Doc. N° 2223
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
108 - 2007/4
Tópicos multilaterais Polonia-Brasil
Lógica no desenvolvimento de sociedades e o Poder em teorias culturais Diferenciação de perspectivas
Swinoujscie, Polonia. Trabalhos da A.B.E. 2007
A.A.Bispo
Swinoujscie. Trabalhos da A.B.E. Fotos A.A.Bispo A cidade de Swinoujscie (Swinemuende), na Polonia, apresenta-se a si própria como um centro urbano de acentuada internacionalidade e abertura cultural. Situada na fronteira da Alemanha, não distante de países escandinavos, a história cultural local caracteriza-se pela mudança de seus relacionamentos com outros centros culturais e pela mudança na inserção política da cidade na esfera de poder alemã e/ou polonesa. No âmbito do programa de estudos pomerano-brasileiros da A.B.E., de 2007, incluiu-se Swinoujscie no rol das cidades consideradas e que serviram para a discussão contextualizada de questões teórico-culturais de relevância para os estudos interculturais sob a perspectiva euro-brasileira.
Mudanças de estruturas sócio-culturais e lógica de desenvolvimento
A sua disposição geográfica, situada sobre 44 ilhas, cortada pelo estreito marítimo do Swina, que ali forma o delta, faz de Swinoujscie uma cidade marcada pelas águas e pela vida marítima. Porto de importância no passado e no presente, dominado pelo mais alto dos faróis do Mar Báltico, a sua história remonta a povoações de pescadores e remeiros que, na Alta Idade Média, ajudavam aos comerciantes a atravessar o rio. Sob o govêrno prussiano, no século XVIII, a cidade foi implantada e ampliada a porto de escoamento dos produtos do país, libertando-se assim do pagamento de taxas exigidas pelos suecos que então dominavam o porto de Wolgast. A história de Swinoujscie, a partir de meados do século XIX, foi marcada pelo pela sua transformação em cidade-balneárea. Tendo adquirido essa qualificação já em 1824, Swinoujscie tornou-se a segunda cidade balneária do Mar do Báltico e, assim, uma das primeiras do gênero no mundo. A cidade transformou-se na principal cidade de veraneio marítimo da Prússia e um dos polos da vida mundana do império. Em fins da Segunda Guerra Mundial, em ação bélica sem sentido, a cidade foi arrasada em bombardeio aéreo americano, causando grande quantidade de mortes entre aqueles que, fugindo do Leste, alí procuravam refúgio. A difícil reconstrução do porto e da cidade sob a govêrno polonês levou a uma gradual recuperação do significado da cidade também como centro turístico. A administração local procura fomentar hoje programas culturais e eventos que contribuem à difusão de uma imagem da cidade marcada por cosmopolitismo, inclusive editando jornais em alemão. Os grandes parques com plantas exóticas mandadas vir no passado do Mediterrâneo pelo renomado diretor geral dos jardins prussianos, Peter Joseph Lenné, as alamedas com vilas e mansões que restaram da época áurea do balneário, e as fortiticações históricas servem como uma moldura provinda do passado a concertos, festivais e eventos desportivos. Entre êles, salientam-se os Dias do Mar do Leste, com festas juninas e marítimas, e o festival popular "Verão na Swine". O visitante que entra em Swinoujscie a partir dos balneários da parte alemã, porém, percebe as dificuldades que a cidade teve de enfrentar com a sua separação dessas regiões. Ao contrário do que as impressões sugerem, o desenvolvimento histórico da vida sócio-cultural mundana, hoje tão acentuada na parte alemã, partiu do antigo Swinoujscie. A impressão de progresso e de abertura, o espírito empreendedor são percebido sobretudo por aquele que vem do Leste.
Swinoujscie oferece, assim, possibilidades de experiência concreta da relatividade nos critérios na consideração de centros culturais e de seu florescimento, da temporalidade de épocas de apogeu da vida sócio-cultural, do deslocamento de centros da vida mundana do centro para zonas anteriormente marginais e de tentativas de reconstrução de uma imagem perdida através de uma política cultural dirigida ao fomento de atividades diversas e à internacionalidade. Ao mesmo tempo, procura-se acentuar uma identidade polonesa da cidade através do fomento da música popular tradicional. Swinoujscie oferece, sobretudo, condições particularmente favoráveis para reflexões relativas a um conjunto de questões que muito marca teorias culturais de fundamentação sociológica da atualidade e que se referem ao Poder como meio organizador da estrutura da sociedade ou de sua lógica.
O Poder em teorias culturais de diretriz sociológica
Na teoria histórico-genética da cultura, agora em discussão, o conceito de Poder - de central relevância já há muito em correntes de orientação sociológica do pensamento - recebe particular pêso na argumentação teórica relativa a situações culturais de mudança. O Poder é considerado aqui como o medium de comunicação determinativo por excelência, organizador da estrutura da sociedade. Estabelecendo-se uma diferença entre o papel do Poder em comunidades familiares e aquele de estruturas sociais mais amplas, afirma-se que, embora as comunidades familiares também sejam determinadas por esse meio, nelas o Poder é transpassado pelo meio Moral como forma da razão social. Fora das pequenas comunidades da vida quotidiana, a ordem social seria determinada quase que em crescimento natural por aquilo que ter-se-ia desenvolvido sob as condições da ordem de potenciais de poder e se estabelecido como normativo. Nessa condução do pensamento, surge como de especial significado o constatar que o processo, no qual as estruturas sociais se transformam, seria colocado em movimento por atores reais e esses seguiriam interesses de afirmação de seus potenciais de Poder na sociedade e de sua ampliação quando se desenvolvem relações competitivas.
Poder e a noção de construtividade
A aplicação dessa convicção na reflexão teórico-cultural se faz através do conceito de construtividade. Possibilidades para a afirmação e o incremento de Poder se encontraria, segundo essas concepções, na reflexividade da própria construtividade. Daquilo que se teria formado em estruturas e competências de ação surgiriria a consciência para que o indivíduo se eleve acima do status quo. O uso da força de trabalho dos outros é apontado aqui como procedimento mais usado e a organização da força de trabalho teria colocado a história em movimento. Assim, o que se iniciaria como aumento da competência de organização e potencial no sujeito e no agente, se extenderia à sociedade. O nível de organização se determinaria segundo a amplidão e a intensidade com os quais a liderança da soberania organizaria e dirigiria os potenciais de ação dos submetidos. Expressão manifesta seria a organização da produção para os objetivos da liderança, ou seja, a mobilização dos recursos. Seria a-histórica uma teoria de mudança social que consideraria as passagens de épocas como conseqüência de problemas de direção do Poder, como se estas tivessem levado a estratificações através de diferenciações funcionais e hierarquizações. O Poder surge, assim, nessa argumentação, como motor do desenvolvimento naquilo pelo qual a sociedade se forma comunicativamente nas suas estruturas. O interesse pelo Poder não representaria, porém, apenas um momento sócio-psicológico. Como meio de comunicação generalizado, o Poder determinaria aquilo a que os membros da sociedade se voltam na comunicação e interação social. A reflexão prática sobre as possibilidades e a sua utilização faria avançar o processo de desenvolvimento da sociedade. Tanto o motor como as formas de organização modificar-se-iam-se com o nível de organização. O Poder como simples forma de auto-afirmação, como no caso de sociedades em nível de subsistência da caça e de coletadores, não necessitaria ser muito refletido, pois estaria próximo à constituição orgânica. O Poder sob as condições da produção agrária já surgiria como uma forma refletida, pois visaria a acumulação. Ela se traduziria numa forma do medium de comunicação segundo o qual a aceitação dos potenciais de Poder que cada um possui se inseriria nas relações do intercâmbio social. Para a organização de soberania de Estado, porém, não se aproveitaria apenas as condições da supra-produção. Essa utilização seria refletida à luz do tipo de hierarquização já alcançado. O uso da organização social faria surgir uma espécie de Logística na organização de Poder até então não existente. A competência de organização poderia ser intensificada por se fundamentar nas relações anteriormente criadas; ela se concretizaria porém através de um processo de reflexão prática. O processo de aumento da competência de organização e do seu nível poderia ser compreendido como um processo de racionalização, pois poderia ser considerado a partir dos pressupostos estabelecidos pelos objetivos estratégicos dos atores. Ainda que as estruturas da sociedade se formem emergentemente, as formas de organização estrutural se constituem no horizonte da ação estratégica dos atores. Com o desenvolvimento da economia de mercado e da sociedade correspondente, a concatenação de redes de potenciais de ação de muitos produtores ultrapassaria as fronteiras. A diferenciação da economia teria um paralelo na diferenciação política. Diferenciação e sistematização dos subsistemas possibilitariam uma elevação da racionalidade na sociedade capitalista. Mais uma vez, a forma da reflexão prática determinaria a evolução. Na reflexividade maior da Era Moderna encontrar-se-iam os princípios fundamentais determinadores do desenvolvimento sócio-cultural.
Crítica da argumentação. Necessidade de maiores diferenciações
Nas reflexões encetadas, considerou-se que o caminho de pensamento aqui esboçado parece oferecer, de fato, possibilidades elucidativas para a compreensão de desenvolvimentos sócio-culturais. No caso da contextualização das reflexões em Swinoujscie, considerou-se, por exemplo, a dependência do desenvolvimento histórico local das relações de poder em nivel mais abrangente, de seu crescimento como porto e ponto estratégico no campo de tensões político-militares acompanhando o crescimento de poder da Prússia, das profundas mudanças sociais e culturais ocorridas com a transformação do cenário político que desvinculou a cidade de Berlim e reorientou-a segundo Varsóvia e, nos últimos anos, a reintegração no contexto europeu ocidental. Entretanto, o fato de Swinoujscie ter tido o seu apogeu sobretudo como centro balneário e de vida de lazer e cultural no passado, e os esforços atuais de recuperar essa posição, facilitou contextualmente o redirigir da atenção a problemas da argumentação e do edifício teórico proposto e que indicam uma limitação de perspectivas e insuficiente reflexão. Em princípio, apontou-se um certa similaridade quanto aos fundamentos no tipo de argumentação proposto com aquele relativo ao desenvolvimento social e do Homem dominante no Leste em passado recentemente superado. Haveria, certamente, distinções a serem feitas entre os enfoques, entretanto, similaridades poderiam ser encontradas sobretudo em nível mais abstrato e/ou de base conceitual nos edifícios teóricos.
Liberdade da vida operária como motor e a vida conemplativa
O apogeu da vida sócio-cultural de Swinoujscie como balneário não representou extensão ou expressão supra-estrutural do seu desenvolvimento como polo militar-estratégico e portuário. Foi essa vida social marcada pela libertação ainda que temporária das preocupações competitivas que caracterizou predominantemente a imagem de um passado da cidade e que hoje surge até mesmo idealizado. A predominância da vida operária segundo paradigmas ideológicos do passado recente surge como uma época obscura na história local. Ter-se-ia aqui um caso contextualizado do antigo problema das relações e de predomínio entre as esferas ativa e contemplativa - embora no caso secularizada - na vida social.
Correspondentemente à antiga tradição de pensamento - e de fundamentação bíblica já na Genesis -, a vida contemplativa é primordial, não secundária, encontra-se porém constantemente ameaçada por aquela vida ativa que pode assumir a predominância e levar a um estado de degeneração nas relações sociais pela procura de Poder, ao aumento das desigualdades e da violência.
Essa concepção consuetudinária pode ser analisada de modo a dela se tirar aportes críticos à necessária diferenciação do modêlo teórico proposto. O panorama apresentado do desenvolvimento no qual o Poder surge como meio de organização da estrutura social e da sua lógica não pode ser considerado como uma explicação definitiva, como expressão de um conhecimento de natureza quase que científico-natural a ser constatado pela experiência, uma vez que a própria experiência da humanidade, manifestada em antigos edifícios conceituais já a situaram num quadro mais amplo.
Os mecanismos descritos, resultantes da auto-afirmação e da competitividade e que levariam ao desenvolvimento através da refletividade quanto ao aumento de competências de Poder correspondem, no quadro já traçado no passado, apenas à esfera da vida ativa e que, se predominante no contexto global da sociedade, caracterizaria uma fase de deturpação nas relações sociais.
Tratar-se-ia, portanto, da questão da submissão da esfera social determinada pelos mecanismos descritos pela "teoria histórico-genética da cultura" sob o predomínio de outra esfera, e a análise dessas relações na sua dinâmica e instabilidade consistiria objeto dos estudos culturais. Uma teoria da cultura não se pode basear no caminho da argumentação segundo o edifício teórico proposto e que salienta a refletividade na procura de aumento de Poder como motor do processo; o seu objetivo deveria ser elucidar as relações dinâmicas daquilo que definiria propriamente a cultura: significaria dirigir a atenção ao controle daqueles mecanismos detectados por uma visão orientada segundo o conceito de Poder e que levaram à descrição de uma situação que, antes de ser expressão de um desenvolvimento cultural, significaria antes expressão de involução cultural e degenerência das relações sociais. Tudo indica, portanto, mais uma vez, que a noção de Cultura utilizada em propostas teórico-culturais da atualidade de cunho "histórico-genético" e que dão ao Poder significado de conceito-guia necessitaria ser melhor refletida e elucidada. Para o analista cultural, sobretudo para aquele que se dedica ao estudo de relações interculturais, o modêlo proposto mostra-se útil sobretudo sob um aspecto crítico: êle parece oferecer indicativos para a compreensão de situações culturais - e das relações sociais entre os próprios estudiosos - que, de fato, parece predominar na atualidade e que poderiam ser consideradas como éticamente questionáveis. Os trabalhos foram e serão prosseguidos em outros contextos.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).