Doc. N° 2262
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
110 - 2007/6
Tema em debate
Propaganda, informação e intercâmbio científico-cultural Interferências entre a História Política, a História da Diplomacia Cultural e a História de Processos Culturais 65 anos do lançamento da revista Atlântico
Trabalhos da A.B.E. paralelos ao Seminário "Pesquisa da Cultura Musical e Política", novembro-dezembro 2007
A.A.Bispo
Os estudos teóricos de processos interculturais, - compreendendo também estudos culturais das relações internacionais -, necessitam considerar com especial cuidado documentos da história política e diplomática que dizem respeito à difusão, ao fomento e ao intercâmbio cultural nas suas perspectivações multilaterais.
Ao lado do estudo de fontes relativas a contatos não-governamentais, tais como relatos de viagens, memórias, acervos de museus e arquivos particulares a documentação referente à história política e diplomática representa importante conjunto de fontes a ser analisado sob ums perspectiva científico-cultural mais abrangente. A essa história pertencem não apenas documentos especificamente oficiais mas sim todos aqueles que testemunham o vir-a-ser, a concretização e as conseqüências de iniciativas, acordos e programas.
Deve-se aqui considerar obras científicas e culturais que foram divulgadas e promovidas por tais iniciativas, assegurando-lhes prestígio na sua época e presença na literatura específica. A análise do papel exercido pelas ações políticas e diplomáticas surge aqui como de relevância para o estudo da recepção de idéias e estilos, da criação de imagens e, sobretudo, da valorização de nomes e de determinadas correntes culturais e artísticas em publicações divulgadas no país e no Exterior. Não se pode esquecer que vários diplomatas se sobressaíram como escritores e autores de livros dedicados a temas culturais; devido às facilidades decorrentes da posição de seus autores, muitas dessas obras puderam alcançar traduções em vários idiomas e obter, assim, larga divulgação.
Deve-se considerar, também, obras e correntes de pensamento que influenciaram o surgimento de iniciativas, oferecendo os pressupostos teórico-conceituais para avaliações e escolha dos nomes e das expressões culturais a serem fomentados e divulgados, ou seja, da própria política a ser seguida na ação político-internacional e de representação.
Os estudos histórico-culturais conduzidos nessa perspectiva oferecem materiais e até mesmo pressupostos para análises de acontecimentos e processos histórico-políticos. A história das idéias e das imagens é que abre aqui caminhos para análises de edifícios ideológicos, de conceituações programáticas de govêrnos, partidos e de seus representantes.
Há, portanto, mútuas interferências entre esferas que são objetos de pesquisa de politólogos e culturólogos. Não apenas ações de políticos e diplomatas, programas de Govêrno e de organizações e institutos subvencionados determinaram, controlaram, influenciaram e influenciam desenvolvimentos culturais. Foram personalidades e obras da história do pensamento, da filosofia, da ciência, da literatura e das artes que forneceram bases conceituais, diretrizes, rumos e imagens condutoras para posicionamentos e ações político-culturais.
A questão do intercâmbio científico e cultural, portanto, -parte dos estudos de processos culturais-, pode ser tratada sob diferentes perspectivas disciplinares. O que não deveria acontecer é ser ela considerada como independente de desenvolvimentos histórico-políticos. O intercâmbio científico e cultural foi no passado - e o é ainda em grande parte no presente - promovido e orientado por instâncias governamentais, por instituições de difusão cultural das diversas nações no Exterior, mais ou menos dependentes de situações políticas, por fundações de influência partidária e por organizações e órgãos não-governamentais de orientação política. O estudo de processos de difusão cultural necessita considerar essa dimensão política dos intercâmbios para poder aprofundar as suas próprias análises e eventualmente ganhar novos critérios para a atualização refletida e a revisão de imagens criadas.
Que processos de difusão cultural não foram apenas êles próprios difusos, mas direcionados, refletidos e fundamentados conceitualmente isso se manifesta no uso do termo Propaganda em diferentes épocas da história. Para a América Latina, não se pode esquecer que a sua história cultural foi grandemente marcada pela instituição da Propaganda Fide, em Roma, em 1622, centralizando e reorientando processos de transformação religioso-cultural já colocados em ação por missionários de diferentes ordens e ações de Padroados ibéricos. Foi, porém, sobretudo no século XX que o termo Propaganda surge explicitamente na sua dimensão política como designação de Departamentos e Serviços governamentais, em geral de regimes autoritários e ditatoriais.
Os conceitos de Propaganda e de Informação foram utilizados como termos interrelacionados ou complementares. Sobretudo o estudo da propagação de obras de cunho nacionalista e a criação de imagens culturais das diferentes nações a partir dessas obras necessita considerar a ação propagandística ampla de govêrnos nessa fase da história política para que não sejam perpetuadas irrefletidamente avaliações, panoramas e eventualmente injustiças históricas.
Essa análise histórico-cultural demonstra, porém, que a própria Propaganda não nasceu do nada, tendo sido preparada e fundamentada por correntes da literatura e das artes e, sobretudo, por desenvolvimentos do pensamento científico. Há poucas épocas na história das idéias que manifesta tão expressivamente o significado do pensamento científico para a justificação de rumos e iniciativas políticas.
Se o Positivismo, assimilado da França, representou a base conceitual para a propaganda republicana e a instauração do regime republicano no Brasil em fins do século XIX, os anos de 30 foram marcados por edifícios conceituais construidos sobre bases científicas ou pseudo-científicas de cunho biológico-antropológico. Pela gravidade das conseqüências dessas construções teóricas pode-se dizer que há poucas épocas na história que demonstra de forma mais evidente a necessidade do estudo das interações entre as ciências, a cultura e a política em contextos internacionais do que aquela que compreende as décadas de 30 e 40. Esse estudo, porém, não pode ser efetuado adequadamente sem a consideração das rêdes de pensadores e protagonistas envolvidas, ou seja dos produtores, organizadores, promotores e concretizadores de idéias.
Por essa razão, a Academia Brasil-Europa, que se dedica de forma explícita e pioneira ao estudo da ciência da cultura nas suas relações com a ciência das ciências (science of science) em contextos internacionais promoveu uma série de estudos e debates relacionados com questões das interações entre a Pesquisa Cultural e a Política. Um seminário universitário explicitamente dedicado a esse tema foi iniciado em outubro de 2007. Um dos complexos tratados nesse seminário diz respeito ao problema das relações entre a Propaganda e o Intercâmbio Cultural. A presente edição oferece relatos de alguns desses trabalhos.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).