Doc. N° 2285
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
111 - 2008/1
Tema em debate
Índia - Europa - Brasil Tarefas e perspectivas para estudos interculturais
Pelos 200 anos da Carta Régia de abertura dos portos do Brasil às nações amigas
Reflexões em salas do Palácio do Catete, Rio de Janeiro e em Jaipur, Índia, 2007
A.A.Bispo
3 primeiras fotos: Palácio do Catete, Rio de Janeiro. Outras imagens: Jaipur/Rajasthan, Índia. Trabalhos da A.B.E. 2007 Fotos de A.A.Bispo "O apoio dado pela esquadra inglesa a Portugal, para que a sede do reino pudesse deslocar-se para a América e ficar, assim, livre da pesada manopla francesa, obrigava a Coroa a abandonar essa inconsistente política internacional de acomodações, para seguir uma diretriz clara e bem determinada de apoio incondicional à política inglesa. E a gratidão do soberano faria o resto, para melhor satisfazer o leão britânico. Assim foi que, desembarcando na Bahia de Todos os santos a 24 de janeiro de 1808, já a 28 abriu os portos do Reino ao comércio de todas as nações amigas, primeiro ato de represália contra o Imperador da França. Concedia, assim, um privilégio à Inglaterra, na época a única potência da Europa capaz de manter e proteger uma possante marinha mercante". (História Geral da Civilização Brasileira II: O Brasil Monárquico 1: O Progresso de Emancipação, sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda, 4a. ed. São Paulo-Rio de Janeiro 1976, 101)
Atualidade de estudos indo-euro-brasileiros
O crescente significado dos países do Oriente, em particular da China e da Índia na economia e na política globais, no desenvolvimento técnico-industrial e nos desígnios da Humanidade e do meio ambiente não pode deixar de ser considerado nas reflexões científico-culturais. Não apenas a presença mais intensa de artistas, autores, obras, publicações, filmes e da música das respectivas nações em eventos internacionais, exposições, festivais e na mídia impõe uma renovada atenção a desenvolvimentos de países até hoje considerados antes sob a perspectiva do exótico. Um novo diálogo se faz necessário, no qual as expressões culturais dos universos emergentes e seus protagonistas não surjam apenas como objetos de estudo, mas sim como fatores e agentes co-atuantes na análise, na procura e no estabelecimento de concepções e de propostas à altura dos novos desafios.
Nessa nova situação, cabe ao Brasil um papel relevante e especial. Também êle surge como potência que, pelas suas dimensões e desenvolvimento demonstra a transformação profunda de estruturas globais e novas rotas para o futuro. Assim, cada vez mais o Brasil é lembrado ao lado de países como a China e a Índia em análises, prospectivas e constituição de organizações. Ao mesmo tempo, porém, devido às circunstâncias de seu vir-a-ser histórico, o Brasil possui uma posição distinta com relação ao Ocidente, contando com outros pressupostos histórico-culturais. Embora ligados à Europa por uma mesma massa de terra, e não separados por um oceano, como no caso do Brasil, embora contando com elos que levam à mais remota Antiguidade, os países do Oriente se definem antes em contraposição ao Ocidente.
A expansão européia da era moderna não encontrou ali, na época dos Descobrimentos, condições que permitissem a integração tão profunda de imensas regiões no universo cristão-ocidental como nas Américas. Por demais poderosas e complexas foram as situações sócio-políticas e culturais encontradas. Com exceção de feitorias e estabelecimento de núcleos e focos de expansão já no século XVI, a história colonial da Europa no Oriente apresenta características fundamentalmente distintas daquela da América. Ela não teve a força para modificar a identidade religioso-cultural das populações e marcar as organizações sociais resultantes de modo a integrá-las numa linha de desenvolvimento histórico ocidental como no Novo Mundo.
A história de países latino-americanos é iniciada em geral com o descobrimento e a colonização, o passado indígena surge como um Antigo Mundo, alvo de estudos arqueológicos, de arqueologia do saber ou de tentativas de reconstruções etno-históricas. Lamentável, sem dúvida, essa destruição ou submersão de universos do passado mais remoto americano, questionável o posicionamento das culturas indígenas no âmbito da etnologia e não da história dos países da América, singular a pouca problematização de uma consciência histórica que de tal forma une as nações americanas à história da Europa que as linhas de continuidade se sobrepõem àquelas de discontinuidade.
A história anterior ao "Descobrimento" de um país como o Brasil não é inserida numa continuidade histórica, diga-se, dos Tupinambás, mas sim na da Idade Média européia. O mesmo, porém, não acontece na China ou na Índia. Aqui a consciência histórica é enraizada em desenvolvimentos seculares - milenares - regionais, os vultos, as obras do passado, as concepções religiosas e as tradições do passado anteriores à chegada dos europeus na era da expansão continuam a ser os fatores determinantes de contextos identificatórios. O passado da China ou da Índia não é a Idade Média européia. O relacionamento com a Europa surge sob outras perspectivas, não de "Descobrimento", de missionização e colonização, mas sim de intervenção externa e de influenciação religioso-cultural, antes de história do imperialismo do que de história colonial. A ocidentalização gigantesca surge como processo muito mais recente, eclodido em algumas regiões em meados do século XIX, inserindo-se assim a contextos histórico-ocidentais totalmente diversos daqueles dos séculos XV e XVI.
O novo significado de países tais como a China, a Índia e o Brasil na atualidade exige uma aproximação cultural, um diálogo mais profundo não apenas com a Europa e com os EUA, mas também e sobretudo entre si.
Ao Brasil, pelos vínculos particularmente estreitos de sua formação cultural com o Ocidente- fala uma língua européia - cabe um papel por assim dizer transcendente de si nesse diálogo. Esse papel, porém, apenas pode ser desempenhado se a focalização do Outro não continuar a ser marcada exclusivamente pela perspectiva do passado colonial europeu.
Não apenas a procura de elos históricos e culturais entre as antigas possessões portuguesas no Oriente e o Brasil, a procura de traços comuns das tradições populares cristãs e de suas expressões secularizadas nas várias latitudes, da permanência e das diferenças do português falado nas diferentes regiões do globo, o estudo de processos similares no desenvolvimento histórico-cultural através dos séculos e da difusão atual de expressões culturais e correntes musicais brasileiras e lusas nessa esfera impregnada do passado português podem fundamentar um diálogo amplo sob as circunstâncias atuais. Necessário se torna um maior conhecimento de contextos que determinam outras focalizações do vir-a-ser histórico, um esforço empático de visão e de visualizacões a partir de outras perspectivas e, no caso da Índia, não apenas o desejo de aprofundar os conhecimentos quanto à cultura por assim dizer irmã da antiga "Índia Portuguesa". Como necessário surge uma ânsia de compreensão de um passado milenar daquela Índia "não-portuguesa" e que leva aos fundamentos de processos culturais que dizem respeito às próprias bases do Ocidente.
Tanto a China quanto a Índia já foram consideradas em vários trabalhos e eventos da A.B.E. Em publicações, simpósios e viagens de estudo foram tratados diferentes aspectos das relações com a Europa e com o Brasil. Esses trabalhos foram então dedicados sobretudo a complexos euro-orientais de Goa, Damão, Diu e Baçaim na Índia e a Macau/Hongkong na China. Dando continuidade a esses esforços empreendidos mais intensamente desde meados da década de 80, realizou-se, em dezembro de 2007, uma viagem de estudos e de estabelecimento de contatos à Índia. Nessa iniciativa, porém, as atenções foram dirigidas a universos que exigem mais intensamente o esforço do observador brasileiro e europeu em posicionar-se em contextos culturais que lhe surgem como estranhos, não procurando sobretudo elos históricos diretos, traços culturais comuns imediatos, mas sim, de forma menos evidente e em nível mais profundo, estruturas e processos que permitam uma visão distanciada da própria cultura e o alcance de uma maior acuidade na percepção de mecanismos culturais e de edifícios conceituais.
A presente edição da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira oferece alguns relatos das reflexões encetadas.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).