Doc. N° 2274
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110 - 2007/6
Tópicos multilaterais Alemanha-Brasil
Ciência e Política: O "espírito nacional" na Ciência Estudo de caso: "ciência alemã" dos anos 30 e 40
Trabalhos da A.B.E.. Estudos paralelos ao Seminário "Pesquisa da Cultura e Política", 2007
A.A.Bispo
A questão da qualificação nacional de áreas de estudos e de ramos disciplinares já foi tratada em vários eventos realizados sob a orientação da A.B.E. e de institutos com ela relacionados. Assim, durante o Congresso de 1992, realizado no Rio de Janeiro por ocasião dos 500 anos do Descobrimento da América (veja relatos em outras páginas deste site), retomou-se criticamente a discussão da época de 30 e 40 quanto ao uso de expressões tais como "cultura brasileira", "música brasileira", "arte brasileira", "história da música brasileira", "musicologia brasileira", "folclore brasileiro", diferenciando-as quanto a seus significados e conotações. Essa discussão foi prosseguida em trabalhos da A.B.E. voltados a questões de identidade cultural e de concepções essencialistas na cultura. No âmbito dos trabalhos preparatórios e paralelos do Seminário "Pesquisa da Cultura e Política", as atenções se voltaram novamente aos aspectos políticos de adjetivações manifestadoras de nacionalidade em denominações de áreas do conhecimento e de disciplinas. Procurou-se ampliar agora a discussão incluindo o uso dessas expressões em outros países e contextos culturais. Como estudo comparativo de caso, escolheu-se o uso do termo "ciência alemã" na literatura dos anos trinta e quarenta, atentando-se às justificativas ideológicas do seu emprêgo, de suas conotações e suas conseqüências.
Academia alemã e ciência de espírito alemão
A Academia Alemã definia-se com um duplo escopo: era uma Academia para a pesquisa científica e para o cultivo do Deutschtum. Na época da Segunda Guerra Mundial, encontrava-se sob a presidência de Ludwig Siebert, Ministro-Presidente da Baviera. O órgão informativo da Academia denominava-se "Cultura Alemã na Vida dos Povos". Essa publicação era dirigida redacionalmente pelo docente Dr. phil. Gustav Fochler-Hauke (Troppau 1906-1996). Fochler-Hauke, geógrafo, foi autor de várias obras sobre diferentes culturas e povos, muitas delas até hoje divulgadas. No segundo caderno do 16 ano de publicação do órgão da Academia, editado em 1941, divulgou um artigo de base, de título "Ciência de Espírito Alemão" (G. Fochler-Hauke, Wissenschft aus deutschem Geiste, Deutsche Kultur im Leben der Völker XVI/2 (München, September 1941), 314-)
Pontos de partida justificáveis e deturpações ideológicas
Fochler-Hauke inicia o seu texto com a importante constatação de que o estudioso já não se deveria contentar com o traçado de panoramas da situação de determinadas disciplinas. Dever-se-ia exigir no ensino científico e nas escolas a revelação do vir-a-ser histórico das Ciências da Natureza e das Ciências Humanas. Assim como já não se aceitaria uma ciência sem pressupostos, assim também não se aceitaria que a pesquisa fosse algo a-pessoal. Obra e autor estariam sempre relacionados entre si. Entre eles haveria um vínculo estreito, não se podendo dividí-los.
Nas últimas décadas teriam surgido biografias de pesquisadores e inventores em número sempre crescente. A escolha de nomes, porém, teria sico sempre dependente de circunstâncias arbitrárias e só em poucos casos teria havido uma orientação definida. Mesmo que a pesquisa científica se defrontasse em todos os paíse com problemas e tarefas similares, os pressupostos seriam sempre muito diversos.
Aqui, porém, Fochler-Hauke abandonava a sua argumentação objetiva para entrar em considerações ideológicas de cunho antropológico e etnológico. Assim, salientava que os pressupostos diversos do complexo obra/autor nos diversos países teriam elos raciais. Embora ainda não se dispondo de trabalhos definitivos relativos a métodos de pequisa e ao sentido e à validade da pesquisa científica dos diferentes povos, já haveria muitos dados que deixavam claro que a organização da pesquisa variava muito de país para país e de povo para povo. Também o posicionamento interno, o tipo de procura do conhecimento, a atenção a determinados ramos da pesquisa apresentavam diferenças nos diversos povos. Alguns povos possuiriam mais tendência para a pesquisa científico-natural, outros pela pesquisa das ciências humanas. Somente poucos povos, entre eles os alemães, apresentariam aptidões para ambas as áreas. Alguns povos pareceriam não ter o talento para seguir objetivos em longas e sistemáticas séries de pesquisas, tendo antes a tendência para a intuição genial na procura dos conhecimentos. A ânsia de pesquisar seria também diferente em cada povo. A ciência, no sentido próprio da palavra, teria nascido no Ocidente de cunho germânico e teria sido levada daqui a outros povos, por exemplo para os povos de alta cultura do Leste da Ásia.
A Ciência alemã no mundo e a sua "vigência universal"
Parte significativa do seu texto é dedicado ao renome de cientistas alemães no mundo. Embora os inimigos da Alemanha, sobretudo após a primeira Guerra, sempre tivessem tentado diminuir a importância a pesquisa alemã e as obras científicas do povo alemão, não teriam conseguido por em perigo o renome internacional da ciência alemã. Nas principais folhas científicas dos grandes povos de cultura, obras científicas alemãs seriam encontradas em posição de relêvo. Livros científicos alemães e de cientistas alemães seriam sempre citados, e isso mais freqüentemente do que de outros povos. Antes de que o prêmio da paz da Fundação Nobel tivesse sido concedido a um "traidor", e que, em conseqüência, a aceitação de um desses prêmios tivesse sido proibida a alemães, os cientistas alemães sempre teriam estado em posição privilegiada entre os premiados. A partir dos ditados de Versailles ter-se-ia restringido o uso da lingua alemã em congressos científicos e sufocado a presença da ciência alemã em organizações internacionais. Entretanto, essas limitações tiveram que ser logo suprimidas pelos prejuízos que teriam causado ao trabalho científico. A ciência alemã teria assim superado todas as tentativas de opressão, teria reconquistado o mundo depois da guerra. Numerosos eruditos alemães teriam sido convidados a atuar em universidades estrangeiras. Após a "vitória final", esse desenvolvimento, em parte interrompido, voltaria a ser ainda mais intenso. A ciência alemã e a língua alemã como idioma científico por excelência ganhariam então vigência universal.
"Ciência de espírito alemão" e definição racial anti-semita
Para Fochler-Hauke, o desenvolvimento assim esboçado e as previsões formuladas não poderiam ser ainda fundamentadas, pois não haveria uma obra que oferecesse uma visão panorâmica da parcela alemã no desenvolvimento de cada ramo científico. A Academia Alemã de Munique, sob o seu presidente, Ludwig Siebert, Ministro-Presidente da Baviera, tendo conhecimento do significado dessa questão, teria há dois anos traçado um plano que deveria levar à edição de uma obra volumosa de título "Ciência de espírito alemão". Nessa obra, todas as matérias das ciências naturais e humanas deveriam vir a ser tratadas pelos mais renomados cientistas alemães. Esses deveriam salientar o que é que cada área do conhecimento teria a dever a estudiosos alemães.
Até há pouco tempo não se poderia pensar em realizar tal obra, pois não se teria podido dizer quem é que deveria ser considerado como alemão. A renovação do Reich (völkische Umwälzung) teria representado ao mesmo tempo uma reconfiguração do Espírito. Como ciência alemã poderia ser considerada apenas aquela surgida do sangue e do espírito alemão. Se antes círculos judaicos teriam tido a pretensão à qualificação de cientistas alemães, se antes até mesmo cientistas de sangue alemão haveriam considerado um Sigmund Freund ou um Albert Einstein como intelectuais alemães, e ainda que judeus emigrados se comportassem no Exterior como cientistas alemães, não se poderia deixar de ver que na vida científica alemã não haveria lugar para esses emigrados "de raça estranha". Ainda há pouco tempo teriam sido mencionados pesquisadores judeus numa obra que tratara do desenvolvimento da ciência. Entretanto, os alemães não tinham a necessidade de apresentar "conquistas estranhas" como sendo próprias (!). Não queriam ter nada a ver com especulações científicas que se oporiam a essência do "ser alemão".
A questão do "típico alemão" na Ciência
Na obra então em preparo, a evolução completa da ciência deveria ser esboçada e, naturalmente, considerada a contribuição de cientistas de outros povos. Para salientar o típico alemão na pesquisa deveria ser dada particular atenção à vida das grandes personalidades científicas, pois pesquisadores alemães teriam dado tudo de si, às vezes sob as mais difíceis condições para alcançar o objetivo almejado. Centenas de retratos de vida de pesquisadores alemães deveriam vir a ser tratados nos 12 volumes para tornar a imagem do pesquisador alemão mais viva. O leitor teria não apenas um panorama da história de cada disciplina, mas também um quadro da grande luta que atraves dos séculos os alemães teriam levado a efeito contra si próprios e contra o ambiente para alcançar conhecimentos dos elos conexos da Vida na Terra.
Para as diferentes disciplinas haveria maior ou menor espaço na obra. No primeiro volume, que já estaria praticamente pronto, seriam considerados os grandes médicos e suas descobertas. Nela se revelaria também a luta pela conquista dos trópicos pelo médico alemão. Várias regiões tropicais teriam-se tornado habitáveis para os brancos apenas graças ao trabalho de médicos alemães. Os volumes dedicados à Quimica e à Fisica viriam a seguir. Entre os volumes posteriores, uma especial atenção seria dada à Linguística Comparada, cujos fundamentos teriam sido lançados por cientistas alemães. Um volume especial seria dedicado à técnica alemã.
A obra planejada não deveria oferecer, assim, apenas um panorama de todas as áreas da ciência. Ela deveria tornar-se uma verdadeira obra educativa para o próprio povo alemão.
As discussões tiveram e terão prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).