Doc. N° 2259
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
109 - 2007/5
Alemanha-Brasil Circuito euro-brasileiro da Baviera
Transformações culturais e sistemas político-econômicos na história das relações internacionais
Trabalhos preparatórios do Seminário universitário de Pesquisa da Cultura Musical e Política Augsburg 2007. 500 Anos dos Fugger
A.A.Bispo
Ettlingen. Excursão de membros da A.B.E. - 20 anos da sessão de Schloss Burg a diplomatas e pesquisadores culturais. Fotos de A. A. Bispo Os Fugger: 500 anos
O ano de 2007 foi marcado, na região de Augsburg e em cidades situadas em zonas limítrofes dos estados da Baviera e de Baden-Württemberg por vários eventos históricos, culturais e artísticos relacionados com a família dos Fugger e cujo significado para os estudos histórico-culturais em contextos internacionais é muito maior do que se poderia julgar à primeira vista. O jubileu rememora a aquisição do castelo de Kirchberg e da cidade de Weißenhorn pelo cidadão e comerciante Jakob Fugger, de Augsburg, no dia 27 de julho de 1507. Com essa compra, Fugger obteve direitos e deveres sobre a localidade, lançando os fundamentos da elevação da família à nobreza. Esses direitos foram suspensos no século XIX, até hoje, porém, a família sente-se responsabilizada pelos deveres assumidos e procura cumprí-los através de uma Fundação. Um dos objetivos é a de trazer à consciência o significado dos Fugger para a região limítrofe entre os estados da Bavia e de Baden-Württemberg, salientando elos histórico-culturais e, assim, contribuir para a identidade cultural dessa zona. Além de uma exposição de título "500 Anos dos Fugger em Weißenhorn" (500 Jahre Fugger in Weißenhorn), organizou-se uma série de concertos relacionados com o tema "Os Fugger e a música", além de conferências e excursões. Motivada por esse jubileu, a A.B.E. realizou, em setembro de 2007, uma visita a Augsburg. O objetivo foi o de rememorar o significado do império econômico dos Fugger na história dos Descobrimentos e da Colonização da América do Sul como tema de particular relevância para os estudos interculturais de orientação histórica e tecer reflexões sobre as relações entre a economia, a história de processos político-culturais e a teoretização respectiva nas Ciências Políticas e na Culturologia.
Augsburg-Brasil
Com essa visita, a A.B.E. dirigiu novamente as suas atenções à cidade de Augsburg. A cooperação com personalidades da vida cultural da cidade levou, já nos anos 80, à presença do Brasil e de seu patrimônio musical na catedral local, um dos maiores centros de cultivo de música sacra da Europa. Nesse contexto, graças ao interesse do mestre-capela R. Brauckmann, motetos do Pe. José Maurício Nunes Garcia foram incorporados no repertório da Semana Santa local, um fato de considerável significado na história da recepção da música brasileira no Velho Mundo. Posteriormente, os elos históricos de Augsburg com a música sacra da América Latina foram salientados em estudos que demonstraram os vínculos de um dos mais renomados mestre-capelas de Augsburg do século XVIII, Melchior Glette, com o missionário tirolês J. Sepp, que atuou no Paraguai e que ali introduziu suas obras e técnicas composicionais na ação missionária junto aos Guaranís. Esses elos e o seu significado histórico-cultural no desenvolvimento da linguagem musical do século XVIII nas Missões e posteriormente no Brasil foram salientados na sessão de encerramento do Congresso de Estudos Euro-Brasileiros, realizada em 2002 no Museu de História Diplomática do Itamaraty. (A.A.Bispo, "Klassik und Mentalitätsgeschichte, Globalität und Multikulturalismus", Musik, Projekte und Perspektiven, Colonia: ABE/ISMPS 2003, 349 ss.)
Fugger-América Latina
A atenção dirigida aos Fugger leva os estudos euro-brasileiros a uma fase mais remota da história dos elos que unem a cidade e sua região à América Latina. Primeiramente, deve-se salientar que a história dessa família representa - ao lado da dos Welser - um dos mais impressionantes casos de enriquecimento e de alcance de poderio e de influência na História, e isso em época preparatória do período de expansão européia. Provenientes de uma aldeia suébia, os Fugger atuavam como mestre-tecelões em Augsburg, em meados do século XIV, adquirindo posições de influência comunal no início do século XV (Johannes Fugger, +1409). Jakob I Fugger (+1469) foi o fundador da casa de comércio que seus filhos Ulrich (+1510) e sobretudo Jakob II (1459-1525) levariam a uma posição extraordinária nas finanças mundiais. Base desse capital foi em parte possibilitado pela feitoria de Innsbruck e sua influência na economia do Tirol, assim como pelo monopólio do cobre na Europa, possuindo a família minas no Tirol, na Caríntia, Hungria e na Espanha. O contato mais estreito com o Novo Mundo deu-se através do vínculo de Georg Raymund Fugger (1489-1535) e Anton Fugger (1493-1560) com o imperador Carlos I (Carlos V). O apoio financeiro dos Fugger - e dos Welser e de casas comerciais italianas - possibilitaram a escolha de Carlos I a imperador alemão. Em conseqüência, os problemas econômicos e políticos no Império espanhol muito atingiram essa casa financiadora de imperadores e pontífices. No início do século XVI, logo após o Descobrimento do Brasil, os Fugger já estavam envolvidos no comércio de especiarias com as Índias. Com a descoberta do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama, e conseqüente quebra do poderio árabe do comércio, diminuira a importância de cidades portuárias mediterrâneas, tais como Veneza e Gênova e, com elas, a de cidades intermediárias do Sul da Alemanha com a Europa Central e do Norte, tais como Augusburg, Nürenberg e Passau. Os comerciantes dos Fugger, porém, reagiram às transformações e seguiram desde cedo dos passos dos portugueses, estabelecendo uma feitoria em Calicut. No retorno da viagem de circumnavegação de Fernando de Magalhães, foram os Fugger que compraram grande parte das mercadorias trazidas do Oriente. (Richard Buschick, Die Eroberung der Erde, Leipzig 1934, 77 e 187) Os Fugger deveriam ter exercido uma influência política ainda maior na colonização da América Latina do que de fato aconteceu. Em 1531, segundo uma capitulação com a Coroa, o território das ilhas Chincha e o Estreito de Magalhães, no Chile, deveria ser entregue aos Fugger para a sua exploração e colonização. 15% do territorio seria dedicado à propriedade da família, embora sem portos e sem o direito de distribuição de encomiendas. (Wilhelm Freiherr von Schoen, Geschichte Mittel- und Südamerikas, München 1953, 146). Antes, porém, que o contrato pudesse vir a ser concretizado, os empreendimentos de conquista de Almagro e Valdivia na Costa do Chile criaram novos fatos. (Otto Emersleben, Länder des Goldes, Leipzig/Jena/Berlin 1982, 2a. ed., 126)
Pontos de partida das reflexões: Rathaus, Catedral, Santa Ana
A Casa do Conselho (Rathaus) de Augsburg, construída entre 1615 e 1620, segundo projeto do arquiteto e urbanista Elias Holl, é um dos mais significativos exemplos de arquitetura renascentista da Europa Central e representativo monumento do poderio econômico e político da cidade. A Sala Dourada desse edifício é decorada magnificamente com madeiras nobres e ornamentos de ouro, emoldurando, no seu teto, grandes pinturas alegóricas e históricas centralizadas no tema "O Triunfo da Sabedoria". Esse teto é, desde a sua restauração (1978-1985), um dos principais centros de interesse dos visitantes da cidade e obra de significado artístico-cultural de grande expressão. O monumento sacro mais importante do grande patrimônio arquitetônico de Augsburg é á grande Catedral da Visitação de Nossa Senhora, com cinco naves, uma construção que passou por várias transformações e ampliações na Idade Média. Hoje, o coro gótico, do século XIV, que corresponde a um alongamento da anterior basílica românica de três naves, é um dos mais impressionantes exemplos da arquitetura catedralícia européia. O portal da catedral, na parte sul, é ornamentado por 35 relêvos de bronze com cenas da história bíblica e alegorias do século XI. Para estudos do simbolismo medieval também são de grande significado as representações alegóricas nos vitrais do lado sul da catedral, com figuras de profetas, das mais antigas da Alemanha (1140). A catedral de Augsburg possui inúmeras obras de arte, entre elas quadros da vida de Nossa Senhora de Hans Holbein, o Velho, de 1493. A igreja de Santa Ana, construída no século XIV e remodelada no século XVIII, parte do antigo convento dos carmelitas, é um dos monumentos da história da Reformação Protestante. Na sua parte ocidental edificou-se a capela dos Fugger em 1509, um dos primeiros exemplos da arquitetura renascentista na Alemanha. Na capela dos artesãos em ouro, do início do século XV, ainda existem pinturas murais dos séculos XV e XVI.
Relações entre Economia e História das transformações político-culturais
A pesquisa e a teoretização da transformação política desenvolvidas no âmbito dos estudos politológicos podem e devem ser consideradas sob a perspectiva dos estudos culturais. O exame dos pressupostos, das causas, do desenvolvimento, do sucesso e/ou da falha de modificações em sistemas políticos leva à constatação de fatores culturais tanto com relação às pré-condições de mudanças, a seu ideário e à sua consecução. Entretanto, as relações entre a pesquisa das transformações nas ciências políticas e os estudos culturais são muito mais amplas. A própria análise das transformações pode ser considerada sob a perspectiva culturológica e nela inserida, sobretudo por usar de conceitos, de aproximações teóricas e de métodos definidos na reflexão teórico-cultural ou contextualizados em determinadas situações culturais. Nas tentativas de sistematização de processos de mudança, tem-se distinguido quatro aportes teóricos: o sistemático, o estrutural, o culturalista e aquele que dirige a sua atenção aos protagonistas da transformação. Assim, em linhas gerais, uma perspectiva dirigida a sistemas volta a sua atenção primordialmente à economia e à sociedade, a orientação segundo estruturas ao Estado, às instituições e às classes sociais, os culturalistas aos fatores determinados pela religião e pela cultura, aqueles que atentam sobretudo aos protagonistas ao papel desenvolvimento pelos atores em ações políticas. O culturalismo como uma das possibilidades de aproximação teórica na consideração das transformações políticas, como o nome de conotações negativas sugere, parece poder ser visto com certa reserva, e isso se justificaria pelo fato de que todos os outros aportes possuem conotações e implicações culturais e/ou se baseiam até mesmo em reflexões teórico-culturais. A partir dessa inserção e da atual discussão teórica, pode-se até mesmo alcançar pontos-de-vista que permitem a consideração crítica dos aportes e sua diferenciação, abrindo também novas possibilidades de exames.
Análises de cunho sistemático e sistêmico na atual discussão
A consideração segundo sistemas parece ser particularmente útil quando se procura elucidar o relacionamento entre as exigências funcionais de sistemas sócio-econômicos e a formação de estruturas políticas e sociais, por exemplo examinando os processos transformatórios a partir das disfunções do antigo sistema e das possibilidades econômico-sociais do novo. Tem-se distinguido três tipos de aproximação orientada segundo análises de sistemas: a teoria de cunho sociológico mais antigo, na tradição de Talcott Parsons (1854-1931); a teoria mais recente sistêmico-autopoética de Niklas Luhmann (1927-1998) e a teoria de cunho mais especificamente politológico da modernização. A aproximação teórica baseada em Talcott Parsons caracteriza-se pela atenção dirigida à diferenciação funcional no processo transformatório de sociedades. Assim, ter-se-ia, no decorrer da revolução industrial, uma diferenciação entre economia e poder político, entre sistema político e sociedade civil, entre sistema normativo social e religião. Haveria segundo essa teoria "Universais" na evolução das sociedades, por exemplo organização de mercado e normas universais de direitos Sociedades complexas assim diferenciadas não se submeteriam a imposições autocráticas. Transformações ocorreriam a partir do reconhecimento refletido de valores e a sua internalização pelos membros da sociedade. Por essa razão, transformação política seria resultado da mudança da cultura normativa. A aproximação teórica representada sobretudo por Niklas Luhmann vai mais longe nessa concepção de diferenciação funcional. A preponderancia do sistema político sobre os demais sistemas parciais é colocada em dúvida. Esses sistemas parciais, com eficiência própria, constituiriam códigos de comunicação distintos. Estes teriam mecanismos de segurança de autonomia que protegeriam os respectivos sistemas parciais contra a ação de outros códigos. Se essa ação for imposta de forma massiça e repressiva, então ocorreria um processo de de-diferenciação, com renúncia aos aspectos positivos trazidos pela diferenciação funcional. Os sistemas parciais surgem como vinculados de forma demasiadamente estreitas à Política sob égides autoritárias, eliminando-se o código específico de comunicação das partes, levando à queda de eficiência, a crises funcionais e por fim à desestabilização. Se a diferenciação funcional dos sistemas parciais da sociedade é bloqueada, ter-se-ia como conseqüência a longo prazo uma crise de legitimação e de eficiência e, por fim, prejuízos para a estabilidade dos sistemas. A aproximação teórica designada como de Modernização tem como representante prominente Seymour Martin Lipset. Esse conceito e esse aporte inserem-se claramente na pesquisa da Democracia e da Democratização. Condição principal para o processo democratizador é vista no desenvolvimento econômico, estabelecendo-se uma relação de reciprocidade entre a evolução sócio-econômica e a capacidade democrática de uma sociedade. Tanto mais desenvolvida seria uma nação do ponto de vista econômico, tanto menor seria a possibilidade de instauração de um sistema autocrático. Quanto mais rico for um país, mais provável seria que o seu sistema fosse democrático. Haveria assim um vínculo causal entre processos de desenvolvimento econômico, social e político. Um bem-estar social mais elevado enfraqueceria diferenças de classes e de posições, extremismos políticos e fortaleceria as classes médias. Como conseqüencia, os cidadãos teriam mais interesse em se organizar em associações civís, e essas impediriam que o Estado ou outras forças dominantes monopolizassem recursos. Com base nessa descrição da situação atual dos debates no âmbito da politologia , orientada nos trabalhos segundo texto-base de Wolfgang Merkel ("Transformation politischer Systeme", H. Münkler (Ed.), Politikwissenschaft, R. b. Hamburg 2006, 2a. ed., 207 ss. 211-214), procurou-se aplicar os conceitos expostos na consideração da história dos Fugger e de sua intervenção nos processos de transformação político-social no século dos Descobrimentos e suas conseqüências históricas para a América Latina. Os estudos e debates deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).