Doc. N° 2328
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
Resenha
Buenos Aires voces al sur: construcción de identidades barriales. Buenos Aires: Instituto Historico de la Ciudad de Buenos Aires, 2006 [Cuaderno N° 6]. 160 p.; 28x20 cm. ISBN 987-23118-1-1
A.A.Bispo
Luc. Liliana Barela, diretora geral do Instituto Histórico de la Ciudad de Buenos Aires, no seu prólogo, salienta que o seu instituto dedica grande parte de sua atividade ao estudo e construção da história dos bairros porteños. Esse caderno apresenta uma compilação de textos publicados entre 1998 e 2005 no Cronista Mayor de Buenos Aires e na revista Voces Recobradas. Todos êles possuem uma característica comum, a de serem resultado da aplicação da metodologia da história oral para registrar e interpretar os testemunhos obtidos através de entrevistas e encontros. Os temas se referem a alguns bairros do sul da cidade, uns mais antigos, outros de formação mais recente. Uma especial atenção foi dada àqueles bairros que permaneceram à margem da cidade, neutralizados em processo de "inclusión-exclusión" do espaço urbano, como as "villas". As vilas de emergência, as ocupações surgidas no contexto de uma desarticulação do sistema produtivo nos últimos quarenta anos modificaram a paisagem urbana e alteraram as relações de vizinhança. O encontro e a convivência de velhos moradores com os novos habitantes provenientes de outros países foram marcados por situações conflitantes de identidades entre os migrantes do passado e os migrantes de hoje.
Lidia González e Marcela Vilela, na introdução do caderno, traçam um panorama da situação de Buenos Aires. A cidade se encontra dividida em 48 bairros. Estes possuem características peculiares mas também histórias comuns. A cidade apresenta grandes diferencias entre o Norte e o Sul. Essas diferenças, já históricas, possuem bases geográficas, uma vez que a zona sul foi a das várzeas, de córregos, região de sujeira, de porta-de-trás da cidade. Aqui levantam-se várias questões: Quando teria começado a dicotomia Norte-Sul? Teria sido quando a elite se transferiu para o Norte, fugindo da febre amarela, tese defendida pela historiografia tradicional? Ou teria sido resultado da implantação do eixo na Avenida de Mayo, em 1894, que teria dividido a cidade na do Norte e na Sul, a mais rica e a mais pobre, a nova e a velha? Na bibliografia encontram-se diferentes respostas a essas questões. Segundo James Scobie, a origem do contraste estaria no conflito em torno do Porto; o local e os métodos de construção do Porto Madero teriam orientado o desenvolvimento da cidade em direção ao Norte. Segundo Adrián Gorelik e Graciela Silvestri, o eixo sudoeste, definido pelo Riachuelo, foi objeto de intervenções que o conformaram como área industrial. Jorge Enrique Hardoy, considerando a administração de Torcuato de Alvear (1880-1887), propôs em nome da higine a transferência do hospital de enfermos crônicos, do asilo de mendicância, o de alienados, o cemitério, o serviço de lixo e os quartéis para a região da futura via de circunvalação. A questão que as autoras colocam diz respeito à visão dos próprios moradores. Trata-se de recuperar a história de alguns desses bairros através de relatos de moradores. A memória, vista como chave no processo de reconstrução, falaria de lugares e tensões, envolvendo as alterações da paisagem no universo temporal. As vozes reunidas no caderno dão conta dessas histórias vividas e reinterpretadas por alguns de seus habitantes. Os relatos falam sempre de fronteiras: espaciais, demarcadas por comparação com o resto da cidade, de infraestrutura e serviços, entre villa e bairro, cidade e província, e fronteiras temporais, marcada por momentos de radicação e erradicação. Os textos mostram também como os espaços internos dos bairros são percebidos. Os bairros se mostram muitas vezes como local de disputa segundo a ordem da chegada, do antes/depois, de permanência/invasão. Entre os vizinhos de um mesmo bairros registram-se histórias que refletem convivências conflitivas e contraditórias, pois num mesmo espaço coexistem nacionalidades e grupos étnicos diversos, com suas respectivas linguas e culturas, origens rurais ou urbanas, entrecruzadas com classes sociais diferentes. Haveria ainda bairros inexistentes oficialmente, que não figuram nos planos municipais, ou seja, excluídos.
"El Sur es la sumatoria de esta diversidad y aún más: âmbito superador de divisiones barriales donde confluyen identidades en constante tensión, calidoscopio siempre en movimiento aunque sin dejar de lado su esencia popular. Un calidoscopio por donde desfilan imágenes de las principales luchas obreras y de la vida cotidiana de la clase media porteña, con su esplendor y su caída." (op.cit. pág. 10)
Outro texto básico da publicação é aquele de título "Las 'villas miseria' de Buenos Aires: la construcción del espacio barrial", de Lidia González e Daniel Paredes. As vilas apareceram na cidade de Buenos Aires ao redor de 1930, embora seja possível que já hajam existido anteriormente. Em 1946 e 1948, foram levantados nas proximidades do Porto Novo bairros com vivendas precárias como bairro de imigrantes, para alojamentos com caráter transitório. A seu redor cresceu a Villa de Retiro. Outra vila de emergência, Lacarra, foi construída na várzea de Flores. Também a seu redor cresceu uma vila miséria. Segundo Oscar Yujnovsky, vila de emergência teria o caráter de construção precária provisória, enquanto que vila miséria aludiria a um modo de instalação espontâneo e conseqüente do anterior. A ocupação dos terrenos se fêz de forma paulatina, sem ação previamente organizada, através de sucessivas incorporações de membros pertencentes a grupos familiares já instalados. Esses terrenos, geralmente inundáveis, se encontram situados ao redor de algum riacho, de um depósito de lixo ou de despojos de alguma indústria. Na origem da vila encontra-se o momento em que se prepara o terreno e se levantam as casas, quando se estabelecem os primeiros laços de solidariedade, de vizinhança, de construção do bairro (pág. 16). Um papel que merece ser mais considerado seria o da mulher na construção do seu próprio lar. Inicialmente, as vilas foram povoadas por argentinos provenientes de diferentes províncias, a eles agregando-se migrantes de países vizinhos, paraguaios, bolivianos e peruanos, em menor escala chilenos e uruguaios. A formação dos bairros determinou a existência de fronteiras internas dentro da cidade e que geralmente não coincidem com os limites oficiais. Elas respondem ao sentido que o habitante dá à apropriação do espaço. A "villa miseria clásica" dos anos 60 sofreu mudanças importantes a partir da década de 80. Com sucessivas erradicações, produziu-se novas formas de ocupacão de terra: os "asentamientos". Diferentemente das villas, cujo traçado irregular não leva em conta a forma tradicional da parcela, os asentamientos evitam toda a diferenciação formal evidente com o tecido urbano regular. Nas suas conclusões, os autores salientam que a vila é um lugar para viver e para refúgio do delito. Seus habitantes respeitam códigos internos que admitem a existência de setores não francos para êles próprios. Ao mesmo tempo, há um anseio a reconhecimento como uma comunidade baseada em princípios próprios, com uma linguagem, com ritos e um conjunto de atividades que determinam uma presença incorporada à fisionomia urbana. O bairro é o lugar onde se vive, é a rua, os vizinhos, a igreja, as quadras que rodeiam a casa, é o lugar onde se desenvolvem vínculos de afeto, laços de solidariedade e donde se desenvolvem práticas comunais.
O caderno compreende ainda os seguintes textos:
"En Inta, la historia la escribimos entre todos. La historia del barrio Inta-Villa 19" (Gabriel Vignolo)
"Villa 20: Acá la única es jugarse...es apostar día tras día, minuto a minuto..." (Dora Bordegaray)
"Villa 1-11-14. Cincuenta años de historia" (Clelia Tomachio)
"Villa 15. Ciudad Oculta" (Gabriel Vignolo)
"Crecer desde el pie. Historia de la Escuela Media N° 4 del barrio de Lugano" (Dora Bordegaray)
"Feos, sucios y malos? Notas sobre la construcción de la alteridad en un barrio de la ciudad" (Liliana Barela, Mercedes Miguez, Martín Cremonte, Diana Milstein)
"Fuimos por cartoneros y nos encontramos con recuperadores" (Mercedes Miguez, Marcela Vilela)
"Vivir en Soldati" (Carlos Ferrera)
"Identidades urbanas. Del Albergue Warnes al Barrio Ramón Carrillo" (Liliana Barela y Lidia González)
"Vivir en Pompeya" (Marcela Vilela)
"Barrio Charrúa. Un rincón de Bolivia en Buenos Aires" (Clelia Tomarchio)