Doc. N° 2329
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
Questões de estudos Alemanha-Brasil. Jornalismo e estudos culturais Caso "Graf Spee"
Montevideo. Trabalhos da ABE 2008
A.A.Bispo
Os estudos teóricos e científico-culturais no âmbito das relações entre os países de língua alemã e o Brasil, tais como vêm sendo desenvolvidos pela A.B.E., inserem-se em tradição de pensamento e de esforços que remontam ao início do século XX. Esses estudos necessitam ser diferenciados nos seus intuitos de trabalhos de natureza jornalística que se dedicam às relações Brasil-Alemanha e, na sua orientação exclusivamente teórico-científica, de empreendimentos de órgãos oficiais e de fundações de orientação política. O empenho da A.B.E. tem sido justamente o de tentar estabelecer bases e fornecer subsídios para o desenvolvimento de uma área de estudos específica e orientada por especialistas devidamente formados e a serem formados. Apesar da necessária interdisciplinaridade dos estudos, caberia a essa área de estudos o papel condutor das reflexões. Um de seus objetivos é justamente o de considerar e analisar a atividade de jornalistas e órgãos que se contribuem à transmissão de informações, ao fomento do intercâmbio e à produção de textos e outras ações de interesse cultural. Como parte da cultura, fazem parte do escopo dos estudos culturais Um dos aspectos particularmente salientados nos trabalhos da A.B.E. diz respeito à necessidade de superação de perspectivações nacionais ou bi-laterais. A produção de relevância para os estudos culturais realizada sob a égide de representações diplomáticas ou por correspondentes de entidades e emissoras denota compreensivelmente focalizações determinadas pelas respectivas posições e públicos alvejados. Essa produção, sem dúvida valiosa sob diversos aspectos, deve ser alvo de observação e de análise a serem efetuadas a partir de uma plataforma que permita descortinar panoramas abrangentes. Sobretudo com relação aos estudos histórico-culturais da emigração/imigração é que se manifesta de forma mais evidente a necessidade da consideração de contextos mais amplos e no qual se enquadram os desenvolvimentos particulares nos diversos países. Essa necessidade corresponde também a exigências do presente, considerando-se os intuitos integrativos constatáveis tanto na Europa como na América Latina. Apesar da clareza desses intuitos, nem sempre é fácil discernir campos que separam a transmissão de informações à análise de fatos e contextos a partir de questionamentos teórico-culturais. A atualidade de fatos dificulta muitas vezes o discernimento e justifica e até mesmo exige cooperações entre a mediação e a ciência.
Exemplo Graf Spee
As relações entre a Alemanha e os países da região do atual Mercosul, tão promissoramente descritas e previstas por viajantes estrangeiros do início do século XX, seriam marcadas historicamente por uma ocorrência bélica de extraordinárias conseqüências à época da Segunda Grande Guerra: o afundamento do navio alemão Graf Spee. O estudioso que, na atualidade procure rever a história cultural dessas relações não pode deixar de considerar esse episódio que determinou décadas de um desenvolvimento e que continua presente na memória de seus sobreviventes até hoje. O visitante, ao chegar por navio no porto de Montevideo, depara-se em primeiro lugar com restos recentemente resgatados da nave submersa, recuperados em ação internacional desenrolada não sem polêmicas: trata-se de impressionante aparelho de medição de distância para a artilharia, com 27 toneladas. O "Graf Spee" representava um dos orgulhos da marinha alemã às portas da Segunda Grande Guerra. Provido das mais avançadas aparelhagens da época, sendo o primeiro navio a possuir um radar, era não apenas expressão mais elevada da engenharia naval e bélica mas também um símbolo do poderio e da decisão de vitória do regime nacionalsocialista. Partindo da do porto de Wilhelmshaven, a 21 de agosto de 1939, iniciava as suas atividades militares apenas onze dias antes do início da Guerra. Na sua viagem à América do Sul, afundou 9 navios comerciais. Entretanto, a 13 de dezembro, no decorrer de batalha naval com duas naves britânicas e uma da Nova Zelândia, foi atingido e avariado. Para as necessárias reparações, o seu capitão procurou um porto de uma nação neutra, no caso o Uruguai. Sob influência inglêsa, através do embaixador Millington-Drake, o Uruguai concedeu apenas 72 horas de estadia, espaço de tempo insuficiente para os trabalhos. O capitão do Graf Spee, Langsdorff, sabendo da impossibilidade de vencer a batalha que se realizaria logo após a saída do porto, e decidido a não deixar que o navio caísse em mãos dos inglêses, ordenou que o mesmo fosse destruído e afundado. Assim, o fim do Graf Spee significou a primeira grande derrota alemã na Guerra, uma ocorrência de extraordinário significado simbólico. Justamente devido à relevância dessa simbologia para a própria moral de combatentes e do povo, o govêrno alemão deu ordens a que, em batalhas, os combatentes lutassem até o fim e, no caso de derrota, morressem de forma heróica pela pátria e pelo líder. Contrariando ordens superiores, o capitão Langsdorff decidiu-se pelo salvamento da vida dos 1100 marinheiros, descidos à terra pouco antes da detonação que destruiu a nave. Os soldados não foram repatriados, mas permaneceram internados no Uruguai e na Argentina, onde seus descendentes ainda vivem e conservam viva a memória do ocorrido e do capitão que se suicidou em homenagens anuais no seu túmulo. O afundamento do navio e as conseqüências do ocorrido oferecem assim, sobretudo pela interferência de dimensões simbólicas nos fatos históricos, possibilidades múltiplas para análises histórico-culturais. Há, acima de tudo, o aspecto emblemático da ocorrência, e os atuais estudiosos de processos culturais entre a Alemanha e os países do Mercosul não deixam de se confrontar com configurações marcadas pelo episódio. Compreende-se, assim, o significado despertado pelo resgate dos restos do navio que se encontram não distantes do litoral de Montevideo, a apenas oito metros de profundidade. Empreendimento financiado por particulares da Europa e dos Estados Unidos, a partir de 2004, não deixou de ser questionado por aqueles que temem que os materiais recuperados possam vir a ser objetos de veneração de passadistas e extremistas. Os estudos histórico-culturais das relações Alemanha-Brasil nos anos trinta e quarenta, já desenvolvidos sob vários aspectos, exige, sob a perspectiva dos atuais intuitos integrativos, considerações abrangentes, supra-nacionais, que relacionem acontecimentos nos vários países do Cone Sul e que considerem a literatura correspondente. O estudo da imprensa da época é aqui de extraordinário significado e já tem sido realizado, em parte, em contextos nacionais. Um dos problemas que se colocam, porém, é quando o passado é de repente atualizado e seus fragmentos, retirados da submersão, trazem em si potencialidades simbólicas e de influência social. Aqui não se trata de estudo da imprensa do passado, a ser realizado histórico-culturalmente. Aqui o papel do jornalismo não se limita a ser objeto dos estudos culturais. Tem-se, nesse caso, a necessidade real de trabalho conjunto, de levantamento criterioso de fatos, de pesquisa de ocorrências e desenvolvimentos, de transmissão de notícias. (...)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).