Doc. N° 2247
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Alemanha-Brasil Circuito euro-brasileiro de Baden-Württemberg
"Barroco florido" Organizações semióticas na pesquisa político-cultural e análise cultural em contextos internacionais
Ludwigsburg 2007. Excursão de membros da A.B.E. pelos 20 anos da sessão de Schloss Burg a diplomatas e pesquisadores culturais Trabalhos preparatórios do Seminário de Pesquisa da Cultura e Política
A.A.Bispo
Ludwigsburg. Atividades da A.B.E. 2007. (Fotos A.A.Bispo) Um dos complexos temáticos particularmente considerados no âmbito de viagens culturais da A.B.E. pelos estados alemães de Baden-Württemberg e da Baviera, em setembro de 2007, disse respeito à questão da análise semiótica da cultura tanto nos estudos politológicos quanto nos da ciência da cultura propriamente dita. Esse tipo de preocupações dirige a atenção, em perspectiva histórica, de forma privilegiada ao Barroco nas suas expressões religiosas e nos seus elos com o Poder secular.
Um dos centros de estudos e exposições do Barroco é o Palácio Residencial dos Duques de Ludwigsburg, uma das maiores construções do gênero da Europa. O Barroco, representado aqui de forma expressiva na própria disposição grandiosa das quatro asas do palácio e nos seus 18 edifícios e três pátios, com 452 salas, engloba também a relação da arquitetura com a paisagem, e a exposição do "Barroco Florido" testemunha as concepções barrocas de Natureza e Paisagismo. Uma especial consideração é dada também às relações do Barroco com a cultura do quotidiano e a arte da vida social em situações festivas, particularmente na exposição da porcelana produzida pela renomada Manufatura de Ludwigsburg.
Palácio de Ludwigsburg
O palácio foi construído por ordem do Duque Eberhard Ludwig (1676-1733). Os duques Karl Eugen (1728-1793) e Friedrich II (1754-1816) deram continuidade à complementação da arquitetura interior do edifício, realizada segundo as tendências estéticas das respectivas épocas. Assim, o palácio oferece um panorama amplo do desenvolvimento estilístico do Barroco ao Classicismo.
Uma das mais monumentals salas do edifício é a da Ordem, espaço de particular significado histórico-político por ali terem sido promulgadas as duas constituições de Württemberg, respectivamente em 1819 e 1919. Em grandiosa pintura alegórica no teto, Atena, a deusa da sabedoria, surge em situação de relêvo no conjunto dos demais deuses do Olimpo. As relações entre a Ilusão e a Realidade são consideradas no Jardim de Estória, numa das alas do parque, onde encontram-se representadas figuras de estórias e lendas alemãs.
Análise cultural de organizações semióticas
No rol das possibilidades de aproximação interpretativa na pesquisa político-cultural - ao lado daquelas de natureza empírico-analítica -, os politólogos distinguem aquela que atenta a sistemas de sinais nas expressões culturais. Os aportes interpretativos teriam aqui, ao lado daquele que considera os conceitos políticos utilizados em determinados segmentos da população no quotidiano, e que corresponderia a uma atenção dirigida a conteúdos, um tipo de observação dirigida a complexos sistêmicos. Ora, num trabalho de cooperação interdisciplinar entre a pesquisa político cultural desenvolvida na politologia e a análise culturológica propriamente dita, ter-se-ia aqui uma das mais propícias oportunidades de mútuo enriquecimento.
A pesquisa político-cultural desenvolvida por politólogos entra , com relação à análise de ordenações simbólicas, obrigatoriamente num área que tem sido das mais consideradas sob o ponto de vista da ciência da cultura. O repertório conceitual e o instrumentário analítico utilizados pelos politólogos apresentam aqui possibilidades de diferenciação e aprimoramento. Se a pesquisa político-cultural no âmbito da politologia dá justamente à interpretação das expressões culturais e de sua organização sistêmica uma relevância excepcional, então essa deveria ser conduzida de forma mais diferenciada com a consideração dos resultados das reflexões da análise cultural.
Dimensão "expressiva" da cultura política
Percebe-se, em alguns textos, que se trata de modo demasiadamente generalizado e pouco aprofundado de uma dimensão "expressiva" da cultura ou de uma natureza semiótica da cultura, cujo sentido poder-se-ia detectar. Parte-se do princípio de que as culturas políticas teriam uma face de expressão constituída por imagens, de modo que culturas políticas poderiam ser consideradas como instituições semióticas (Andreas Dörner, "Politische Kulturforschung", H. Münkler (Ed.), Politikwissenschaft, Reinbek bei Hamburg: Rowohlt 2006 (2a. ed.),587-619, 603).
Todo o universo de concepções políticas se materializaria de forma perceptível pelos sentidos de mundos de sinais. Tratar-se-ia aqui de uma forma manifesta (op.cit. 604). Essa forma cultural manter-se-ia viva através da prática comunicativa e que renovaria continuamente construções de sentidos. Aqui é que se revelaria a função de ritos sociais. Símbolos e rituais no espaço público assegurariam aos membros de uma comunidade política um sentimento de estabilidade da ordem política e uma sensação de a ela pertencerem. A análise das formas simbólicas - arte, arquitetura, formas gestuais e outras - permitiriam alcance de conhecimento relativamente à cultura política e suas transformações.
Problemas de concepções da expressividade de culturas
Os objetos distintos entre as duas áreas disciplinares, a da pesquisa cultural da perspectiva politológica e a análise cultural propriamente dita parecem aqui se confundirem. Se na aproximação empírico-analítica da pesquisa cultural politológica o escopo é específico, ou seja primeiramente a determinação de posições e atitudes, poder-se-ia dizer que a análise político-cultural interpretativa de imagens concebida pela pesquisa politológica é nada mais do que análise culturológica com uma perspectivação determinada.
A análise cultural, porém, em princípio, deveria também aqui proceder de forma refletida teoricamente de acordo com o estado da discussão culturológica. A acepção de uma teoria elucidativa como a exposta acima - o da expressão de dimensões imateriais em imagens, ou seja a sua materialização em sinais, a necessidade de renovação contínua da construção de sentidos para que o sistema não se transforme meramente em "folclore" ou se "musealize", etc. (op.cit., 604) - surge como resultado de uma visão demasiadamente simplista do complexo que representa a organização das imagens na cultura (além da visão irrefletida, não diferenciada, do que seja folclore ou museu).
Pressupõe-se aqui, que esse sistema de imagens tenha o cunho de sinais, ou seja que indiquem um sentido imaterial, e que esse sentido possa ser detectado. Parte-se, nessa concepção, de uma fundamentação ontológica de complexo de imagens e da possibilidade de sua análise hermenêutica. Ora, isso se dá em complexos culturais de fundamentada natureza ontológica e metafísica nas suas concepções, sobretudo naqueles transmitidos pelas religiões.
As imagens - e as alegorias - podem perder ou ter perdido o vínculo com a fundamentação original do sistema na dimensão ontológica - as suas expressões, porém, embora secularizadas, podem continuar a ser praticadas e continuamente renovadas, tendo agora já não um sentido fora de si, mas sim residente na sua própria consecução. Esse seria o caso, por exemplo, do carnaval, onde apesar das alegorias, o sentido religioso do Todo já se perdeu. Em todo o caso, dever-se-ia ir mais longe ainda na diferenciação dos diferentes complexos sistêmicos e suas fragmentações.
Não apenas a perda de sentidos originários de natureza ontológica é fato a ser considerado na análise das imagens. Pode-se partir da acepção da existência de imagens sem natureza sinalizadora de sentidos imateriais, que apenas levam a outras imagens, tornando questionáveis análises de cunho estruturalista e hermenêutico.
Posições pós-estruturalistas necessitam ser consideradas na análise cultural de complexos culturais atuais, sobretudo nas grandes metrópoles. A adequabilidade do instrumentário teórico a ser empregado na análise - e também a possibilidade e a necessidade de adoção de diferentes corpos conceituais e métodos nas várias esferas da cultura - apresenta-se como tarefa a ser decidida pelo analista.
Expressões de natureza semiótica e confiança em sistemas
Na pesquisa cultural referente ao Brasil, a análise da ordem simbólica de danças tradicionais e autos religiosos e semi-religiosos, de expressões secularizadas de cortejos e outros fenômenos alegóricos tem sido sempre vista como de fundamental importância para a análise da cultura.
Numa análise que pretenda focalizar mais o aspecto da cultura política, as formas e processos de atualização, estilização, recriação e deconstrução devem ser particularmente considerados. São êles que fornecem indícios para a constatação de uma maior ou menor vinculação a sistemas, a fidelidade e a confiança no quadro geral da cultura.
A participação de indígenas numa dança simbólica por ocasião de uma festa religiosa católica, por exemplo, permite reconhecer a sua integração mais ou menos profunda no sistema consuetudinário. Se o mesmo se dá em atitude manifesta de desempenho, por exemplo no caso de apresentação de dança em espetáculos, agora não mais tanto realizada como ato religioso mas sim como apresentação folclórica e teatral, então pode-se tirar conclusões a respeito da diluição dos vínculos dos participantes com o sentido religioso. Ora, como o direcionamento à performance é considerado como sinal de uma disposição política ao "output', essa estilização secularizada corresponderia a uma mudança de disposições em direção a uma orientação segundo a dimensão política caracterizada pelo termo "policy". Surgem aqui instituições tais como grupos de danças típicas e regionais. Poder-se-ia partir aqui, na interpretação política, supor um redirecionamento das disposições a determinadas concepções de estado mais autoritário.
Na prática consuetudinária, porém, o pêso estaria na própria participação, no desenrolar de um processo, ou seja, de um vir-a-ser, e isso corresponderia a uma atitude mais voltado ao "input" ou à dimensão política designada pelo termo "politics". Dentro da vinculação ao complexo sistêmico, àquela esfera designada pelo termo "polity", portanto, haveria possibilidades de diferenciações.
Uma análise desse tipo, porém, leva a um resultado que causa perplexidade. Justamente numa situação em que o sistema estava preso a seu sentido religioso, onde se justifica plenamente considerá-lo como instituição semiótica e a sua interpretação hermenéutica, a disposição dos participantes estava voltada à dimensão participativa. Talvez residiria aqui a explicação do caráter festivo, descontraído, pouco voltado à perfeição da performance de autos populares, danças e cortejos de fundamentação religiosa e da antiga prática musical nas igrejas com os seus desconcertos e as suas improvisações instrumentais: a participação é que contava, embora fosse uma participação que não modificava o sistema nem o seu conteúdo. Haveria a possibilidade, também, de que o indígena já não mais participasse da dança. O analista poderia aqui ver um indício de uma perda de fidelidade ao sistema. Isso corresponderia a uma mudança em nível da "polity". Uma mudança que diria respeito mais de perto realmente à dimensão cultural, explicável talvez por uma mudança de religião do ex-participante. A análise da "dimensão expressiva" da cultura, ou melhor, de imagens e de complexos sistêmicos de imagens, promete sobretudo conhecimentos relativamente à disposição no concernente à identificações e a modificações em processos identificatórios. Dentro dessa dimensão pode-se procurar detectar um direcionamento mais à participação ou ao desempenho.
Os debates terão prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).