Doc. N° 2257
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Tópicos Multilaterais Alemanha-Brasil Circuito euro-brasileiro de estudos da Baviera
História político-cultural e transformações da espiritualidade de ordens religiosas: Beneditinos e Salesianos Teologia, Filosofia, Meio Ambiente e Cultura
Benediktbeuern . Trabalhos da A.B.E. 2007 Preparatórias do Seminário "Pesquisa da Cultura e Política"
A.A.Bispo
Da história do antigo mosteiro bávaro de Benediktbeuern (Buron, Benedictoburum), na diocese de Augsburg, conhece-se, no Brasil, sobretudo aquilo que se relaciona com a Carmina Burana. Essa coleção medieval de cantos religiosos e profanos, de grande relevância histórico-cultural e musicológica, foi considerada pelo menos desde meados dos anos sessenta em cursos de história da música e concertos.
Sobretudo a obra de mesmo nome de Carl Orff tornou a Carmina Burana conhecida do grande público brasileiro. Sob essa denominação, a coleção é conhecida desde a publicação de J. A. Schmeller (1847). Trata-se de uma coleção de manuscritos da Biblioteca Estatal de Munique dos séculos XIII e XIV, em 112 folhas de pergaminho, escritas por vários autores em latim, latim-alemão e alemão e que tinham sido conservadas no mosteiro de Benediktbeuern até a sua secularização. Em parte com notação musical, os poemas incluem textos de contúdo religioso e moral, assim como autos de Natal e de Páscoa. Alguns dos textos possuem cunho satírico, outros são textos de amor, de bebida e de poetas vagantes. Trata-se, assim, de fonte de grande significado para estudos culturais, também para aqueles referentes aos fundamentos históricos de tradições medievais que foram introduzidas no Novo Mundo no decorrer da colonização e da cristianização.
História Beneditina de Benediktbeuern - Centro de erudição na Idade Média
O mosteiro foi fundado ao redor de 739, e na sua criação participou São Bonifácio, o missionário por excelência da Alemanha. É, assim, um dos mais antigos da Baviera e da Europa Central em geral. Foi núcleo de desbravamento e do cultivo agrícola do vale do Loisach. O seu significado como centro religioso deveu-se também ao fato de guardar a relíquia de um braço do fundador da ordem,São Bento, doada por Carlos Magno ou pelo Papa Adriano. Em 955, foi destruído pelos húngaros, sendo reconstruído com o auxílio de Sto. Ulrich, de Augsburg. Foi repopulado por monges vindos de Tegernsee, em 1031. Com o Abade Engelschalk (1122-1236), a abadia foi submetida diretamente ao Império.
No grande apogeu que o mosteiro conheceu na Idade Média, sob o Abade Walther (séc.XII), possibilitado pelo cultivo refletido e sistemático das terras, transformou-se em centro de estudos teológicos, de ciências e artes. A sua grande biblioteca, ao redor do ano de 1250, compreendia ca. de 250 manuscritos. Em 1490, um incêndio destruiu os edifícios centrais do mosteiro. Uma nova fase de florescimento iniciou-se após a Guerra dos Trinta Anos. Abriu-se novamente o ginásio, dando-se particular atenção às disciplinas de cunho musical, matemático e botânico. Também fundou-se a Escola Superior Teológica da Congregação Beneditina da Baviera. Entre os grandes nomes dos eruditos que ali atuaram, citam-se o do historiador Karl Meichelbeck (1734) e o do teólogo e educador Aegidius Jais (1822).
Benediktbeueren como monumento do Barroco
A atual disposição barroca do convento foi realizada a partir do ano de 1669. Na sua construção tomaram parte os mais renomados artistas da época, tais como Georg Asam, Johann Baptist Zimmermann, Johann Michael Fischer, Ignaz Günther e Johann Michael Feuchtmayer. Os edifícios da economia, o chamado Maierhof, construído entre 1708 e 1718, era o centro das atividades agrícolas do mosteiro. Representam hoje as mais imponentes construções de finalidades agrícolas do período barroco, abrigando processos técnicos modelares para a sua época. A antiga igreja abacial, hoje paróquia de São Bento, edificada entre 1681 e 1686 por Caspar Feichtmayr, teve o seu teto pintado por Hans Georg Asam, o pai dos famosos irmãos-artistas de mesmo sobrenome. A pintura do altar, representando o fundador da Ordem Beneditina, de 1788, é de autoria de Martin Knoller. A igreja apresenta na sua magnífica decoração interna um programa alegórico que possibilita o estudo pormenorizado das relações internas da ordem simbólica vigente. A Capela de Santa Anastácia, edificada entre 1750 e 1753, ao norte da sacristia, obra de Johann Michael Fischer, com estuque de Johann Michael Feichtmayer, é uma das obras primas do Rococó europeu. No seu teto, em pintura de Johann Jakob Zeiller, de 1752, vê-se a Santíssima Trindade à espera de Santa Anastácia. O relicário de prata, com a cabeça da santa, foi obra de Egid Quirin Asam (1725).
Visão do mundo, ciência natural e teologia
Um ponto alto da visão alegórica da época e da integração de conhecimentos da filosofia natural na concepção teológica do mundo e da vida é o teto da Sala de Festas do Convento. Em correspondências múltiplas, as pinturas apresentam alegorias das estações do ano, dos elementos e das virtudes. No centro, um grande carro, cujas rodas representam os quatro elementos, surge como um veículo que, conduzidos pelas virtudes, dirige-se à finalidade da vida, à luz que resplandece no seu término. Poucas representações há que mostram de forma mais claramente ilustrativa a concepção teleológica do mundo e do homem nas suas relações internas e no seu direcionamento, integrando os conceitos fundamentos das ciências naturais e da filosofia num todo íntegro. Documenta também a força no universo barroco da concepção dos elementos naturais como rodas de um carro, de antiga fundamentação bíblica. O carro, nesse caso, representa a barca ou navio nas suas expressões tipológicas (arca) e anti-tipológicas (Igreja). Em 1803, Benediktbeuer foi secularizado e as propriedades privatizadas. A secularização representou o término de uma história milenar dos beneditinos nesse local, que dele fizeram um centro de culto, de vida religiosa, cultural e científica de primeira grandeza. A partir de 1819, os edifícios passaram à propriedade do Estado, servindo de quartéis, de curral militar, de asilo de inválidos, de prisão e de enfermaria para a recuperação de soldados.
O presente salesiano de Benediktbeuern
Em 1930, a vida religiosa no edifício conheceu uma ressurreição, embora sob orientação espiritual e com tradições diversas daquelas dos antigos beneditinos. Tendo sido adquirido pela Comunidade da Ordem dos Salesianos de Dom Bosco (SDB, Societas S. Francisci Salesii, S.S.), as construções foram gradualmente recuperadas e vivificadas de acordo com os ideais de João Bosco (1815-1888). Mais uma vez o convento se tornou um centro de formação religiosa, científica e educação, agora porém sobretudo com a atenção dirigida à juventude. Hoje, os edifícios abrigam duas escolas superiores: uma Faculdade de Filosofia e Teologia e uma Escola Superior Técnica para o Trabalho Social. Na primeira, a concentração dos estudos se dá sob a perspectiva da Pastoral da Juventude e da Ética Ambiental. A segunda, mantida pelos "Centros de Formação Católica de Profissões Sociais da Baviera", dedica-se à formação de agentes sociais. Há a possibilidade de um estudo duplo, no qual os estudos do trabalho social se unem ao da Teologia. O Centro para o Ambiente e Cultura foi instalado no antigo Maierhof, o modelar curral/celeiro do Barroco. Com êle, os salesianos pretendem contribuir, sob princípios cristãos, ao desenvolvimento de uma responsabilidade maior do Homem perante a Criação, transmitindo sobretudo à juventude valores de preservação e possibilidades de aprendizado ecológico. Nele são estudados e praticados aspectos e técnicas da proteção da Natureza e do seu cultivo, para isso servindo biotopos, caminhos educativos, jardins de ervas e para meditações.
Benediktbeuern e o Brasil
Em exposição relativa aos objetivos e às atividades dos Salesianos, apresentada nas salas do convento, salienta-se a ação missionária desse instituto nas várias partes do mundo, inclusive entre os indígenas no Brasil. Os Salesianos desenvolveram, no âmbito de suas missões, atividades etnográficas de relevância, organizando coleções, fundando centros de estudos e museus e realizando publicações que, em alguns casos, representam as mais extensas e profundas contribuições ao conhecimento das culturas indígenas. Na exposição de Benediktbeuern, os visitantes teem a ocasião de apreciar alguns objetos indígenas selecionados dos materiais colecionados pela Ordem. No rol dos museus salesianos dedicados à cultura indígena, tais como os de Campo Grande (Mato Grosso do Sul) e Manaus (Amazonas), deve-se, assim, considerar também a exposição de Benediktbeuern. Salesianos brasileiros já muito contribuiram para trabalhos desenvolvidos pela A.B.E. e por instituições a ela vinculadas. Os museus salesianos em Manaus e Campo Grande, a Diocese de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas), a Faculdade S. Domingos Savio (Manaus), instituições de mídia e difusão da ordem já foram visitados repetidas vezes e colaboraram para a consecução de trabalhos relacionados com as culturas indígenas. A própria atuação dos salesianos nessa área dos estudos culturais, porém, que conheceu transformações nas suas concepções e métodos nas últimas décadas, deve ser considerada sob a perspectiva dos estudos histórico-culturais e inseridas em contextos mais amplos. O fato de se ter, hoje, no monumento arquitetônico beneditino de Benediktbeueren um centro de estudos salesianos, dirige a atenção dos estudiosos às diferenças da orientação espiritual e da história cultural das duas congregações, inclusive nas suas repercussões na ação missionária no Brasil. Assim, pode-se comparar a antiga atividade missionária dos Beneditinos em Roraima com aquela desenvolvida pelos Salesianos no Uaupés. Esses paralelos, já realizados em ocasiões anteriores, foram rememorados durante a visita a Benediktbeueren. Os trabalhos deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).