Doc. N° 2224
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
108 - 2007/4
Tópicos multilaterais Itália-Brasil
História das explorações geográficas e memória da natureza Giacomo Bove (1852-1887) e as Sete Quedas de Guaíra
Savona e Gênova. Trabalhos da A.B.E.
A.A.Bispo
Savona. Trabalhos da A.B.E. Fotos H. Hülskath Gênova. Trabalhos da A.B.E. Fotos H. Hülskath No âmbito das atividades desenvolvidas pela ABE por ensejo da passagem dos 25 anos do desaparecimento das Sete Quedas de Guaíra, dedicou-se especial atenção à memória desse perdido monumento do patrimônio natural do Brasil e à sua posição na história cultural da Humanidade. Como mencionado em outros relatos desta edição, o estudioso surpreende-se pela relativa pobreza de registros e dados relativos às Sete Quedas, ou seja, essas cataratas, após milênios, desapareceram para sempre sem deixar quase rastros na memória do Homem. Várias são as razões dessa singular e lamentável deficiência, muitas delas sobretudo de natureza histórico-cultural, por exemplo a infeliz situação das cataratas entre áreas de influência de conflitantes potências coloniais no passado e as conseqüências daí derivadas para o estabelecimento de laços emocionais e de identificação.
Um dos aspectos particularmente considerados foi a relativa ausência das Sete Quedas de Guaíra na literatura de viagens, um repertório amplo de publicações de diferentes níveis e objetivos que muito contribuiu à divulgação de conhecimentos de regiões extra-européias na Europa e, indiretamente, a sua difusão nos próprios países visitados. Nem na literatura de cientistas naturais, nem naquela de caráter mais popular surgem as Sete Quedas na relevância que teriam merecido, dela quase não se publicaram fotos, gravuras, quase não inspiraram poesias e obras de arte e de música.
Deu-se especial atenção à época da história dos conhecimentos geográficos e culturais que ficou marcada pela exploração científica dos grandes rios, em geral à prócura de suas fontes, tão freqüentemente marcadas por mistérios, fossem as do Nilo ou as do Amazonas. De fato, é nesse contexto de investigações fluviais que se inserem as Sete Quedas na história hidrográfica e geográfica da Europa. Também aqui, porém, a presença das cataratas é relativamente modesta, em parte por não se tratar de descobrimento, uma vez que já eram conhecidas há muito, em parte por ter sido o seu explorador um viajante que apenas agora começa a ser considerado na história das viagens de descobrimentos e pesquisas do século XIX: Giacomo Bove. A posição relativamente secundária das Sete Quedas na história geográfica corresponde aqui à posição até hoje pouco valorizada do viajante: a questão da justiça histórica coloca-se aqui tanto com relação ao monumento natural como com relação ao cientista-observador. Espera-se que, com a descoberta de novas fontes de autores até hoje pouco considerados se possa enriquecer a memória da Humanidade com relação ao bem natural perdido.
Estudos de Giacomo Bove
Por ocasião da VII Settimana della Cultura em Savona, a 17 de maio de 2005, Bruno Barba, antropólogo da Universidade dos Estudos de Genova, proferiu uma conferência de título "Per mari e per terra: Giacomo Bove e i suoi trofei di viaggio". Os materiais são conservados nas coleções de Savona e representam atualmente objeto de estudos do Departamento de Ciências Gloto-Etnológicas da Universidade de Gênova.
A divulgação da obra de Bove, o fomento de seu estudo e o cultivo de sua memória têem sido promovidos na atualidade sobretudo pelo Museu Giacomo Bove em Maranzana, localizado na sua casa natal.
Também sob a perspectiva dos estudos histórico-culturais relativos às Sete Quedas, cumpre contextualizar a viagem de G. Bove ao Paraná na sua época e considerá-la a partir dos pressupostos de sua formação cultural, inserindo-a num contexto histórico mais amplo da história das viagens do mundo mediterrâneo.
Savona e Gênova nos estudos culturais do mar
A capital da província de Savona, no Norte da Itália, na Riviera di Ponente, é uma cidade portuária e industrial, cuja internacionalidade tem sido hoje salientada pelo fato de ser ponto de partida de numerosos cruzeiros do Mediterrâneo. Os turistas pouco percebem a face cultural da cidade, a sua significativa pinacoteca, a sua vida teatral e, sobretudo, a sua tradição de estudos náuticos. São justamente estas pesquisas marítimas que adquirem especial interesse para os estudos culturais em contextos internacionais. Os estudos relacionados com o mar, nos seus diferentes aspectos, desenvolvem-se compreensivelmente sobretudo em cidades portuárias, sendo que muitas delas se transformaram em centros de estudos de viagens dos descobrimentos, de explorações e assuntos afins. Essa vocação natural de cidades marítimas une-se ao cultivo da memória de um passado local, de modo que várias cidades européias desenvolveram uma imagem caracterizada pelo passado da navegação e da vida náutica à luz dos vultos e dos empreendimentos vinculados com a sua própria história. Os estudos interculturais assumem, naturalmente, aspectos particulares de acordo com a perspectiva dos portos em questão.
Esse passado náutico de Savona remonta à Antigüidade, à cidade de Savo, destruída pelos langobardos no século VII. Relativamente cedo a sua população conseguiu libertar-se de jugos feudais, teve porém sempre de competir com a próxima e mais poderosa Gênova. No século XVI, foi por esta absorvida, e o seu patrimônio arquitetônico manifesta a presença e dominância cultural genovesa.
Para os estudos das relações entre a Europa e o continente americano, Gênova e sua região assumem posição de fundamental importância devido ao papel desempenhado por navegantes genoveses na História dos Descobrimentos. A atenção dirige-se, naturalmente, em primeiro lugar a Cristóvão Colombo.
Entretanto, o interesse da região para o estudo da história de contactos e de relações culturais não se limita à Idade Média e ao Renascimento. Sobretudo no século XIX, em contextos da imigração italiana, de iniciativas coloniais e de expansão, navegantes que ali receberam a sua formação e dali partiram desenvolveram também trabalhos de exploração em regiões não-européias e que apenas aos poucos se tornam conhecidos e estudados.
Giacomo Bove
Giacomo Bove nasceu em Maranzana (AT), a 23 de abril de 1852. A sua formação escolar deu-se entre Maranzana e Acqui Terme. Estudou na academia naval de Genova, formando-se em 1872. Como oficial aa Marinha Real, realizou viagens através do mundo em navios italianos que se dirigiam às várias regiões com fins comerciais e coloniais. Em 1873, realizou uma expedição ao Extremo Oriente, na corveta Governolo. Explorou as Maledivas, Borneo, Manilla, Hong Kong, o Rio Azul, a China e o Japão. Como hidrógrafo, participou da expedição de 1878/79 de Adolf Erik Nordenskjöld que procurava um caminho marítimo do Norte ao Lesta das regiões polares e o alcance do Oceano Pacífico através do estreito de Behring. O sucesso da expedição trouxe o reconhecimento público a G. Bove. Além de condecorações da Itália, recebeu o título de Cavaleiro da Ordem de Danebrog do rei da Dinamarca. (The voyage of the Vega round Asia and Europe, Adolf Erik Nordenskjöld, London, 1881)
Em nova expedição (Negri-Bove), formada por estudiosos italianos, o seu interesse dirigiu-se à Antártida. A Argentina apoiou o empreendimento, dentro do qual se realizaram duas viagens. A primeira, em 1881/82, explorou a Pagatônia e a Terra do Fogo. A segunda, em 1883/94, explorou o território argentino de Missões, o Paraguai, o curso do rio Paraná-Iguaçu, a região brasileira de Guairá e do Mato Grosso, a Patagânia e a Terra do Fogo, até o Cabo Horn. Abandonou a idéia de explorar a Antártida, uma vez que, na Europa da época, as atenções se dirigiram sobretudo para a África. Em 1885, partiu com uma representação do governo italiano com a expedição inglesa ao Congo. Percorreu o curso desse rio até as Cascatas de Stanley.
Adoecendo em 1886, se dimitiu da Marinha, assumindo a direção da companhia de navegação La Veloce. Em 9 de agosto de 1887, em Verona, pôs fim à sua existência. Em Terme, onde está sepultado, levantou-se um monumento em sua memória, em 1908, obra do escultor Eugenio Baroni.
G. Bove e as Sete Quedas
A visita de Giacomo Bove a Sete Quedas do Guaira deu-se no âmbito da sua segunda expedição à América do Sul. Partiu de Gênova no dia 3 de julho de 1883, a bordo do navio Messaggero. colocado à disposição da companhia Lloyd Argentino. O objetivo dessa expedição era a pesquisa do território das Missões entre os rios Iguaçú, Paraná, Paraguai e Pepiri-Guaçú.
Os exploradores percorreram o Paraná até Posadas, de lá seguiram até o rio Iguaçú. Explorando o território do Alto Paraguay, o curso do Paraná, por terra e pelo rio, alcançaram a cascada de Guaira. A seguir, percorreram o Iguaçú até a cascata Vitória.
De retorno a Buenos Aires, partiu para a Terra do Fogo com a nave Valparaíso, no dia 29 de janeiro de 1884. Teve contato com os patagônios e realizou estudos culturais. Retornou à Itália com 25 caixas de materiais antropológicos, etnográficos, zoológicos e botânicos.
Da expedição participaram a sua mulher, Edmondo De Amicis e nada menos do que Sarmiento, posteriormente presidente da Argentina.
O relato da viagem de 1883 foi publicado pela Rivista Marittima (1884, págs 403-446; 1885, págs. 93-122, 227-255, 371-383), contendo uma introdução histórica e vários mapas em desenhos de Bove e Davidson. Oferece um esboço do Alto Paraná com traçado de relêvos do engenheiro Lincisa e dele próprio.
Os trabalhos deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).