Doc. N° 2220
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
108 - 2007/4
Tópicos multilaterais Alemanha-Brasil
Reforma como fator na história das mudanças da compreensão do mundo Exames críticos da crítica a Max Weber em aportes teórico-culturais histórico-genéticos
Wittenberg. Circuito de estudos euro-brasileiros da Saxônia-Anhalt. Trabalhos da A.B.E., junho de 2007
A.A.Bispo
Wittenberg. Circuito de estudos euro-brasileiros da Saxônia-Anhalt. Trabalhos da A.B.E., 2007. Fotos de A.A.Bispo A cidade de Wittenberg foi primeiramente visitada por representantes da A.B.E. na primeira metade da década de 80, ainda sob o regime da antiga República Democrática Alemã, sendo considerada em diferentes projetos. Tratou-se, agora, de revisitá-la no contexto das reflexões encetadas referentes ao complexo temático "Prioridade da Natureza e Teoria da Cultura".
Com essa visita, procurou-se salientar o fato de que as mudanças culturais causadas pela Reforma protestante e suas conseqüências não podem ser menosprezadas em teorias culturais da atualidade, ou seja, que as mudanças confessionais e religiosas deveriam permanecer na consciência dos estudiosos como fatores importantes a serem considerados nos edifícios teórico-culturais que tratam de transformações da concepção do mundo. Esse acontecimento de excepcional relevância na história religiosa do Ocidente e suas conseqüências no Novo Mundo não teem sido avaliados à altura em alguns aportes teórico-culturais que se fundamentam em interpretações da transformação da compreensão do mundo no decorrer da história do Homem.
Cidade-Lutero Wittenberg
A cidade de Wittenberg, que também se designa de Cidade-Lutero (Lutherstadt Wittenberg), se situa no Leste do Estado da Saxônia-Anhalt, às margens do rio Elbe, na região sul do Flämings.
A cidade tem uma longa história, sendo que um povoado de nome Wittenberg de colonos flamengos já surge em documento datado de ca. de 1180. Em 1293, foi elevada à categoria de cidade pelo duque da Saxônia-Wittenberg, o ascânio Albrecht II°. Até 1422, a cidade permaneceu na propriedade dessa família. No século XIV, graças a sua posição estratégica, a cidade se desenvolveu a importante centro comercial. Em 1423, com a extinção da estirpe dos Ascânios, passou ao domínio dos Wetinos. Em 1429, foi cercada pelos Hussitas.
O príncipe-eleitor Frederico, o Sábio, escolhendo a cidade como residência, emprestou-lhe significado supraregional e contribuiu a um florescimento econômico e cultural da burguesia local. Entre 1490 e 1525, construiu-se o atual palácio e a igreja anexa, substituindo o antigo castelo. Em 1502, fundou-se a Universidade.
Testemunhos e expressões da prosperidade da cidade são os vários edíficios dessa época, em particular a Casa do Conselho, construída entre 1524 e 1540 e as residências de L. Cranach o Velho, de Melanchthon e J. Bugenhagen.
Reformação, atividade editorial, Augusteum e origens da universidade "Martinho Lutero"
A história da cidade foi marcada pela vinda de Martinho Lutero e que ali atuou como Professor de Teologia (1508-1512). Em 1517, com a fixação das suas 95 teses na porta da igreja do palácio, deu início à Reformação. No ano seguinte, Philipp Melanchthon, novo "Praeceptor Germaniae", foi nomeado a Professor.
Em 1534, a Bíblia, traduzida por Lutero, foi impressa na cidade; aliás, a tipografia local de Hans Lufft muito contribuiu para a divulgação de escritos dos reformadores. Em 1537, Lucas Cranach, o grande pintor da Reformação, tornou-se burgomestre.
O apogeu da cidade terminou dez anos mais tarde, em conseqüência à chamada "Guerra Schmalkaldica". Com a capitulação da cidade e a prisão do príncipe-eleitor, a cidade passou ao domínio dos Albertinos. A sua posição de cidade-residência foi assumida por Dresden. Entre 1580 e 1586, construiu-se o Augusteum para sede Universidade. Esta manteve a sua importância no século XVII, apesar dos agravos sofridos pela cidade durante a Guerra dos 30 anos.
No início do século XVIII, Wittenberg foi ocupada pelas tropas suecas. Também durante a Guerra dos Sete Anos a cidade foi cercada e sofreu destruições.
Entre 1806 e 1813, Napoleão transformou-a em cidade-fortaleza. Após 1815, passou à Prússia. Dois anos mais tarde, fundou-se o seminário para pregadores no Augusteum; a universidade foi transferida para Halle e unida à universidade local, constituindo a hoje renomada Universidade de Halle-Wittenberg Martinho Lutero. Em 1821, inaugurou-se o monumento a Lutero na praça principal.
Protestantismo, "espírito do capitalismo" e Max Weber na teoria histórico genética da cultura
A necessidade de reflexões a respeito teve como motivação concreta a discussão da "Teoria histórico-genética da cultura", de Günter Dux (Historisch-genetische Theorie der Kultur. Instabile Welten. Zur prozessualen Logik im kulturellen Wandel. Weilerswist: Velbrück Wissenschaft, 2000) como levada a efeito nos vários trabalhos da A.B.E. em junho, julho e agosto de 2007 (Veja outros relatos nesta edição).
Apesar de pouco considerar a função da Reformação na mudança da compreensão do mundo na Era Moderma, o autor dessa obra formula críticas quanto a um direcionamento da sociologia que teria sido influenciado por Max Weber. Max Weber (Erfurt, 1864 - Munique, 1920), economista social e sociólogo, Professor em Berlin (1893), Freiburg i. Br. (1894-), Heidelberg (1897-1903) e em Munique (a partir de 1919), construiu um edifício teórico que reuniu aportes teóricos e históricos das Ciências Sociais, desenvolvendo a concepção de forma conceitual ideal-típica, aplicando-a nos seus estudos sociológicos.
Max Weber é considerado como o fundador da Sociologia da Religião, sendo uma de suas obras máximas dedicada à ética protestante e o espírito do capitalismo (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, 1920). Procurando superar construções históricas monocausais, dirigiu a sua atenção ao relacionamento concreto entre elementos espirituais e materiais em processos históricos e sociais. A obra de Max Weber inclui textos de Teoria da Ciência (Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, 1922), de História da Economia (Wirtschaftsgeschichte, 1923), de História Social e História Econômica (Gesammelte Aufsätze zur Sozial- und Wirtschaftsgeschichte (1924) e de Sociologia do Estado e do Direito (Schriften zur theoretischen Soziologie, zur Soziologie der Politik und Verfassung, 1947).
Na crítica atual ao "essencialismo" de Max Weber, salienta-se que uma compreensão do elo construtivo entre o desenvolvimento sócio-estrutural e cognitivo não poderia ser derivado de sua teoria, que teria absorvido um "absolutismo de valor". Sob os pressupostos absolutos de uma filosofia de valor de teor neo-kantiano não se poderia entender como os ideais que estruturam a sociedade se formariam e se uniriam aos interesses. Elas teriam a mesma origem que os interesses; elas seriam derivadas das decisões últimas, e estas não deixariam surgir a questão do processo de formação. A afinidade das idéias com as formações sociais teria permanecido intransparente no edifício de pensamento de Max Weber. Por fim, as elucidações cairiam sempre no "absolutismo dos valores culturais", assim como a decisão das preferências individuais cairiam na subjetividades de cada membro da sociedade. Teria ficado sem consideração o modo pelo qual a ética protestante ter-se-ia processado em dependência com o desenvolvimento da sociedade constatado desde a Idade Media. O "absolutismo lógico dos valores culturais" bloquearia a questão do vínculo entre dimensões e linhas do desenvolvimento. Os valores seriam compreendidos origo-logicamente e, em última instância, com uma criatividade quase divina do espírito humano.
Necessidade de exames de transformações simbólico-mediais
Nos debates, salientou-se a necessidade de um exame crítico dessa argumentação da "teoria histórico-genética da cultura". Em primeiro lugar, salientou-se que o próprio panorama histórico apresentado relativo à mudança da compreensão do mundo na Era Moderna e de seus pressupostos medievais surge como pouco diferenciado sob perspectivas interculturais e globais e, portanto, altamento questionável.
A contemporaneidade da Reforma e da Contra-Reforma com os grandes Descobrimentos e início da colonização das Américas, a ação da missão reformada sobretudo na formação cultural da América do Norte, a influência da Contra-Reforma na cristianização da América Latina, são fatos de tal evidência histórica e de tão amplas dimensões que não podem deixar de ser considerados com particular atenção em quadros que procuram traçar desenvolvimentos e detectar transformações da visão do mundo.
Embora ainda naturalmente vinculada nos seus fundamentos religiosos àquele edifício de pensamento de orientação ontológica e metafísica criticado e que se deseja superar na teoria histórico-genética, a Reforma trouxe profundas modificações na compreensão do mundo. O direcionamento à escritura, ao texto, ao senso literal, o pêso dado aos salmos - e portanto a textos do Velho Testamento -, foram acontecimentos de profunda relevância para a hermenêutica, tanto nas suas relações com a história bíblica como para a compreensão da própria história da Igreja.
A mudança da hermenêutica correspondeu, porém, como discutida em outros eventos da A.B.E., a uma modificação no pêso dado a uma compreensão tipológica da Escritura, do mundo e do Homem. Já a diferença das expressões simbólico-mediais nas culturas influenciadas pela Reforma - e a ausência de folguedos, danças e representações dramáticas de fundamentação religiosa - demonstra a relevância dessa mudança na hermenêutica para a história da cultura. Essa mudança na ordenação simbólica processou-se necessariamente em estreito vínculo com uma mudança na compreensão do mundo, e todas as tentativas de exame de uma lógica processual necessitariam levá-la em consideração.
Com base nessa deficiência fundamental na argumentação da teoria histórico-genética da cultura, cujas origens se encontram por último nas suas bases conceituais (Veja outros textos nesta edição), as críticas referentes a Max Weber perdem grande parte de sua justificação. Se reexames de posições da sociologia da religião weberiana tornam-se necessários, esses precisariam partir de outras bases epistemológicas e de considerações mais diferenciadas do desenvolvimento histórico.
Os trabalhos tiveram e terão prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).