Doc. N° 2309
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
112 - 2008/2
Resenha
Candido Malta Campos e José Geraldo Simões Júnior (Organizadores). Palacete Santa Helena: um Pioneiro da Modernidade em São Paulo. São Paulo: Editora Senac/Imprensa Oficial do Estado, 2006. 251 págs. ISBN 85-7359-472-1 (Editora Senac São Paulo)/85-7060-427-0 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo)
A.A.Bispo
Esta coletânea de estudos diz respeito a um edifício do centro de São Paulo já não mais existente, demolido em 1971. Com a sua supressão, ao lado de outros edifícios vizinhos, abriu-se área para a criação de uma ampla esplanada formada por duas praças centrais de São Paulo, a da Sé e a Clóvis Bevilacqua. Os trabalhos inseriram-se no contexto da construção do metropolitano paulista. Esse edifício possuía uma cine-teatro de notável arquitetura interior, com decorações e pinturas de elevada qualidade artesanal. O Santa Helena fazia parte, no passado, de uma série de teatros que tornava a cidade de São Paulo uma das mais bem providas do continente em casas de espetáculos adequadamente construídas. Esse patrimônio, em grande parte perdido, garante à cidade uma posição especial nos histórico-culturais relacionados com a arquitetura teatral na América Latina. Foram além, do mais, expressões de uma fase histórica marcada pela imigração européia, constituindo assim objetos de particular relevância para estudos culturais de contextos e processos euro-americanos. Assim como o Santa Helena, vários teatros de São Paulo foram demolidos em passado não muito remoto no âmbito de trabalhos viários e de reorganização urbana. Entre êles encontravam-se edifícios não apenas de particular significado histórico-cultural para a história da cidade e de seus bairros. Havia edifícios de relevante significado arquitetônico em si, tais como o Teatro São Paulo, na Glória, um exemplo discreto e nobre do art nouveau, o Teatro Colombo, monumento do bairro do Brás, de de decantada acústica e extraordinária tradição na história lírica do Brasil. Alguns deles marcavam a cenografia urbana da cidade, tais como aquelas casas de espetáculos desaparecidas no Vale do Anhangabaú, o cine-teatro D. Pedro II, que poderia ser qualificado de verdadeira preciosidade desaparecida pela sua arquitetura interior e o Central, edifício de construção excepcionalmente sólida e monumental mas de efêmera existência na sua função original. Vários outros poderiam ser acrescentados a esta enumeração. Deixaram, como resultado de demolições nem sempre justificáveis, espaços vazios ou destituídos de marca caracterizadora. Esses edifícios referenciais e emblemáticos da cidade foram pouco estudados e as fontes documentais encontram-se esparsas e são de difícil acesso.
À época da demolição do edifício do Santa Helena, estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, entre êles o editor deste órgão como iniciador, conscientes dos atos lamentáveis e altamente questionáveis que essas demolições significavam, desenvolveram, após debates em grupos de trabalho, um projeto dedicado à função cultural dos edifícios teatrais de São Paulo. No âmbito das atividades, foram visitados e discutidos vários edifícios que então estavam previstos para serem sacrificados. Entre êles, também o Santa Helena foi cuidadosamente analisado in loco. A procura de documentos do passado relativos à sua construção e história revelou-se porém problemática, tendo as sondagens levado, sem maior êxito, à companhia que mantivera o cinema nos últimos anos. Além da consideração de jornais e outros materiais relativos a espetáculos conservados, procurou-se obter informações de músicos que haviam atuado na orquestra do teatro no início da década de 30.
Sob o pano de fundo desses esforços do início da década de 70, a publicação aqui comentada surge como de especial significado. Poderia parecer, à primeira vista, que outros edifícios - como os citados teatros São Paulo e Colombo - deveriam merecer maior atenção de uma obra dedicada à arquitetura. Para aqueles que sentiram ainda os diferentes espaços, o teatro Santa Helena, que contrastava no seu aspecto prolixo de inserção em edifício multifuncional com a leveza e sutilidade de soluções arquitetônicas e decorativas das outras casas, não justificaria um tratamento especial e até mesmo privilegiado. Entretanto, a sua posição central, ao lado da Catedral de São Paulo, o situa em contextos da maior relevância histórico-cultural para a metrópole. Além do mais, não é particularmente o Teatro Santa Helena o objeto da publicação, mas justamente o edifício onde estava inserido, o Palacete de mesmo nome. O trazer à consciência o significado desse edifício pode ser visto como o principal mérito da publicação. O que mais surpreende, porém, é o sub-título da publicação, ou seja a qualificação do edifício do Santa Helena como sendo um pioneiro da Modernidade em São Paulo.
A obra
O projeto de pesquisa, base da publicação, foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. O seu ponto de partida foi uma coleção de fotografias de Cláudio Lembo, filho de Leonino Secondo Lembo. Este trabalhara na empresa Irmãos Asson, empreitera da obra de construção do edifício.
A obra, em forma de coletânea de estudos, compreende os seguintes ítens:
Introdução. Candido Malta Campos, José Geraldo Simões Júnior Transformações no centro histórico e renovação da praça da Sé no início do século XX. Gilda Collet Bruna, José Geraldo Simões Júnior O arranha-céu e a remodelação das cidades. Nadia Somekh O Palacete Santa Helena: implantação, construção e arquitetura. Candido Malta Campos, Rafael Perrone Modernidade e cultura: o grupo Santa Helena. Carlos Guilherme Mota, Roberto Righi Visões sobre patrimônio e memória. Fernanda Magalhães
Percebe-se, da disposição da obra, que o cerne da mesma, que dá o nome à publicação, corresponde a um capítulo que é emoldurado por textos de cunho mais abrangente. É precedido por estudos que situam a construção no âmbito das metamorfoses do centro histórico de São Paulo e, ainda sob perspectiva mais ampla, no contexto do impacto exercido pelo arranha-céu na remodelação das cidades. A êle se segue um capítulo que avalia a história cultural do edifício a partir de um grupo de intelectuais e artistas que ali atuou e que justifica em parte o subtítulo da publicação e o seu significado relevante para os estudos teórico-culturais. Finalizando, trata-se de aspectos relacionados com questões patrimoniais. Constata-se, assim, que a publicação, longe de tratar apenas de um edifício desaparecido, o utilizada como motivo para considerações muito mais abrangentes e de significado para a atualidade.
Na Introdução, os organizadores do livro salientam que o Santa Helena, mais que um caso isolado, poderia ser visto como um dos exemplares mais relevantes da produção imobiliária e arquitetônica que acompanhou a remodelação da área central de São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Teria sido inovador sob muitos aspectos. Fora um dos maiores edifícios da cidade em meados dos anos vinte, tanto em altura como em área construída, tendo-se nele utilizado pioneiramente um novo material, na época importado e caro, o concreto armado. Na sua função, combinava diversos usos. Sobretudo, teria tido o seu nome gravado na história cultural da metrópole por ter abrigado um grupo de pintores de origem operária na década de trinta, sobre os quais há varios estudos publicados, entre êles o de Walter Zanini (A arte no Brasil nas décadas de 1930 e 40: o grupo Santa Helena, São Paulo 1991) e Maria Cecília França Lourenço (Operários da modernidade, São Paulo 1995).
O Palacete Santa Helena: implantação, construção e arquitetura
Nesse capítulo que poderia ser considerado como núcleo da obra, autores tratam dos seguintes ítens: "Um símbolo do Centro Velho"; "Promoção imobiliária e verticalização"; "O papel do concreto armado"; "O caso do Palacete Santa Helena"; "A solução arquitetônica", e um "Um destino paradoxal".
A exposição salienta, de início, que o Santa Helena, edificado entre 1921 e 1925, poderia ser considerado um marco no processo de construção do centro paulistano à época da Primeira República: "a tentativa de criar em São Paulo um centro urbano moderno, civilizado, de aspecto europeu, formado por logradouros cuidadosamente compostos, ladeados por edifícios comerciais e institucionais de poucos andares e arquitetura eclética" (pág. 71). Os aspectos europeus pretendidos nessa transformação não teriam sido eleitos por acaso ou capricho entre os estilos em voga (pág. 73). Os autores, na sua interpretação, salientam que a política de modernização urbana era também parcial e excludente, levando à segregação social pelo afastamento do centro usos e ocupantes indesejáveis.
Tratando das relações entre a promoção imobiliária e a verticalização, os autores salientam que não pode ser coincidência o fato de que grande parte das casas da face norte da praça tenha sido adquirida por Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, presidente do Estado, vulto de liderança no Partido Republicano Paulista. De sua mulher, Helena de Souza Queirós, das mais tradicionais e influentes famílias paulistas, derivar-se-ia o nome do edifício. Intuitos pecuniários de exploração imobiliária uniram-se à modernidade construtiva, representada por exemplo pela possibilidade de edificaçãos maiores e de mais andares através do uso de elevadores, de estruturas metálicas e de concreto armado. Os autores salientam, na sua exposição - e com razão que pode ser comprovada por aqueles que conheceram o Santa Helena - que "atrás de fachadas elaboradas, até suntuosas, perfilavam-se ambientes pequenos, muitas vezes mesquinhos", sendo exceções os espaços repressentativos que compunham eventualmente a parte nobre dos edifícios (pág. 81).
Na análise do caso do Palacete Santa Helena, os autores lembram da necessidade e um especial cuidado pela impossibilidade de um contato direto com a obra e pelo fato de que um estudo a respeito dependeria de uma discussão de posições da crítica arquitetônica em relação ao ecletismo. (pág. 84) Mais do que uma crítica, os autores vêm o seu estudo como uma tentativa de explicação das práticas de projeto utilizadas na época, considerando o terreno e o programa.
Inicialmente estavam projetados apenas cinco pavimentos, com lojas no térreo, sobreloja, três andares de escritórios, com teto em mansarda. Entre fins de 1921 e início de 1922 houve acréscimo de um quarto andar e inclusão do cine-teatro. Com essa inclusão, o edifício tornou-se multifuncional, de forma pioneira, destacando-se pela ostentação decorativa e modernidade de instalações. A última fase, quase no término da obra, foi marcada pelo acréscimo de três pavimentos, formando dois corpos laterais sobrelevados, unidos por uma loggia.
A construção da obra foi dirigida inicialmente por Emmanuele Asson (1869-1922), construtor de residências em vários bairros de São Paulo, nomeadamente na Av. Paulista, Higienópolis e Av. Angélica. Em 1911, recebera o diplma de honra em Turim, na Exposição Internacional de Indústria e Trabalho, estampado na publicação. Logo após o seu falecimento, os trabalhos foram prosseguidos pelos seus filhos Adolfo Asson (1891-1925) e Luís Asson (1898-1971). Esses dados poderiam dar ensejo a estudos mais aprofundados da posição de Emmanuele Asson na história da arquitetura sob a perspectiva global. Sabe-se que a Exposição Internacional de Turim de 1911 destacou-se pelo fato de por em relêvo as conquistas técnicas na construção, em especial salientando o papel da luz elétrica, ao mesmo tempo que marcou uma culminância do neo-barroquismo na configuração de fachados e da decoração. Um estudo mais cuidadoso de contextos relacionados com a Exposição de Turim poderia, assim abrir novas perspectivas para análises do Santa Helena.
O arquiteto idealizador do projeto foi Giacomo Corberi, ainda pouco estudado na história da arquitetura paulista. Alterações foram introduzidas também pelo arquiteto Giuseppe Sacchetti (três pavimentos adicionais). O painel da abóbada do teatro foi pintado por Adolfo Fonzari, representando, no céu, a História e a Fama no carro de Apolo, puxado por cavalos, tendo ao alto musas e outras figuras simbólicaas, cupidos e a Glória com uma coroa de louros.
Uma das partes de maior interesse histórico-cultural é o ítem denominado de "Um destino paradoxal" e que considera o uso do teatro por grupos de música popular e caipira. Os programas do Santa Helena seriam assim representativas "do drama vivido pelo Centro Velho, submetido a uma decadência prematura (...)" (pág. 156). O Palacete Santa Helena, no lugar do prestígio social visado originalmente, adquiriria um novo cunho, o de centro de artistas e movimentos operários.
Como salientado, esse capítulo, com os seus valiosos desenhos originais e fotografias, é emoldurado por outros estudos. No primeiro capítulo da publicação, dedicado às "Transformações no centro histórico e renovação da praça da Sé no início do século XX", os seus autores consideram os seguintes pontos: Os primórdios da área central; Expansão cultural e urbana: o Centro renovado; e A remodelação urbana da praça da Sé na década de 1910. A exposição parte de um amplo panorama histórico, situando o surgimento da cidade de São Paulo no processo de expansão do povoamento da capitania de São Vicente e o aumento de seu significado a partir de meados do século XIX. De 1995 aos primeiros anos do século XX, a cidade foi caracterizada por demolições e transformações, e uma cidade nova, marcada por construções que seguiam desenvolvimentos estilísticos europeus da época começou a substituir a antiga cidade de origem colonial. Nessa "efervescência destrutivo-construtiva" (pág. 20), a demolição da velha catedral, em 1912, foi ato fundamental para a ampliação do Largo da Sé. Nesse processo de reestruturação é que se situaria a edificação do Santa Helena. O estudo considera com especial atenção o plano de melhoramentes para a área central do arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard, não completamente concretizado. Assinala que a praça da Sé, entre os anos de 1912 e 1954, este o da inauguração da nova catedral, constituía uma grande "descampado em sua parte central, cuja área era utilizada como estacionamento" (pág. 32). Até este ano, o Palacete Santa Helena manteve a sua posição de edifício mais imponente da área.
O estudo de tema "O arranha-céu e a remodelação das cidades", parte da afirmação: "O arranha-céu pode ser considerado um fenômeno tipicamente americano, símbolo máximo de algumas cidades, como Nova York e Chicago".(pág. 39) O surgimento do arranha-céu e a sua proliferação teria ajudado "a voga dos estilos enfeixados pelo nome geral de ecletismo, (...) cuja fonte próxima situa-se na Inglaterra e na França, mas cujas origens formais mais longínquas estão no solo do Renascimento italiano" (loc.cit.). Antes de considerar a questão da verticalização das cidades, o que é feito de forma pormenorizada em abrangente, a autora dirige a sua atenção ao fenômeno da "remodelação das cidades" e que teria o seu paradigma original na reforma de Paris por Georges-Eugène Haussmann. Na sua exposição, o aspecto econômico é salientado. A remodelação das cidades não apenas teria obedecido a objetivos políticos e de modernização mas sim e sobretudo às necessidades de giro do capital imobiliário, "que não raro provoca a destruição como preço de alcançar altos níveis de rentabilidade". (pág. 42) Esse significado, porém, não poderia ser constatado no caso da demolição do Santa Helena, em 1971, tonando manifesto o cunho paradoxal desse ato:
"O que vimos, no entanto, em São Paulo nos anos 1970, quando da demolição do Palacete Santa Helena e da implosão do Edifício Mendes Caldeira, para a remodelação da praça da Sé e a implantação da Estação Sé do metrô, não teve esse efeito. Além de destruir-se um patrimônio histórico da cidade, o espaço público resultante, embora modernizado e configurando um aumento de controle social na região, não atendeu à lógica de reprodução do capital imobiliário." (pág. 42)
Esse resultado das análises é repetido no fim do estudo:
"(...) a segunda grande remodelação da praça da Sé, nos anos 1970, não só destruiu parte da história paulistana, em que se cristalizara o saboroso embate entre a homogeneidade haussmanniana e os edifícios que buscavam o céu, como também não atingiu o tradicional objetivo de investimentos públicos gigantescos como esse, ou seja, dar impulso ao setor imobiliário" (pág. 68)
O capítulo "Modernidade e cultura: o grupo Santa Helena" considera os seguintes ítens: Contexto socioeconômico; Usos urbanos da praça da Sé; Origens sociais e associações histórico-artísticas do grupo Santa Helena; Discurso estético e a força da história; Em síntese". O texto é enriquecido com reproduções a cores de obras de artistas componentes do grupo. O grupo Santa Helena, aqui estudado de forma contextualizada, foi integrado pelos pintores Mário Zanini, Humberto Rosa, Clóvis Graciano, Aldo Bonadei e Alfredo Volpi, iniciado no âmbito do aluguel de uma sala por Francisco Rebolo Gonsales, em 1932. Uma ampliação do grupo Santa Helena foi a Família Artística Paulista, que iniciou suas exposições em 1937. Os artistas, que atuavam em solidariedade com o movimento sindical eram "quase autodidatas, de origem proletária e artesanal, geralmente imigrantes italianos." (pág.180).
Chega-se à conclusão de que os participantes do grupo Santa Helena não seriam apenas antes artesãos hábeis do que gandes artistas mas sim também agentes de "uma arte que se fez em sintonia com um mundo mutante, assinalando aberturas de perspectivas, mas registrando perdas". (pág.187)
No último texto, dedicado ao tema "Visões sobre patrimônio e memória", a autora parte da dificuldade de se compreender hoje as razões que levaram à demolição do Palacete Santa Helena. Para isso, procura apresentar uma síntese da evolução do conceito de patrimônio.
No século XIX tinha-se tomado consciência de que determinados monumentos representavam elementos de um patrimônio histórico nacional ou universal. No início do século XX, essa consciência manifestara-se em cartas e convenções internacionais. A atenção a bens isolados teria dado lugar gradativamente à consideração de entornos. A partir de 1925, em particular depois de 1931, com a Conferência Internacional de Atenas, a atenção passou a dirigir-se a visões de conjunto. No Brasil, as concepções de patrimônio desenvolveram-se paralelamente à do movimento moderno. Em 1937, criou-se o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com uma política de preservação de monumentos isolados. Em São Paulo, tombaram-se edifícios relacionados com o passado colonial. O movimento moderno emprestou particular atenção às bases coloniais da arquitetura, desenvolvendo-se em oposição ao ecletismo acadêmico, representante da tradição beaux-arts, compreendida como estrangeira. A arquitetura eclética, nessa visão, foi desvalorizada. Dois fatores, a Semana de Arte Moderna e a modernização da época de Getúlio Vargas "talvez possam explicar a emergência marcante e definitiva do modernismo e o desprestígio sofrido durante muitos anos pelas obras ecléticas" (pág 232) A partir dos anos 40, os modernos conquistaram definitivamente posição hegemônica.
Com relação ao Santa Helena, a autora, - desconhecendo os esforços de estudantes da FAU/USP mencionados no início desses comentários -, diz que não parece ter havido qualquer dúvida sobre a ausência de valor do edifício na época de sua demolição. Não era suficientemente antigo nem meritório pelo valor estilístico. "Nos anos 1970, no Brasil, na época da demolição do Edifício Santa Helena, além da consciência não completamente desenvolvida a respeito da preservação do patrimônio, ainda havia muito pouco espaço para qualquer mobilização" (...) num contexto de repressão militar".
Paradoxalmente, no contexto internacional, a década de 60 presenciava a ampliação da idéia de patimônio. Já em 1962 a Conferência Geral da ONU expandira a noção de patrimônio, no sentido de incluir a de salvaguarda de paisagens, conceito estendido na Carta de Veneza (1964) a obras modestas. No Brasil, no Compromisso de Salvador, de 1971, esse desenvolvimento se manifesta na idéia de ambiência do bem tombado. A Declaração de Amsterdam (1975) consagraria o valor do conjunto e o do testemunho da memória.
Somente com a Constituição de 1988 é que se supera a idéia da monumentalidade e da excepcionalidade, ampliando-se o parâmetro de proteção que passa a abranger o vernacular, o cotidiano e a imaterialidade. Criaram-se, pelo Serviço do Patrimônio Histório e Artístico Nacional as Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (Apacs). Sob esse pano de fundo, o ecletismo tenderia hoje a ser reabilitado.
Em visão de conjunto, essa publicação, apesar de repetições de dados e argumentos, explicáveis pelo seu caráter de coletânea, apresenta-se com um todo coerente nas suas elucidações e julgamentos. É um grande mérito dessa obra chamar a atenção para o malôgro das soluções implantadas no centro de São Paulo na década de 70. Como bem expresso na intenção do projeto, essa publicação contribui de fato para a composição de um registro historiográfico sobre a cidade em torno de um edifício que não apenas faz parte da memória da cidade, "mas também pode ser encarado como ponto referencial na reconstituição de um complexo de relaçõs urbanas, reunindo elementos urbanísticos, arquitetônicos, culturais e sociais". (pág. 14)