Doc. N° 2252
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Alemanha-Brasil Circuito euro-brasileiro de Baden-Württemberg
Polity. Questões da dimensão sistêmica e da confiança em sistemas na Análise político-cultural
Ettlingen 2007 - Excursão de membros da A.B.E. pelos 20 anos da sessão de Schloss Burg a diplomatas e pesquisadores culturais. Trabalhos preparatórios do Seminário universitário de Pesquisa da Cultura Musical e Política
A.A.Bispo
Ettlingen, 2007. (Fotos de A. A. Bispo) Ettlingen: Ponto de partida das reflexões
O palácio de Ettlingen, na pequena localidade do mesmo nome, próximo a Karlsruhe, na região do Alb, é atualmente conhecido nos meios culturais europeus sobretudo pelo festival de verão que alí se realiza. As apresentações teem lugar no pátio, rodeado de edifícios ornamentados com pinturas ilusionistas e elementos alegóricos (fonte do Delfim, de 1612). A sala Asam, onde se realizam concertos, é denominada segundo o renomado artista barroco Cosmas Damian Asam, autor das pinturas de seu teto (1732). Também esses afrescos são particularmente notáveis pelas qualidades ilusionistas na passagem do pictórico ao arquitetônico, visualizando e concretizando concepções da passagem do material ao espiritual. Originalmente, tratava-se de pavimento de uma capela de três andares, e a representação diz respeito à vida de S. João Nepomuceno.
O palácio remonta a um antigo castelo que se incendiou em meados do século XVI. O edifício foi reconstruído pelo marquês Philibert de Baden para a sua espôsa, como refúgio para a sua viuvez. Essa construção foi destruída durante a Guerra de Sucessão Espanhola.
O atual edifício foi levantado pela marquesa Sibylla Augusta de Sachsen-Lauenburg, viúva de Ludwig Wilhelm de Baden. O seu espôso foi o "Luís dos Turcos", assim chamado pela sua atuação como comandante na Guerra contra os Turcos (1689-1692). Mais uma vez teve o edifício a função de refúgio para uma senhora de idade. Representou, porém, sobretudo, um marco da aliança entre as casas de Baden-Baden e de Saxônia-Lauenburg, aliança essa eternizada por meio dos brasões enlaçados no portal do palácio.
O prédio, levantado entre 1728 e 1733, seguiu planos do arquiteto Johann Michael Ludwig Rohrer, seguindo pareceres do renomado Balthasar Neumann. Um dos seus principais elementos arquitetônicos é o portal da ala Sul, encimado por um balcão. A espetacularidade do edifício reside porém sobretudo na sua decoração interna, com estuques realizados por Donato Riccardo Retti. A antiga capela, elemento de central significado do palácio de Ettlingen, demonstra a importância da religião no sistema político-cultural da época. Sobretudo a relevância emprestada a S. João Nepomuceno oferece possibilidades interpretações da ordem simbólica da cultura. S. João Nepomuceno (ca. 1350 1393), beatificado em 1721 e santificado em 1729, foi um dos mais cultuados santos do Barroco, sendo representado em numerosas pontes de toda a Europa, de acordo com o modêlo da de Praga (1693) . O elo com a história religioso-cultural tcheca não necessita apenas ser considerado nos seus aspectos exteriores de aproximação política dos dois países. A relevância de S. João Nepomuceno no Barroco elucida-se com a consideração de processos de solidificação do Catolicismo e de Recatolização de regiões, uma vez que representou, na sua cidade natal, um modêlo contrário ao do reformador J. Hus, também venerado na época. Embora não mais com a função religiosa, a atual sala de concertos dirige a atenção continuamente às cenas representadas da vida, do martírio e do triunfo do santo. Reconhece-se a importância do conteúdo, do sentido no sistema político-cultural da época, de seu cunho por assim dizer semiótico testemunhado pelas imagens. Constata-se, porém, na discrepância da mudança de função do espaço, a perda ou o deslocamento de sentidos. Leituras interpretativas do seu conteúdo não apresentam mais vínculos diretos com o espaço atual e o seu uso. A sala Asam de Ettlingen surge, assim, como particularmente sugestiva para reflexões relativas a sistemas culturais, fragmentações e mudanças de funções.
Estruturas e Sistemas: Problemas da análise em plano teórico
Nos estudos culturais e sócio-culturais das últimas décadas constata-se um particular direcionamento da atenção a conceitos e a possibilidades de aproximação teórica com relação a estruturas e sistemas.
Esse interesse pela sistemática -às vezes em detrimento de perspectivas históricas - , constatado em várias áreas disciplinares e em aportes metadisciplinares, não deve ser entendido como indício de um consenso ou de perspectivas coerentes nas reflexões.
Pelo contrário, o debate relativo à focalização sistemática é caracterizado desde há alguns anos por fundamentais diferenças e até mesmo por antagonismos nas concepções, dos quais poderiam ser exemplos posições pós-estruturalistas, por vezes altamente críticas com relação ao estruturalismo e a procedimentos hermenêuticos.
Tudo indica que o rigorismo na distinção de posições seja antes resultado de um pensamento abstrato ou cultural-filosófico, de modo que, na prática da análise cultural, diferentes instrumentários conceituais podem e até mesmo necessitam ser aplicados. Ao contrário do que possa sugerir a crítica pós-estruturalista, enfoques estruturalistas - devidamente atualizados - manteem a sua vigência em contextos adequados, sobretudo, naturalmente, naqueles que tornam legítimas indagações de sentido, ou seja, procedimentos hermenêuticos, tais como em complexos sistêmicos de fundamentação religiosa. Reflexões encetadas em contextos e sob enfoques dos mais diversos podem ser produtivos para o desenvolvimento do pensamento teórico em outras áreas de estudos, adquirindo entretanto conotações inesperadas. Assim, o interesse pela ordenação simbólica da cultura, despertado antes em contexto marcado por preocupações relacionadas com o conceito de Poder, contribuiu ao aguçamento da sensibilidade em estudos analíticos de expressões culturais religiosas. A elaboração de um complexo teórico relacionado com a participação na ordenação cultural como fator da performação de identidades, devida sobretudo às reflexões encetadas no âmbito dos estudos feministas e de gênero, contribuiu já decididamente a elucidações de processos coloniais e missionários de formação de novas identidades culturais e de conversão. Essa produtividade de aportes teóricos em áreas de interesse distintas daquelas na qual primeiramente se desenvolveram e, às vezes, em direção não-congruente com as intenções ou os posicionamentos de seus principais idealizadores, pode ser percebida também no caso de uma aproximação interdisciplinar da Pesquisa Político-Cultural na sua inserção politológica e aquela de enfoque culturológico.
Polity e a dimensão do sistema na Política Cultural
Na Politologia, costuma-se utilizar o termo inglês Polity para designar a dimensão do regime, ou melhor, do sistema, do quadro geral no complexo do Político. Tratar-se-ia, na diferenciação baseada nos termos politics, polity e policy, daquela dimensão nas quais se desenvolvem as ações e funcionam as instituições.
Tratar-se-ia aqui, por assim dizer, do estatuto, do regimento, da constituição, das formas de organização, da ordenação e do sistema normativo às quais estariam vinculadas. Politólogos fazem questão de salientar, a respeito, que não se trata, na dimensão da Polity, apenas da constituição escrita, mas sim também de ordenações transmitidas consuetudinariamente. Poder-se-ia ainda mais longe e ampliar essa consideração dizendo-se que não se trataria aqui apenas de constituição ou regulamentação não-escrita, mas sim até mesmo de sistema de natureza não verbal, escrito ou não-escrito, e aqui residiria sobretudo a relevância dessa dimensão do complexo Político para a pesquisa cultural. Mesmo na Politologia vê-se, na Polity, uma esfera de particular significado, até mesmo específica da Pesquisa da Cultura Política. Ela diz respeito, por exemplo, àquilo que surge como legítimo ou normal nas diversas sociedades, como óbvio nos modos de procedimento, agir, pensar e agir de determinados grupos, àquilo que pode ser dito ou não, àquilo que surge como político correto e às expectativas relativas aos agentes e protagonistas de acordo com o sistema vigente.
A questão da confiança no sistema em processos político-culturais
No inquérito de disposições e posicionamentos, tem-se constatado que a dimensão do sistema pode manifestar-se de forma difusa ou especificada. Um apoio difuso poderia relacionar-se com a questão de que até que ponto o regime ou um sistema é considerado como legítimo ou não.Ter-se-ia, aqui, a questão da confiança em instituições e em sistemas. Nessa dimensão, uma vez que aqui surgem diferenças em sociedades que apresentam instituições similares, encontrar-se-ia um dos principais campos de estudo e de análise dos estudos culturais em contextos internacionais. Tratar-se-ia aqui de estudar as razões pelas quais constituições iguais ou semelhantes são assimiladas de forma distinta em diferentes complexos culturais. Este seria o caso, por exemplo, de análise de transplantação de instituições para contextos que não apresentam os pressupostos necessários para a sua realização, levando à modificação e até mesmo à deturpação do escopo das mesmas, ou seja, da policy. Esse foi o caso não apenas de regimes políticos, sendo aqui o principal exemplo o daquele da introdução da democracia em contexto sem democratas. Foi e é o caso, também, da transplantação de instituições culturais e de disciplinas científicas, e aqui residiria um campo vasto para estudos de muitas dificuldades, desorientações e falências de instituições em vários países latino-americanos.
Questões de identificação
Haveria, porém, uma outra esfera de particular relevância cultural relativamente ao sistema, além do quadro geral onde acontecem os tratos e onde se tomam decisões. Tratar-se-ia da comunidade na qual se inserem os cidadãos, ou seja a sua identificação com a própria nação, com os seus símbolos e com os seus compatriotas. Poder-se-ia generalizar dizendo que se trataria aqui da identificação do indivíduo com comunidades, grupos e associações. Do ponto de vista da pesquisa cultural, a atenção é dirigida aqui, da forma mais evidente, à pesquisa dos símbolos de cunho identificatório, tais como armas, bandeiras, hinos e cantos patrióticos. O estudo dessa simbólica assume para a América Latina um significado talvez mais complexo do que para os países europeus, uma vez que a história dos países americanos é particularmente marcada pela emancipação dos vínculos com as antigas metrópoles e, concomitantemente, com a criação de símbolos nacionais, regionais e comunitários.
As mudanças de sistemas, em parte radicais, acompanhadas por uma mudança ou não de símbolos, - veja-se por exemplo o hino nacional brasileiro - surge como campo promissor para estudos. Pode-se dizer que sobretudo a música foi freqüentemente instrumentalizada para a constituição e a solidificação de uma confiança no sistema. Tratando-se de países originados de colonização e missão, as nações latino-americanas apresentam a especificidade de terem recebido uma ordenação simbólica que incluia como elemento integrante mecanismos de conversão e de transformação cultural da Idade Média européia. A formação cultural latino-americana ter-se-ia processado fundamentalmente com a performação de identidades através da integração e da participação nesse sistema, e objeto importante para a pesquisa cultural seria não apenas estudar os mecanismos desse processo sob a perspectiva histórica mas sim também as transformações na intensidade da confiança nesse sistema através dos séculos e no presente. Dever-se-ia também atentar à possibilidade de uma auto-emancipação quase que mecanística da ordenação simbólica, ou pela perda do seu sentido ontológico no decorrer da secularização.
Em todos esses casos constata-se a impossibilidade de uma separação da dimensão da Polity daquela da Policy. A formação cultural dos países latino-americanos ter-se-ia dado primordialmente em nível de uma Polity dirigida segundo uma Policy determinada pelos europeus. Modificações refletidas do sistema, agora em grande parte perpetuado, apesar de todas as transformações, em automatismo sistêmico, exigiriam, assim, sobretudo reflexões aprofundadas relativamente à Policy ou ao Output. Os debates deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).