Doc. N° 2250
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Tópicos multilaterais Alemanha-Brasil
Vida contemplativa e processos político-culturais na História da Cultura
Circuito cultural de Baden-Württemberg. 20 anos após Schloß Burg Hirsau. Visita de membros da A.B.E. 130 anos de Hermann Hesse
A.A.Bispo
Ruínas do antigo mosteiro de Hirsau, Floresta Negra, estado de Baden-Württemberg. Trabalhos da A.B.E. Fotos A.A. Bispo "Para dominar não é necessário, de forma alguma, ser ignorante e bruto, como alguns intelectuais vaidosos às vezes opinam; necessário é, porém, ter uma vontade inquebrantável de atividade dirigida para fora de si, uma paixão para a identificação com objetivos e finalidades e uma certa rapidez e falta de escrúpulos na escolha dos caminhos para o sucesso. Uma série de características, portanto, que um erudito não deve ter e não tem, pois para êle, a contemplação é mais importante do que a ação. Na escolha dos meios e dos métodos para alcançar o seu fim, êle aprendeu a ter tanto quanto possível escrúpulos (...)" (Hermann Hesse. Lekture für Minuten. Gedanken aus seinen Büchern und Briefen, ed. V. Michels. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1971, 15-16)
Próximo à cidade de nascimento de Hermann Hesse, Calw, encontram-se as ruínas de Hirsau, memorial de um movimento de renovação religioso-cultural de grande significado para a história da vida contemplativa e da história político-cultural da Idade Média. Nesse local histórico e altamente sugestivo, teceram-se reflexões sobre a validade das ponderações de H. Hesse relativamente à vida contemplativa.
Ruínas de Hirsau
As ruínas da antiga abadia beneditina de Hirsau, na Floresta Negra, não merecem ser consideradas apenas pela sua localização privilegiada e pela fascinação romântica que despertam. Elas representam um monumento histórico de alta relevância não apenas para a Alemanha. Com a sua história se vinculam desenvolvimentos histórico-culturals de implicações supra-regionais na Idade Média, e o seu estudo pode abrir caminhos para a elucidação de aspectos relevantes da história da vida contemplativa na Europa e de suas conseqüências no período posterior da Expansão. Assim, já em 1977, Hirsau foi visitado por estudiosos brasileiros empenhados no estudo dos fundamentos espirituais de processos culturais e religiosos; o centro das atenções, na época, foi dirigido à obra teórica de Guilherme de Hirsau e a sua contextualização no pensamento medieval. Agora, em setembro de 2007, as ruínas foram revisitadas por representantes da A.B.E. e consideradas posteriormente à luz do tema em debate, ou seja, o do relacionamento entre a pesquisa histórica político-cultural e história da cultura. Estabeleceu-se, assim, uma ponte entre esse tema, a ser tratado em Seminário realizado na Universidade de Colonia com o complexo temático já considerado em debates e seminários anteriores, dedicados ao estudo teórico-cultural da Idade Média.
Hirsau (Hirsaugia, Hirschau)
As origens primeiras desse mosteiro e de uma igreja dedicada a S.Aurélio remontam ao século IX (ca. de 830). O Papa Leão IX, visitando o seu sobrinho Conde Adalbert II de Caw, motivou a reedificação do convento, tendo esta sido iniciada em 1059. A sua repopulação deu-se com monges provenientes de Einsiedeln, que ali chegaram em 1065. O seu florescimento de Hirsau deu-se sob o Abade Guilherme, proveniente de St. Emmeran, em Ratisbona. Nele foram introduzidos diretrizes e costumes daquele convento. O grande passo dado pelo Abade Guilherme foi, porém, introduzir em Hirsau a Reforma cluniacense, em 1079. Segundo o modêlo de Cluny, estabeleceram-se as Consuetudines Hirsaugienses para a disciplina da vida monacal. Colocado sob a proteção pontifícia, o mosteiro pôde desenvolver-se sem laços de dependência com potentados regionais. O trabalho de Guilherme e as reformas por êle realizadas são de significado para a pesquisa histórico-política, uma vez que se opuseram a certas práticas de concessão e uso de direitos feudais e de terras conventuais por leigos. O significado político de Hirsau manifestou-se sobretudo no contexto das disputas da investição, quando o mosteiro se tornou um centro do partido papal e dos oponentes de Henrique IV. Nos séculos XI e XII, Hirsau possuía 6 priorados e propriedades em mais de 350 localidades. Por outro lado, as reformas de Hirsau influenciaram profundamente a vida sócio-cultural em geral, por exemplo através da criação de instituições para a formação de irmãos leigos. Essa Reforma Hirsaugiense difundiu-se em outras regiões centro-européias, sobretudo da Suábia, da Francônia, da Baviera, da Turíngia, da Áustria e da Alsácia. Calcula-se que mais de 100 conventos se filiaram ou foram influenciados por esse movimento reformador de Hirsau. Na história da arquitetura religiosa, fala-se até mesmo de uma escola construtiva de Hirsau, sugerida pela assimilação de características de planta, de disposição de altares, do "coro menor" em prolongamento da nave, das torres ao lado do coro maior, de arcadas, e, sobretudo, de uma simplicidade severa e nobre, preferindo modestamente a dimensionalidade horizontal à verticalidade. Modêlo principal foi a igreja de S. Pedro e S. Paulo, construída segundo impulsos de Cluny, entre 1082 e 1091. A perda de significado de Hirsau parece já ter-se iniciado em 1150. Outras reformas procuraram recuperar a antiga força e poder de irradiação. Assim, em 1458, associou-se ao movimento de Bursfelde. Passou ao Protestantismo pela ação do Duque Ulrich de Württemberg. O mosteiro foi extinto em 1534, uma escola evangélica conventual foi aberta em 1556. O Duque construiu, em 1692, um castelo de caça em terreno adjunto. O seu destino selou-se com a destruição levada a efeito pelo General francês Mélac..
Extrapolação teórica da consideração histórica
Discutiu-se sobretudo a necessidade de estudos comparativos da expansão do movimento de Cluny na Alemanha e de suas formas particulares de expressão com aquela verificada em Portugal. Assim como nos estudos do movimento na Alemanha se tornam claras as implicações políticas e político-culturais da história da reforma, esses aspectos devem ser considerados nas pesquisas histórico-religiosas e arquitetônicas da Idade Média de outras regiões. À parte da necessária consideração da contextualização regional do processo de expansão da reforma da vida contemplativa, a sua inserção em desenvolvimentos histórico-globais não pode deixar de ser examinada. Assim, estudos de fundamentos de processos que tiveram posteriormente influência na formação cultural de regiões missionadas e colonizadas a partir dos Descobrimentos necessitam considerar dimensões político-culturais européias nos seus complexos globais.
As reflexões terão prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).