Doc. N° 2302
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
112 - 2008/2
Resenha
Ruy Farías (Compilación), Buenos Aires Gallega: Inmigración, pasado y presente. Buenos Aires: Comisión para la Preservación del Patrimonio Cultural de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2007 [Temas de patrimonio cultural n° 20]. 512 p.; 23x16cm ISBN 978-987-23708-4-8
A.A.Bispo
Como é esclarecido nas palavras de abertura da Secretária Geral da Comissão para a Preservação do Patrimônio Histórico Cultural da Cidade de Buenos Aires, Lic. Leticia Maronese, este volume, da coleção "Temas de Patrimônio Cultural", reune textos apresentados por ocasião de jornadas sobre o tema "Buenos Aires Gallega. Inmigración, pasado y presente". Esse evento foi idealizado por Luis Cortese, membro da Academia de História da Cidade de Buenos Aires (a partir de sugestão de Xosé Manoel Núñez Seixas), e realizou-se na Manzana de las Luces, Buenos Aires, de 14 a 16 de agosto de 2006). Cada um dos dias das jornadas contou com uma atividade relacionada com a cultura galega atual: a apresentação do livro Los gallegos y Buenos Aires, de Antonio Pérez Prado, a atuação da cantora Graciela Pereira e do conjunto musical da Fundación Xeito Novo e, no último dia, da Orquesta de Cámara Galega sob a direção de Rogelio Groba. A celebração das Jornadas "Buenos Aires gallega" e a publicação do livro coincidiramm com o primeiro centenário do Centro Gallego de Buenos Aires. Anteriormente, duas jornadas haviam sido realizadas sobre a herança africana, sendo as contribuições publicadas em volume de título Buenos Aires Negra. Também já se havia estudado e debatido o patrimônio cigano, o que levou à publicação de dois livros e do "Buenos Aires Idish", também documentado em duas publicações. Por essa razão, Leticia Maronese duvidara a princípio da conveniência do tratamento de mais um tema relativo à "grande imigração" do passado, sendo da opinião que se deveria dirigir a atenção a coletividades de maior expressão na realidade atual. Convencida por Luis Cortese e Liliana Barela, diretora do Instituto Histórico da Cidade de Buenos Aires, salienta que realizou uma experiência gratificante de exercício de memória, uma vez que ela própria descende de galegos pelo lado materno. (pág. 15-17) A coletânea, após palavras de apresentação e introdução, respectivamente de Liliana Barela, Leticia Maronese e Ruy Farías, compreende 9 capítulos:
I. A imigração galega em Buenos Aires no contexto da imigração européia de massas II. Entre changadores e empresários: A inserção sócio-profissional dos galegos em Buenos Aires III. A coletividade galega de Buenos Aires: Passado e presente IV. De vindas de vivos a emigrantes: As mulheres galegas em Buenos Aires V. Os imigrantes galegos no imaginário social e literário portenho VI. Imaginar Galícia a partir do Rio de la Plata VII. A cultura galega em Buenos Aires: Passado e presente VIII. Os galegos na cultura argentina: Perfís IX. Discriminação e migrações, ontem e hoje
A diretora geral do Instituto Histórico da Cidade de Buenos Aires, Lic. Liliana Barela, abre a publicação lembrando que a Argentina é um país de imigração. Hoje, o mapa de migrações mundiais surge como uma densa rêde multidirecional e complexa. Todas as grandes cidades constituem enormes babéis multiculturais e linguísticas. Para Buenos Aires, entretanto, a presença da imigração é muito mais do que um episódio passageiro, é um fenômeno constitutivo da sua sociedade. (págs. 11-13) Buenos Aires foise construindo a si mesma imersa numa contradição, premida por um lado pela necessidade de povoamento, e confrontada por outro lado com o contínuo impacto psicológico, social e cultural que produzia a presença em massa de imigrantes. A cidade, que os chamava, os estigmatizava. Finalmente, os integrou, incorporando as marcas das suas culturas como parte de sua própria identidade. A identidade de Buenos Aires traz o cunho dessas marcas da presença de culturas vivas. Elas se conservam em parte, mas não permaneceram iguais, reconstruindo-se e resignificando-se historicamente. Por essa razão, resolveu-se comemorar o bicentenário da Revolução de Mayo em Buenos Aires começando por conhecer esses aportes de imigrantes. Após ter-se considerado os judeus, dirigiu-se a atenção aos galegos, devendo-se seguir os irlandeses. Até 2010, quando se realizará um Congresso Internacional das Migrações pelo Primeiro e Segundo Centenário,a maior parte das comunidades poderá ter sido considerada.
Os galegos constituem um dos aportes populacionais e culturais mais fortes que sociedade argentina recebeu. Estiveram presentes desde a colonização e formaram talvez a maior parte de uma das duas vertentes migratórias da Argentina no século XX. Paradoxalmente, nos registros oficiais, permaneceram subsumidos na nacionalidade espanhola. Por outro lado, a cultura popular passou a denominar galego a todo o espanhol. Houve galegos nas expedições de Magalhães e de Elcano. Galegos estiveram entre os missionários em Tucumán, ocuparam postos em Audiencias e governanças, fundando linhagens. Tentaram colonizar a Patagônia, em 1778. Galegos são ascendentes de personalidades históricas tais como Alsina, Blanco Encalada, Monteagudo e Rivadavia. Na segunda metade do século XIX, os destinos privilegiados para os emigrantes galegos eram Cuba e Argentina (ao lado de Venezuela e Uruguai). Após a guerra colonial em Cuba, a Argentina passou a ocupar o primeiro lugar. (loc. cit)
Como é bem salientado por Liliana Barela, considerar as origens imigratórias da sociedade através de uma das comunidades que maior pêso teve na sua constituição cultural pode servir não apenas para recuperar e reconhecer os aportes específicos. Serve também para repensar a condição geral do imigrante em todas as culturas e todas as épocas, criando novas perspectivas frente às comunidades de imigrantes da atualidade.
A Introdução, de Ruy Farías, salienta, já no seu título, que Buenos Aires é a maior cidade galega do mundo. De acordo com as estatísticas, eram galegos mais de 17% de todos os migrantes europeus chegados ao país entre 1857 e 1930. Nesse período, ingressaram 2.070.874 espanhóis, dos quais a metade teria permanecido definitivamente. 55% desses espanhóis eram, na verdade, da Galicia. Entre 1946 e 1960, uma nova onda migratória trouxe à Argentina elevado número de galegos. Ainda que dos 600.00 galegos da Argentina muitos se encontram em outras regiões, percebe-se uma tendência à concentração nas zonas urbanas do litoral pampeano, em particular em Buenos Aires. Como é salientado, poder-se-ia dizer que a comunidade galega representaria uma coletividade étnica sem Estado, porém dotada de identidade própria e de cultura diferenciada. Já há anos. X. M. Núñez Seixas (La Galicia Austral: La inmigración gallega en Buenos Aires, Buenos Aires 2001, 13) advertia que as imagens estereotipadas do que os galegos foram e são em Buenos Aires obscurecem a rica e complexa diversidade de sua ação nos diversos âmbitos da sociedade argentina. (págs. 19-21)
A publicação inclui os seguintes textos:
I Xosé M. Nuñez Seixas (USC/Arquivo da Emigración Galega): Un panorama social de la inmigración gallega en Buenos Aires, 1750-1930) Nadia De Cristóforis (UBA/CONICET): Argentina como destino de la emigración gallega luego de la Segunda Guerra Mundial
II Andrea Reguera (UNCPBA/CONICET): Un clan gallego: la familia Santamarina y sus negocios Ruy Farias (USC/UBA/Museu Roca-Instituto de Investigaciones Históricas): Peones, obreros y jornaleras: Patrones de asentamiento e inserción socio-profesional de los gallegos en Avellaneda y Lanús, 1890-1930 Jesús Mira: Mis ancestros, amigos, vecinos, sindicalistas y vinculaciones gallegas III Alejandro Fernández (Universidad de Luján): Los inmigrantes gallegos y el asociacionismo español de Buenos Aires Hernán M. Diaz (MEGA): Aproximación a la historia de la Federación de Sociedades Gallegas Gastón Santos Juan (Sociedade Galega de Arantei, Vilamarim e A Peroxa): La pervivencia organizada de la colectividad gallega en la Argentina y la juventud IV Pilar Cagiao Vila (USC/Arquivo da Emigración Galega): La experiencia argentina de las mujeres gallegas María Rosa Iglesias López: Con las raíces al aire: la experiencia de las emigrantes gallegas a través de nueve protagonistas Patricia I. Alonso et al. (Asociación Herbas de Prata): Herbas de Prata, galegas na sombra
V Maria Rosa Lojo (Universidad del Salvador/CONICET): Los gallegos en la literatura argentina. Autobiografias y memorias Marina L. Guidotti de Sánchez (Universidad del Salvador): Alma gallega en un país Centenario
VI Marcelo Garabedian (UBA/Museu Roca-Instituto de Investigaciones Históricas): Galicia y los gallegos desde El Correo Español de Buenos Aires Ramón Villares (Consello da Cultura Galega): Un mecenato porteño para a cultura galega: A Historia de Galiza de Otero Pedrayo Hugo Biagini (CONICET/Universidad Nacional de Lanús/Academia Nacional de Ciencias de Buenos Aires): Rehaciendo la América: Castelao en Buenos Aires VII Andrea Cobas (UBA/CONICET): Os Xogos Froraes do Idioma Galego: literatura de Galicia en Buenos Aires Carlos Fernández (Fundación Xeito Novo): Reinventar la música gallega en Buenos Aires: la experiencia de Xeito Novo Débora Campos Vásquez (UBA/Lectores en Bos Aires): Los blogs como espacio de construcción de una identidad gallega en la diáspora: tres blogs hechos desde Buenos Aires Carlos Xavier Rodríguez Brandeiro (Colegio Argentino-Ballego Santiago Apóstol): La transmisión de la cultura gallega a los nietos de la diáspora: experiencias desde Buenos Aires Adolfo José Lozano Bravo (Universidad de Belgrano): La transmisión de la Cultura gallega en el ámbito educativo
VIII Mariela Tilve Rouco (Fundación Xeito Novo de cultura Gallega): La Galicia Emigrante de Luis Seoane Silvia Dolinko (UBA): Desde la Torre de Hércules, contra la Torre de Marfil: la actividad gráfica de Luis Seoane en Buenos Aires IX Rodolfo Alonso: Inmigración gallega y cultura argentina. Un enfoque (auto)crítico Roberto Benencia (UBA/CONICET): Discriminación hoy: los inmigrantes bolivianos
Dentre os muitos aspectos tratados, de alto interesse para estudos comparativos da imigraçãogalega no Brasil e na Argentina, cumpre salientar aqueles considerados por Rodolfo Alonso no seu enfoque (ato)crítico de título "Imigração galega e cultura argentina" (págs. 413-431). Aqui, o seu autor trata de questões de premente atualidade no debate teórico-cultural, em particular relacionadas com a integração e identidade. No ítem caracterizado pela questão "Cómo ser argentino?", o autor salienta que habitualmente, no tratamento de questões de imigração em países povoados por estrangeiros o enfoque é feito a partir do ponto de vista dos estrangeiros, diga-se dos pais, dos que vieram de outros países e tiveram que sofrer o desraizamento. Muitas poucas vezes, ao contrário, ter-se-ia considerado a outra parte da questão, ou seja, como enfrentaram essa situação os primeiros filhos dos estrangeiros nos seus locais de nascimento. Aqui haveria também um problema de raízes, pois viveriam em dois mundo, um desraizamento ue poderia ser considerado como ontológico. Esse problema seria individual, pessoal, íntimo, mas também se manifestaria em atitudes sociais, em comportamentos coletivos. Na Argentina, por exemplo, a primeira geração de filhos de imigrantes foi também aquela geração de compadritos e de nacionalistas. A negação da própria origem no esforço de adaptação às circunstâncias levaram à afirmação ultrapatriota, senão "patriotera". A identidade dos argentinos, a identidade cultural, social, estaria segundo o autor inexoravelmente entrelaçada com o problema de imigração. E aqui o autor passa à dimensão que transcende o contexto argentino e que diz respeito também ao Brasil:
"Es bien sabido que en el mundo hay claros ejemplos al respecto. dos de las identidades nacionales más características del planeta son dos enormes patrias creadas por la inmigración, cuando no por el mestizaje. El melting pot norteamericano y el 'paraíso racial' brasileño (más allá de sus proprias contradicciones, tantas veces harto dolorosas) no necesitan declamar su identidad nacional, la tienen, bien viva y en ejercicio." (pág. 420)
O autor não acredita, assim, que o amor à pátria, que o nacionalismo seja forte quando o conquistador se impõe e é xenófobo. Pelo contrário, acredita antes nas tendências xenófilas, para o bem de todos. Uma identidade cultural, social, nacional, comunitária seria forte quando é capaz de conviver livremente com as outras sem perder a própria, enriquecendo-se. "Creo que esa es la gran fortuna que aportaron los inmigrantes a La Argentina: debemos asumirmos como lo que somos, un país mestizo, incluso geográficamente." (pág. 420-421)
Nas suas palavras de encerramento, Luis O. Cortese salienta a importância dos trabalhos apresentados na jornada. Com esse evento, a Academia de História da Cidade de Buenos Aires iniciou a sua colaboração com atividades que se realizam com o passado, o presente e o futuro portenho. O amplo espectro temático inseriu a coletividade galega no contexto da imigração européia de massas do período de 1880 a 1930; as migrações posteriores, a sua inserção sócioprofissional; sua relação com a cultura portenha em particular e argentina em geral; passado, presente e futuro na vida quotidiana em Buenos aires; os sofrimentos relacionados com a discriminação; o exílio intelectual derivado da guerra civil de 1936 e uma análise da problemática relacionada com a mulher, entre vários outros aspectos. "Integrados a la comunidad argentina, en una permanente operatoria de suma, división, multiplicación y resta, el aporte de los gallegos resultó conjugado - en el devenir de los años -, con los aportes provenientes de otraas colectividades, junto a las cuales se enfrentaron a muchos de sus mismos problemas y contribuyeron, en suma, a la conformación de nuestros hombres y mujeres, a la identidad port^ña y en consecuencia, a la de nuestro país." (pág. 441-442)
Essa publicação merece ser considerada juntamente com obra dedicada aos galegos no Brasil recentemente publicada (veja resenha nesta revista). Diferentemente do caráter monográfico da publicação brasileira, tem-se aqui uma coletânea de textos que documenta as diversas possibilidades de enfoques e de estudos dos processos relacionados com a imigração. Ambos os livros oferecem, assim, subsídios para um tratamento do tema sob a perspectiva integrativa do Mercosul.