Doc. N° 2303
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
112 - 2008/2
O Cabo de Hornos/Terra do Fogo - Significado histórico-cultural 150 anos de "Une Élégie au cap Horn" de F. Dabadie
Cabo de Hornos. Viagens de trabalhos da A.B.E., 2008
A.A.Bispo
Cabo de Hornos Viagem da A.B.E.,março de 2008. Fotos A.A.Bispo Cada vez maior número de brasileiros, latinoamericanos de diversos países, norteamericanos e europeus realizam viagens para visitar o extremo Sul do continente. Este é marcado pelo Cabo de Hornos (Cap Hoorn, Cab Horn), localizado em região de impressionante paisagem, no término da Cordilheira dos Andes (Latitude 55/58,8' S. Longitude 067/17.4'W). Esse interesse é sobretudo determinado pelo desejo de conhecer o "fim da terra" e as regiões austrais. Assim como a passagem do Equador nas viagens transatlânticas, o dobramento do Cabo de Hornos assume um sentido simbólico nas viagens entre o Oceano Atlântico e o Pacífico. O Cabo de Hornos é também de especial relevância na cultura marítima, dos capitães e dos navegantes em geral, que celebram o seus dobramentos e realizam convenções e publicações; a filatelia tem documentado esse significado.
Do ponto de vista histórico-cultural, o Cabo de Hornos já desempenhou importante papel nas relações entre as nações do continente e os contatos internacionais. Antes da abertura do Canal do Panamá, marcava a rota principal para navios comerciais que levavam as suas mercadorias de uma parte do continente à outra, ou mesmo da Europa ao Pacífico. Com a descoberta do ouro na Oeste dos Estados Unidos, essa foi também uma das principais vias para aventureiros e imigrantes no longo caminho até a California. Esses viajantes, que vinham da Europa e se dirigiam ao Pacífico através da América meridional aportavam no Brasil. Os elos entre o Brasil e essa rota que contorna o continente, com o Cabo de Hornos, foram portanto significativos, embora ainda pouco estudados. No âmbito dos estudos euro-americanos, sobretudo à luz das novas visões despertadas pelo Mercosul, cumpre tecer reflexões sobre essa via tão relevante no passado uma vez que marcou imagens e estabeleceu relações entre regiões e homens. Se no Brasil, devido à história dos Descobrimentos a partir da perspectiva portuguesa, o Cabo da Boa Esperança está sempre presente em livros escolares, fazendo parte da cultura geral, o mesmo não pode ser dito com relação a seu paralelo do continente americano, o Cabo de Hornos.
Já a sua denominação indica ao mesmo tempo relações internacionais em sua complexa diversidade e dos problemas de entendimento daí resultantes. O seu nome deriva da cidade holandesa de Hoorn, sendo a tradução castelhana de Hornos nada mais do que uma hispanização do termo, tirando-lhe a sua vinculação original com a cidade européia e dando-lhe um sentido sem qualquer justificativa geográfica ou cultural.
O Cabo de Hornos na geografia européia
Qual foi a imagem do Cabo Horn na geografia do passado e nos textos lidos pelos viajantes, comerciantes, imigrantes e aventureiros? Não é fácil encontrar dados mais pormenorizados a respeito do Cabo de Hornos em livros europeus. Um exemplo de exposição de conhecimentos em obras de cunho geográfico-científico são referências de Wilhelm Sievers na sua Süd-und Mittelamerika (2a ed. Leipzig e Viena 1903):
"A geografia das Ilhas Malvinas e o Cabo Hornos passou a ser melhor conhecida a partir de Francis Drake, 1578, John Davis 1592, Le Maire e Schouten, em 1616. Ingleses e holandeses substituíram, gradualmente os espanhóis nos feitos do descobrimento. Os espanhóis se concentravam na exploração dos países andinos, onde havia metais valiosos. (...)
No Sul, o estreito de Magalhães separa a Terra do Fogo e as ilhas do sul Navarin, Wollaston, Hoste, Hoorn, Clarence, Dawson, Ines, Desolação do continente. As ilhas da cordilheira começam no sul com os grupos das ilhas Navarin, Hoste, Wollaston, Hermite, Londonderry, Stewart, Gordon e a ilha com o Cabo Hornos. Nesse cabo de formas curiosas. mas pouco visível devido à névoa e as nuvens baixas, as ilhas são constituidas de fragmentos de rochas eruptivas (...). Elas atingem alturas de 500 a 600 metros, selvagens, com vegetação sem utilidade e várzeas; chuvas cortam a sua superfície e a força do mar encontra a sua barreira em íngremes encostas, sendo que as ondas aqui podem alcançar 60 m acima do cume dos rochedos- Devido à pressão baixa de ar, de 746 mm, a região é alvo de temporais, sobretudo no verão. No verão domina ventos ocidentais, enquanto que no inverno, em maio e junho, também ocorrem rajadas de vento do norte e do leste." (op.cit. 20, 49,57, 349, 359, trad. A.A.B.)
O imaginário dos europeus que então faziam a viagem ao Rio de Janeiro e dali se dirigiam ao Sul e ao Pacífico, passando pelo Cabo de Hornos, era certamente muito mais influenciado por descrições de obras populares de divulgação. Como exemplo de um desses textos, menciona-se aqui aquele que mais detalhadamente se refere à região, o publicado no âmbito dos "Retratos e cenas da vida natural e do homem nos cinco continentes da Terra". de A.W. Grube (Bilder und Scenen aus dem Natur-und Menschleben in den fünf Hauptteilen der Erde IV: Amerika, 8. ed., Stuttgart: Steinkopf 1901, trad. A.A.B.)
"Não encontro mencionado em nenhum lugar que alguém tenha escalado as encostas do Cabo de Hornos para lançar os olhos sobre o mar estéril desse ponto mais ao sul da Terra do Fogo; mais para o sul, em direção ao Polo, o mar vai se lançar em costas ainda mais inóspitas. O Cabo Spencer, o ponto mais ao sul da ilha vizinha, Hermite, foi escalado pelo Dr. M'Cormick, o médico do navio de Erebus. O caminho atravessava escarpadas com enormes blocos de granito dispersos em desordem das mais selvagens, de modo que apenas com grandes dificuldades o cume pôde ser alcançado. Este é constituído de pedra verde fienítica; as pedras são agregadas umas sobre as outras (...) que cercam uma cratera de ca. de 200 pés de profundidade e que contém um lago o qual M'Cormick ainda viu coberto de gêlo na sua parte ao norte. A cratera tem um diâmetro de ca. de uma milha, a maior na direção Norte-Sul. A parte mais elevada situa-se na parte ocidental e forma uma beirada muito estreita, ao longo da qual se pode atingir o cume do extremo sul e que se eleva sobre o oceano que se movimenta abaixo do barranco íngreme. Só raramente é que as nuvens e a névoa permitem ter-se uma visão livre (...) Ao norte eleva-se os altos cobertos de neve da Terra do Fogo, e em direção ao Sudoeste surgem as ilhas Diego-Ramirez como pontos diluidos no horizonte distante. Em direção do sudeste salienta-se o Cabo de Hornos com o seu desenho ousado, ao sul estende-se o oceano sem fronteiras." (A. W. Grube, op.cit., 302-303)
"Uma Elegia no Cabo de Hornos"
Um dos mais singulares exemplos de literatura de viajantes do passado que estabelece relações entre o Brasil e o Cabo de Hornos é um livro de F. Dabadie, publicado em Paris, em meados do século XIX ( F. Dabadie, A Travers L'Amérique du Sud, Paris: Ferdinand Sartorius, 1859, 2a. ed.). Prova da grande difusão desse livro foi o fato de a primeira edição ter-se rapidamente esgotado. O livro contém os seguintes capítulos: Rio-Janeiro et ses environs; Les Esclaves au Brésil; Jacques Arago et l'empereur Dom Pedro II; Le Misanthrope de Mato-Grosso; Une Élegie au cap Horn; Superstitions maritimes; Les Curiosités de Lima; Les Liméniennes, Les Brigands du Pérou; Les Moines de l'Amérique méridionale; Le Poete des Andes; Excursion dans la province d'Esmeraldas; Souvenirs de la Plata; Postface.
A renomada Revue des Deux Mondes (15 de novembro de 1858), na sua resenha, louvava o livro como um relato pitoresco e finamente exposto de uma odisséia realizada nas regiões meridionais da América que, para a maior parte dos europeus, não apenas teriam a atração do desconhecido mas ainda do maravilhoso. Rio de Janeiro, Lima, la Plata, esses eram os pontos mais importantes das excursões realizadas pelo autor. Seria uma viagem contada sem o intuito de oferecer um panorama completo da situação política, financeira e industrial da América do Sul: "C'est enfin un livre amusant où l'on ne trouve ni botanique, ni cosmologie, ni chemins de fer, mais simplement des choses curieuses et curieusement racontées". (op.cit. 2)
No Journal des Débats, de 22 de janeiro de 1859, F. Barrière salientou também o encanto dos textos de Dabadie, cujas principais impressões diziam respeito ao Brasil. "Il est très-spirituel, assez hasardeux, et raconte avec un laisser aller charmant." (op.cit.3)
No Messager de Paris, de 1 de dezembro de 1858, Paul d'Ivoi enaltece o valor da obra de Dabadie em comparação com os demais relatos de viagens da época. Os viajantes de então, quando percorreriam um país da Europa, não falariam senão de ferro, de zinco, de cobre, de estanho; quando percorreriam a América do Sul, não haveria outra coisa a tratar do que de ouro e prata: todos os rios carregariam pedras preciosas, todas as areias conteriam pepitas. O livro de Dabadie, ao contrário, seria sincero, estaria repleto de fagulhas de engenho, de anedotas picantes e de observações sagazes. "Nous qui cherchos l'homme, qui voulons connaitre les habitudes, les moeurs, les coutumes, les usages, les physionomies; nous qui cherchons la pensée claire exprimée en bonne prose, ce qui est après tout encore mins facile à trouver que l'or, nous préférons le livre de M. Dabadie à tous les livres de ces chercheurs d'or." (op.cit.4)
Na Revue française, de 1 de fevereiro de 1859, Charles-Louis Chassin salientou sobretudo o fato de Dabadie ter dobrado o Cabo Horn: "M. F. Dabadie revient de l'Amérique méridionale. Il a visité le Brésil et le Pérou, il a doublé le cap Horn; et maintenant, dans un volume fort agréable: A travers l'Amérique du Sud, il nous décrit ce qu'il a vu de l'autre côté du monde (...) Son livre contient des pages fort sérieuses et souvent fort émouvantes...; par exemple, Une élégie au cap Horn, qui fait pleurer (...)" (op.cit. 5).
No Courrier de Paris, de 29 de janeiro de 1859, F. Prevost, após tecer grandes elogios à obra, e na impossibilidade de citar todos os seus capítulos, salientou aquele relativo ao Cabo Horn: "(...) nous aurions aimé à reproduire une touchante histoire qu'il raconte dans le chapitre qui a pour titre: Une élégie au cap Horn" (...). (op.cit.6)
Em Charivari, de 28 de janeiro de 1859, Clément Caraguel salientou o fato de que seria preferível aquele autor que simplesmente expõe os fatos e as coisas tais como as viu do que aquele que substitui a realidade por interpretações muitas vezes absurdas. O escritor de "Une Élégie au Cap Horn" seria, assim, digno de ser lido com atenção: "Écoutons donc M. Dabadie lorsqu'il nous parle de rio-Janeiro, des esclaves au Brésil, des curiosités de Lima, des moines de l'Amérique méridionale (...) Il nous révélera bien des détails intéressants et caractéristiques sur cette Amérique du Sud, beaucoup moins connue qu'on ne le pense généralement, et nous ne regretterons pas le temps passé à l'entendre." (op.cit. 6-7)
Nos Archives israélites, de março de 1859, Isidore Cahen também considerou a obra de Dabadie, salientando a sua leitura agradável e o espírito livro e imparcial do autor. "Pu de lectures laissent des souvenirs plus vifs, et font penser davantage. On se sent tout à la fois ému et intrigué, charmé et instruit, et l'on souhaite qu'un voyageur si sincère et si droit ne s'en tienne pas là de ses confidences." (op.cit. 7)
Um outro tipo de relatos de viagens
Essas opiniões positivas a respeito da obra de Dabadie, e que salientam as suas qualidades literárias e de espírito, surpreendem ao estudioso de hoje, que procura em relatos de viagens antes informações, dados e observações pormenorizadas, decepcionando-se com a obra. Entretanto, pelas vozes da época, constata-se que a publicação foi julgada positivamente justamente pelos motivos que hoje a impedem de ser de considerada mais de perto pelos historiadores culturais. Aquilo que hoje surge como decepcionante não representou, porém, resultado de um procedimento irrefletido do autor, mas sim da procura consciente de inovação de um gênero.
No Postfacio da obra (págs.367 ss.), o próprio Dabadie elucida as suas idéias e o caminho que seguiu. Haveria vários tipos de viajantes. Uns correriam atavés do mundo por necessidade ou por prazer e não escreveriam nunca uma linha. Caso tivessem um pouco de espírito, então os seus relatos teriam um tipo de interesse, um sabor particular que faltaria às narrações prolixas e repletas de citações. Haveria por outro lado escritores que, apenas com base em relatos de outros viajantes, e sem separar o verdadeiro do fictício, passeariam por todas as latitudes, contariam a respeito de todos os países do mundo, sem nunca sair de casa. Aqueles que viajariam a serviço da ciência e de govêrnos, dirigiriam o seu interesse a detalhes, a minerais, a insetos, a pássaros, mas cansariam os seus leitores com uma linguagem de cunho oficial ou repleta de termos científicos. Não ganhariam a imensa maioria de leitores. O viajante analista também seria fatigante, por uma razão diferente. Ele escreveria tudo o que via e que ouvia, numa prolixidade que cansaria até mesmo os turistas inglêses e os amantes de guias turísticos. O viajante egotista, por seu lado, imaginaria que todo o universo teria os seus olhos voltados para tudo o que fazia e o que vivenciava. Também aqui haveria um abuso do detalhe, não porém por excesso de zêlo mas por amor à sua pessoa. Este tipo de escritor seria um autólatra: adorar-se-ia a si proprio e queria ser adorado. Deixaria os homens e as coisas que encontrava no seu caminho para um segundo plano, colocando no centro a sua individualidade. Haveria porém uma outra classe de viajantes. Não tendo nem a habilidade necessária para investigar animais raros e fenômenos científicos, nem a intenção em iluminar com a sua presença os locais que visita, procuraria contemplar e escutar simplesmente, sem programas e sem preconceitos. Colecionaria assim impressões novas, exatas, que um dia chegam a consistuir estudos incompletos e sem ordem didática, mas também despretenciosos. Seria nessa categoria que a obra de Dabadie queria ser inserida. Os temas teriam sido escolhidos segundo o grau de interesse que ofereceriam, sempre na preocupação de seguir a lei da variedade, de passar do grave ao doce, do agradável ao severo.
Uma balada inglêsa com referência a Portugal no Cabo de Hornos
É a partir desse pano de fundo e das intenções do autor que se deve ler "Une Élégie au Cap Horn. Justamente esse trecho da obra de Dabadie é aquele que mais intriga o leitor, pois não contém informações a respeito da geografia e da natureza da região. Muito mais do que os seus outros textos, sobretudo aqueles relacionados com o Brasil, o capítulo que traz o nome do Cabo de Hornos não parece ter à primeira vista qualquer vínculo com o local visitado.
Dabadie parte a sua narração relatando os motivos que o levaram, no Rio de Janeiro, a prosseguir a viagem aos países do Pacífico:
Uma bela manhã, fatigado do meu tédio nas ruas malsãs do rio de Janeiro, eu digo mal-sãs porque a febre amarela infetava o ar, - resolvi visitar as costas do Oceano Pacífico. Aquilo que tinha lido e ouvido contar da América espanhola me seduzira; gostava de crer que o Chile ou o Peru acalmariam a necessidade insaciável de novidade que está na minha natureza. Não comuniquei o meu desejo a ninguém, a fim de evitar os conselhos e a cartas de recomendação; mas, fiel à regra de conduta que sigo em caso similar, consultei uma moeda jogada ao ar, para saber se iria direto a Lima ou a Valparaiso. Tendo-me a sorte (...) indicado Lima, comprei a minha passagem no Calcutta, que estava prestes a lançar velas. O Calcuta era uma nave inglesa em reparação na baía, e que (..) com carvão ou guano, tinha efetuado 10 vezes a viagem ao redor do mundo. (...)
Foi com o cigarro nos lábios que passei as horas menos pesarosas de uma viagem de três mêses. O cigarro foi-me sobretudo precioso, uma vez que de Rio a Lima nenhuma distração alegrava o interior soturno do Calcutta. Passageiro só, e falando mal o inglês com homens que não compreendiam uma sílaba de francês, não teria sabido o que fazer da minha existência sem o tabaco salvador. (...)"
Após traçar um quadro expressivo do tédio da viagem, o autor dirige a atenção do leitor ao capitão do navio, em particular à sua vida conjugal. Casado há seis anos, apenas tinha vivido seis meses com a sua mulher. Apesar da enorme distância que dela o separava, idolatrava-a. Excelente marinheiro, as suas habilidades no litoral da Patagônia e na Terra do Fogo mereceriam admiração. Como o mar estava ruim e o frio abominável, o autor permanecia na sua cabina, lendo e brincando com um macaquinho. Comparava o calor que sofrera em Luanda com o frio e a falta de luz da América austral. Após três semanas, não tinha havido avanço na rota. A dificuldade de se orientar com o sol encoberto e o cronômetro defeituoso aumentavam as angústias de viajantes e do capitão. "Nous louvoyions au milieu de l'hiver sur une mer enragée, essayant en vain de franchir le méridien du cap Horn. Les vents et les courants rapides nous avaient conduits près du cercle polaire antarctique, à travers d'immenses bancs de glace". (pág. 101) Nessas circunstâncias, aproximou-se um navio inglês, do qual se esperava obter orientações, dirigido por um antigo amigo do capitão. A nave, Régent, que partira de Londres, com escala em Montevideo, dirigia-se com centenas de emigrantes a Hobart-Town. Dentre os imigantes, o autor encontrou uma jovem de seus vinte anos, de grande beleza, porém manifestando sinais de penúria e melancolia. Segundo parcas informações recebidas no ato de embarque, em Londres, ela seria vítima do amor. O seu nome era Mary e nascera em Leith, na Escócia, Por motivos de pobreza, os amantes resolveram adiar o seu casamento até que o noivo tivesse conseguido alguma fortuna em viagens marítimas. Infelizmente, numa das viagens, o seu navio naufragou em Madagascar. Totalmente indiferente a seu destino, Mary nem dera atenção à tempestade que acolhera os viajantes à altura das ilhas Falkland. "Des lames monstrueuses balayaient le navire, le couchaient sur le flanc à noyer le bout des vergues, et menaçaient de l'englutir. Matelots et passagers remplissaient l'air de lamentations: les uns couraient égarés sur le pont et s'arrachaient les cheveux; les autres, s'affaissant à genoux, conjuraient le ciel de les épargner." (pág. 108) A infeliz chorava quando os marinheiros britânicos entoavam baladas, sobretudo uma, a "La Jeune Fille de Glasgow" (The Maid of Glasgow). A música era tão dolente quanto a poesia. Dabadie teve a ocasião de ouvir essa balada após um jantar. Tendo escutado peças tais como "Le viel escalier de Wapping", "Buche de Noel", "Batteur en grange" e uma série de refrains da tradição britânica, ouviu a balada referida entoada por um coro formado por emigrantes, podendo observar a reação de Mary. "Depuis une demi-heure, nos virtuoses ébranlaient l'atmosphère de leurs accents vigoureux, et Mary, comme pétrifiée, n'avait pas bougé. Tout à coup elle se redressa, jeta un regard désolé sur les chanteurs, et murmura convulsivement des mots (...) Une rougeur subite, symptôme d'une violente émotion, chassa de ses joues la mortelle pâleur qui les couvrait naguère. Je me suvins alors de ce que m'avait dit le lieutenant: on entamait l Fille de Glasgow, une des plus touchantes élégies qu'il y ait en langue anglaise". (pág. 109)
La Fille de Glasgow Les yeux noyés de larmes, la poitrine gonflée de sanglots, le regard avide, elle était debout sur une âpre roche marine et s'inclinait sans frémir sur les vagues mugissantes, la belle fille de Glasgow! Souffle doucement, souffle doucement, ô fraîche brise! sécria-t-elle; souffle doucement, et apaise la mer en courroux; sois propice à l'amour, remplis toutes les voiles et ramène-moi mon Jamie sain et sauf. Bientôt, se jouant sur la lame écumante, apparurent deux cygnes magnifiques. Ils chantaient d'une voix plaintive le chant funèbre des marins anglais en voyage: Venez, oiseaux charmants, venez. Par vos blanches poitrines et vos pieds noirs, dites-moi la vérité: avez-vous vu mon adoré, le jeune homme intrépide qui rarement quitte le bord? Ah! belle enfant, victime de l'amour, retenez vos larmes; car à quoi sert de pleurer? Votre Jamie dort, non loin du Portugal, dans le sein glacé de l'Océan! Sombre était la nuit, caché l'écueil, et rapide, rapide marchait le courant! Le matin mit en fuite les ténèbres; la douce Jenny s'éveilla, et remercia le sort de ce que son malheur n'était qu'un rêve. Soudain retentit le cor du facteur de la poste. A ce signal désiré, que depuis longtemps elle attendait avec impatience, Jenny s'élança, et, d'un oeil fiévreux, parcourut à la hâte la lettre qu'on venait de lui remettre. Mais bientôt elle la laissa glisser à terre, son visage se couvrit d'une pâleur livide, et elle s'écria d'une voix étranglée: Mon songe est vrai! Inutile vie, adieu! Puis son coeur se brisa, et elle tomba morte! Nessa balada, uma enamorada, à beira do mar, espera o seu amante, quando recebe a notícia, por magníficos cisnes em sonhos, de que o seu amado se encontra morto no fundo do mar, não distante de Portugal. Quando esse sonho é confirmado por carta, a moça falece. Ao ouvir essa balada, também Mary desfalece. O autor, voltando para a sua nave, traz do Régent uma tristeza pesada, indefinível que o acompanha uma semana inteira. Ao dormir e nos crepúsculos de seus sonhos noturnos parecia-lhe ouvir o grito horrível e ver se contrair a face de Mary.
La Fille de Glasgow Les yeux noyés de larmes, la poitrine gonflée de sanglots, le regard avide, elle était debout sur une âpre roche marine et s'inclinait sans frémir sur les vagues mugissantes, la belle fille de Glasgow! Souffle doucement, souffle doucement, ô fraîche brise! sécria-t-elle; souffle doucement, et apaise la mer en courroux; sois propice à l'amour, remplis toutes les voiles et ramène-moi mon Jamie sain et sauf. Bientôt, se jouant sur la lame écumante, apparurent deux cygnes magnifiques. Ils chantaient d'une voix plaintive le chant funèbre des marins anglais en voyage: Venez, oiseaux charmants, venez. Par vos blanches poitrines et vos pieds noirs, dites-moi la vérité: avez-vous vu mon adoré, le jeune homme intrépide qui rarement quitte le bord?
Ah! belle enfant, victime de l'amour, retenez vos larmes; car à quoi sert de pleurer? Votre Jamie dort, non loin du Portugal, dans le sein glacé de l'Océan! Sombre était la nuit, caché l'écueil, et rapide, rapide marchait le courant! Le matin mit en fuite les ténèbres; la douce Jenny s'éveilla, et remercia le sort de ce que son malheur n'était qu'un rêve.
Soudain retentit le cor du facteur de la poste. A ce signal désiré, que depuis longtemps elle attendait avec impatience, Jenny s'élança, et, d'un oeil fiévreux, parcourut à la hâte la lettre qu'on venait de lui remettre. Mais bientôt elle la laissa glisser à terre, son visage se couvrit d'une pâleur livide, et elle s'écria d'une voix étranglée: Mon songe est vrai! Inutile vie, adieu! Puis son coeur se brisa, et elle tomba morte!
O texto sobre o Cap Horn de Dabadie pode ser considerado como um dos mais expressivos exemplos de literatura romântica relacionada com regiões sulamericanas e com a imigração. Escrito por um francês em nave britânica, o autor foi capaz de observar à maior distância costumes diferentes dos seus na vida de marinheiros e de emigrantes, fixando detalhes e, sobretudo recriando atmosferas. O seu relato, portanto, é uma página significativa para os estudos culturais da emigração e do universo britânico na América austral. Ao invés de descrever prosaicamente a influência das condições naturais de tempo e do mar ao redor do Cabo de Hornos no estado psíquico dos navegantes e dos migrantes, procurou recriar essa situação de mente e de alma através de episódios trágicos de separação de amantes, na realidade e na lenda. O Cabo de Hornos entrou, assim, na literatura romântica pelo caminho de uma balada inglêsa. Singular, porém, é que essa balada contém referências a Portugal, representando um exemplo dos elos que unem literariamente estados de espírito lusitanos e britânicos, como já considerados em número anterior desta revista.http://www.revista.brasil-europa.eu/108/Almeida-Carvalhais.htm
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).