Doc. N° 2337
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
Resenha
Guía del patrimonio cultural de Buenos Aires: arqueologia Urbana. Daniel Schávelzon y Marcelo Weissel; dirigido por Maria de las Nieves Arias Incollá - 1a. ed. - Buenos Aires: Secretaria de Cultura - Gobierno de la Ciudad Autônoma de buenos Aires, 2005. 120 p. ; 23x12 cm. ISBN 987-98718-9-8
A.A.Bispo
"Espírito do Guia" é o título do texto básico da Arq. Nani Arias Incollá. Esse espírito seria determinado pela constatação de que a cidade de Buenos Aires possui um importante patrimônio arqueológico debaixo de seu solo, patrimônio que deve ser protegido para o conhecimento, compreensão e difusão de processos sócio-culturais do passado. Nesse espírito, o programa "Arqueologia Urbana" representa um dos eixos fundamentais da Dirección General del Patrimonio (DGPat). O processo acelerado de crescimento da cidade foi acompanhado por um processo de destruição de testemunhos do passado que, entretanto, permaneceram na memória urbana. A indiferença para com lugares, edifícios e objetos produziram uma perda irreversível de contextos materiais significativos relativamente às informações que continham sobre atividades industriais, comerciais, administrativas, habitacionais e outras. A Arqueologia Urbana, como salientado na publicação, surge como uma disciplina que não se desenvolve unicamente em ações diretas - sondagens e excavações do solo mas sim através do estudo sistemático de todo tipo de evidência material do passado, de acordo com uma metodologia científica específica segundo a qual os edifícios são analisados nos seus restos materiais. A arqueologia urbana de Buenos Aires teria avançado lentamente no decorrer dos anos, concentrando-se compreensivelmente sobretudo no centro histórico da capital. Segundo a Ley Marco de Patrimonio Cultural del Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires (GCBA), aprovada em dezembro de 2003, o patrimônio arqueológico da cidade está conformado por
1) zonas arqueológicas constituídas por sítios ou enclaves claramente definidos, com comprovada existência de restos e testemunhos, e por 2) bens arqueológicos de interesse relevante ganhos na superfície terrestre, do subsolo e de ambientes subaquáticos.
O DGPat, nos seus trabalhos de Arqueologia Urbana, inclui a conservação e restauração de fragmentos e objetos extraídos em excavações. As ações implicam em trabalhos de campo, de laboratório e em montagem de exposições. Em convênio firmado com a Faculdad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU), um grupo de especialistas trabalha interdisciplinarmente na área. Tarefa vista como importante é a da difusão do patrimônio na sociedade, tendo-se em vista o seu conhecimento e identificação, conservação e proteção. O primeiro passo é visto no acesso ao conhecimento. Em exposição realizada na Casa de la Cultura, durante uma Semana de la Arqueología, foram apresentados os trabalhos desenvolvidos nos subsolos, túneis e espaços subterrâneos de Buenos Aires. Sobretudo o bairro de San Telmo foi alvo de atenções. No âmbito do programa, realizam-se visita a sítios arqueológicos da cidade com a finalidade de redescobrir túneis, subsolos e porões.
Lei Nacional de Arqueologia e Palentologia 27543/03
Em 2003, foi aprovada a lei nacional que protege de modo integral o patrimônio arqueológico e palentológico, marco referencial de várias outras leis. A primeira Lei Nacional de Arqueologia datava de 1913. Os modelos de fichas utilizados são os projetados pelo Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano (NAPL). Nesse sentido, o inventário constitui um banco de dados para o estudo e pesquisa. O guia procura proporcionar informações acerca de prospecções, sondagens e excavações realizadas. O patrimônio é considerado sob 3 categorias: sítios (espaços abertos, terrenos de ferrovias, parques, terrenos baldios); edifícios (subsolos de construções antigas) e achados (objetos e artefatos culturais, poços). O programa desenvolvido, pela sua concepção e originalidade, surpreende os observadores de outros países. Pode ser considerado certamente como modelar e dar impulsos a iniciativas semelhantes. Do ponto de vista teórico, salienta-se a ampliação a êle subjacente do conceito de arqueologia e da avaliação de objetos a serem resgatados. Essa ampliação indica a vigência de concepções teórico-culturais abrangentes, ou seja, que aqui a arqueologia não mais se orienta segundo conceitos convencionais. Supõe-se, também, concomitantemente, que os princípios teórico-culturais condutores não correspondem a visões historiográficas convencionais.
E a arqueologia da paisagem?
Entretanto, questiona-se, na utilização dessa notável proposta em outras situações, sobretudo brasileiras, se o conceito de arqueologia não necessitaria ser ainda mais ampliado, procurando-se um resgate de bens naturais que foram destruídos ou transformados no decorrer de processos urbanos. O que parece ser de premente necessidade é mais uma arqueologia paisagística do que propriamente arquitetônica e de objetos. Um reconhecimento do patrimônio natural perdido, da fauna, da flora, de acidentes topográficos nivelados, de percurso de rios, de zonas alagadiças e outros fatores representaria, muito mais do que o resgate de alicerces e de dejetos, um enriquecimento para a recuperação da imagem do ambiente no qual a comunidade surgiu, a atmosfera que a impregnou. Reconhecer as dimensões e as características das várzeas sempre aterradas em todas as cidades, das plantas e dos animais que nelas viviam parece ser muito mais significativo do que a recolha de objetos do lixo que serviu para os aterramentos, por mais interessantes que sejam as recolhas. Recorde-se que muitos bairros recordam até hoje na sua denominação as situações originais quase que paradisíacas do passado, em completa discordância com o ambiente muitas vezes degradado da atualidade. Exemplos não faltam, bastando lembrar, em São Paulo, o Bom Retiro, os Campos Elíseos, a antiga Várzea do Carmo e a Várzea do Tietê. Este procedimento representaria um ato realmente de natureza cultural. Poderia fornecer subsídios para projetos e ações que visassem recuperações de bens naturais perdidos ou, pelo menos, que fossem guiadas refletidamente por conhecimentos das transformações causadas pelo homem. Auxiliaria a mudança de mentalidades e de atitudes relativamente ao meio ambiente e daria maior pêso ao fator Natureza em processos de identidade cultural de grupos e de cidades. Uma arqueologia da paisagem surge cada vez mais como uma exigência para o presente e o futuro.