívola e sem valor." (pág. 91-92)
De Renan a Tautphoeus
Se Joaquim Nabuco passou esse conselho de Renan às gerações seguintes, o mesmo não se deu do ponto de vista das idéias religiosas. Aqui afastou-se claramente de Renan. A sua auto-biografia permite seguir o seu desenvolvimento interior, o seu retorno ao Catolicismo do seu mentor de juventude, Tautphoeus.
"Outra transição que lhe devi...Como hei-de explicá-lo que se entenda sòmente a nuança, e não mais? porque quero crer que os germes se desenvolveriam por si mesmos, mas sinto que o seu influxo benéfico penetrou até o terreno onde eles se estavam talvez formando sem eu o sentir... (...) No tempo da minha vanglória literária duas coisas me feriam nele: que com toda sua ciência ele não escrevesse nada e que pudesse ser tão submissamente católico. Agora em nossos passeios pela floresta, em nossas soirées à beira da minha pequena enseada, dourada pelo luar, era sobre a religião que versavam nossas conversas..." (op.cit., pág. 307) "Foi por minhas palestras com ele que compreendi por fim que um grande espírito podia ficar à vontade, livre, em uma religião revelada, do mesmo modo que foi graças a ele que compreendi que os escritores não formam por si sós a élite dos pensadores, que há ao lado deles, talvez acima, uma espécie de tropa intelectual votada ao silêncio, e onde se refugiam os que experimentam o desdém da publicidade, de sua ostentação vulgar, de seu mercenarismo mal disfarçado, de seu modo frívolo, de sua apropriação do bem alheio, de sua falta de sinceridade interior. O horror da cena, hoje do mercado, não pode ser um sinal de inferioridade intelectual." (op.cit., pág. 312) Voltando a uma de suas frases iniciais, pode-se dizer que de Joaquim Nabuco foi marcado, no desenvolvimento de suas concepções religiosas, quase que por uma superação de Renan, cuja influência qualificou omo embriagadora:
"Quando entrei para a Academia, levava a minha fé católica virgem; sempre me recordarei do espanto, do desprezo, da comoção com que ouvi pela primeira vez tratar a Virgem Maria em tom libertino; em pouco tempo, porém, não me restava daquela imagem senão o pó dourado da saudade... Ao catolicismo só vinte e tantos anos mais tarde me será dado voltar por largos circuitos de que ainda um dia, se Deus me der vida, tentarei reconstruir o complicado roteiro. Basta-me dizer, por enquanto, que a grande influência literária que experimentei na vida, a embriaguez de espírito mais perfeita que se podia dar, pelo narcótico de um estilo de timbre sem igual em nenhuma literatura, o meu coup de foudre, intelectual, foi a influência de Renan." (op. cit. pág. 13)
Esta influência do estilo de Renan sentida por Joaquim Nabuco é também aquela que já há muito os estudiosos da literatura francesa apontam como uma das principais razões que explicam a extraordinária difusão de sua obra. "O que vive de Renan, o que merece ainda atenção apesar da diminuição de sua influência é o seu papel de preparador de combate, o papel quase socrático que desempenhou em posição central nos grandes debates do século XIX, que são em parte também aqueles do século XX: no discurso sobre Deus, sobre a Religião, sobre a Ciência, no discurso sobre o futuro da Humanidade, sobre o capital básico da nossa cultura. Com relação a todas essas questões o seu comportamento e a sua atitude foram a de um Montaigne moderno: êle abriu caminhos à liberdade, fêz com que problemas fossem discutidos, alimentou-os no seu desenrolar imprevisível em direção ao futuro com substância cerebral e deu-lhes como companhia um estilo que foi tão leve, tão transparente, tão livre e seguidor tão maleável dos movimentos do pensamento como nenhum outro desde os Essais. (A. Thibaudet, op.cit. 380) (...)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).