Doc. N° 2256
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Alemanha-Brasil Circuito euro-brasileiro de Baden-Württemberg
Cultura interpretativa e Sócio-cultura como objetos de análise cultural
Reflexões encetadas a partir de impressões em Calw. Trabalhos preparatórios do Seminário universitário de Pesquisa da Cultura Musical e Política Calw 2007 - Visita de membros da A.B.E. 130 anos de nascimento de Hermann Hesse (1877-1962)
A.A.Bispo
Calw. Excursão de membros da A.B.E. 130 anos de Hermann Hesse. Fotos de A. A. Bispo "Para mim há duas Histórias do Homem, a política e a do Espírito. Algo como progresso não se pode constatar em nenhuma delas. Se Sansão, o filisteu, mata com ossos, ou Hitler atira bombas na Inglaterra, é o mesmo. E da filosofia da Upanishadas até Heidegger não se percebe progresso. Ambas as histórias, porém são muito diferentes. A assim-chamada História mundial é, em todas as suas épocas, horrível, cruel e demoníaca. A História das linguas, das idéias, das artes, porém, é em todas as partes do caminho repleta de imagens e florescimentos bonitos e dignos de serem amados." (Hermann Hesse. Lekture für Minuten. Gedanken aus seinen Büchern und Briefen, ed. V. Michels. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1971, 27). (Trad. A.A.B.)
Hermann Hesse foi um dos autores europeus até há poucos anos mais lidos no continente americano. Obras como Siddhartha, Der Steppenwolf, Narziß und Goldmund; Das Glasperlenspiel; Die Morgenlandfahrt; Demian; Klingsors letzter sommer, ainda são, em traduções nos diversos idiomas, altamente divulgadas e conhecidas, até mesmo indispensáveis para todos aqueles que de dedicam e se interessam por literatura mundial. Hesse merece ser porém redescoberto, sobretudo sob o aspecto dos estudos de contextos interculturais e da história das idéias político-culturais.
Por essa razão,aproveitando a passagem dos 130 anos de nascimento do escritor, membros da A.B.E. visitaram a sua cidade natal, Calw, no estado alemão de Württemberg. A partir dessa visita e com base na releitura de passagens de sua obra, encetaram-se reflexões no âmbito dos preparativos de seminário destinado à discussão das relações entre a pesquisa da cultura política e a análise cultural.
Calw: cidade natal de Hesse
De família de profunda religiosidade, impregnada de cultura pietista, - o seu pai era um missionário de origem báltica - H. Hesse nasceu na pequena e pictórica cidade de Calw. Essa localidade adquirira prosperidade na Idade Média tardia como centro de encontro de comerciantes de tecidos de toda a Europa e este seu passado marcou por séculos a imagem urbana. Dessa época restou a ponte Nagold, marcada por uma capela de S. Nicolau, construída sobre o pilar central. Monumento arquitetônico mais significativo é a sede da administração municipal (Rathaus), construída em 1673 e ampliada em 1726. Nela se conserva uma coleção de obras de Hesse e, em frente ao edifício onde se localizara a sua casa de nascimento, há uma placa comemorativa. Depois de um grande incêndio, em 1692, a cidade foi reconstruída em grande parte com casas de artísticas estruturas de madeira, características até hoje da ainda homogênea paisagem do conjunto urbano.
"Cultura Interpretativa" e "Sócio-Cultura"
O significado a ser descoberto de H. Hesse para os estudos culturais diz respeito sobretudo às suas interpretações da realidade política de sua época, da cultura e do Homem. As reflexões dirigem-se aqui quase que automaticamente à esfera da assim-chamada "Cultura Interpretativa". Na Politologia, ou melhor, na subárea politológica da Pesquisa Político-Cultural, vem-se dirigindo a atenção a uma diferenciação entre uma Cultura Interpretativa e uma Sócio-Cultura. A Sócio-Cultura diria respeito a uma esfera daquilo que é considerado como sendo óbvio no quotidiano político ou como expressão de Normalidade. Sob Cultura Interpretativa entende-se aquela esfera de reflexões formalizadas, em geral encetadas por membros de esferas privilegiadas sócio-culturalmente. Essas reflexões podem ser tanto inovadoras, estabilizadoras do status quo ou problematizadoras. Seria nessa esfera da Cultura Interpretativa que se produziria construções simbólicas e de sentido. Tais proposições poderiam ser assimiladas ou não pela Sócio-Cultura. O pesquisador de cultura política analisaria os discursos na esfera da cultura interpretativa e essas análises procurariam oferecer elucidações quanto à causa das transformações político-culturais. Essa distinção entre Sócio-Cultura e Cultura de Interpretação pode apenas servir para um aguçamento da sensibilidade do pesquisador para determinados aspectos da cultura política, em particular para a função e a relevância da assim-chamada interpretação. Por demais complexas são as imprecisões dos termos e as conotações de tal divisão, com o perigo de cair-se em simplificações já há muito criticadas nos estudos culturais: cultura do povo e cultura de elite, cultura informal e formal, etc. As questões relativas à formação da opinião pública, as possibilidades auto-poéticas do próprio sistema em criação de sentidos, o papel fortalecedor do status quo ou de tendências de transformação da mídia são demasiadamente complexas para que possam ser tratadas segundo esse referencial simplista.
"Cultura Interpretativa" no Brasil
Entretanto, a focalização da atenção no discurso e nas construções simbólicas daqueles que se voltam à interpretação da realidade político-cultural em seus vários níveis de profundidade reflexiva e precisão teórica surge, de fato, como altamente produtiva para os estudos culturais.
Poder-se-ia aqui pensar, por exemplo, em estudos da história e do desenvolvimento do discurso e das figurações do "caipira" na literatura e no jornalismo de determinada época da história das idéias do Brasil, analisando-se contextualizadamente a posição e o intuito de seus propagadores, - talvez de um Cornélio Pires -, a sua vinculação com correntes político-culturais, a sua divulgação, mudanças nas suas conotações e avaliações, a sua aceitação até mesmo por aqueles atingidos pela denominação, identificando-se com uma esfera sócio-cultural assim caracterizada, as suas influências na produção cultural e artística de determinadas épocas, ou seja, a "normalização", na assim-chamada Sócio-Cultura, de uma construção interpretativa ou figurativa.
Não tendo sido apenas um Cornélio Pires, mas muitos outros que contribuiram para o edifício de conceitos e imagens, havendo-se criado rêdes e instituições respectivas, meios de difusão por rádio e televisão, publicações, etc., poder-se-ia falar, com os devidos cuidados, de uma Sócio-Cultura do caipirismo, certamente não homogênea e capaz de ser estudada sob diversos ângulos. Isso valeria também para outros conceitos e construções interpretativas que não apenas marcaram a imagem de grupos, comunidades, regiões e até mesmo da nação. Tendo sido assimilados, influenciaram ou mesmo determinaram de modo mais ou menos duradouro a identidade cultural de grupo, comunitária, regional ou mesmo nacional. Os estudos de formação e transformação de identidades culturais, sendo desenvolvidos atualmente sobretudo com relação ao complexo sistêmico ou ordenação simbólica, dizendo respeito à dimensão do Político designada pelo termo Polity, já incluem, necessariamente, a consideração daquilo que por alguns autores é aqui subsumido pelo termo de Sócio-Cultura.
Antes: Cultura da Reflexão
A relevância dessas reflexões diz respeito ao direcionamento da atenção à possibilidade de transformação desse sistema ou quadro geral através de uma Cultura de Reflexão. Ao mesmo tempo, implicam na aceitação do caráter construtivo e portanto passível de demontagem de imagens e de identidades culturais por serem estas não perenes, de cunho natural ou essencial-ontológico. Com isso, reconhecendo-se a temporalidade, ou melhor, a historicidade de imagens e de identificações, supera-se a visão estritamente sistemática, a-histórica de processos culturais. Representando fenômenos ou configurações sistêmicas altamente significativas para determinadas situações no tempo e no espaço, merecedoras de estudos elucidativos e de especial atenção da pesquisa, perdem porém o cunho de estarrecidade emblemática. Imagens e construções conceituais identificatórias - Mexicanidade, Brasilianidade, Afro-Cubanismo, Latino-Americanidade, entre muitos outros - surgem na historicidade de suas expressões como mutáveis, transformáveis, impedindo projeções anacrônicas de suas manifestações atuais no passado remoto e também de suposições de perpetuações futuras.
Seria compreensível que, com o abandono de conceituações essencializadoras e naturalizantes nessa esfera de imagens e de construções discursivas de identidades, uma certa insegurança se estabelecesse. Esse possível mal-estar deveria ser porém superado na certeza de que há uma compensação muito maior, ou seja, o reconhecimento do significado da Cultura da Reflexão. Do ponto de vista visionário, não mais se trataria de uma assimilação ou não de construções criadas por uma Cultura de Interpretação pela Sócio-Cultura, mas sim de uma ampliação da Cultura de Reflexão.
As discussões terão prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).