Doc. N° 2236
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
108 - 2007/4
Tópicos multilaterais Alemanha-Brasil
Análise Cultural e Teoretização da Cultura
Retiro de estudos em Derenburg. Trabalhos da A.B.E. 2007 Circuito de estudos euro-brasileiros da Saxônia-Anhalt
A.A.Bispo
Vila-castelo de Derenburg, Alemanha Circuito de estudos euro-brasileiros de Sachsen-Anhalt. Retiro da A.B.E., junho de 2007 No âmbito do circuito da Saxônia-Anhalt da A.B.E. realizou-se, em junho de 2007, na vila-castelo de Derenburg, um retiro para a reflexão sobre questões metodológicas e de orientação conceitual dos estudos culturais euro-brasileiros.
Derenburg
A pequena cidade de Derenburg, situada na parte norte da região que precede a zona montanhosa do Harz, próxima de Halberstadt, remonta ao século X, possuindo alguns edifícios históricos significativos, por exemplo a igreja da SS. Trindade e a Casa do Conselho. De particular interesse histórico-cultural é o passado artesanal e industrial da cidade, sobretudo no que diz respeito à manufatura em vidro, alí ainda praticada segundo tradição milenar. Expressão da prosperidade alcançada por proprietários de bens industriais e agrícolas locais e de elevação social em fins do século XIX é uma vila-castelo em estilo ecleticista, de grandes dimensões, que se eleva à entrada da cidade e que chegou a receber a visita de membros da antiga família imperial alemã no período anterior à Primeira Grande Guerra. Hoje, recuperada por particulares, apresenta uma coleção de documentos que testemunham a conturbada história do edifício no decorrer do século XX. Sob o regime da antiga República Democrática Alemã, foi utilizado também como residência para estudantes e trabalhadores provenientes de países não-europeus em vias de desenvolvimento.
Objetivos
Uma constante reavalização dos caminhos seguidos e das questões tratadas, freqüentes exames críticos dos próprios trabalhos e de suas bases representam uma necessidade para a definição ou redefinição de complexos temáticos e de perspectivas no trabalho científico.
Se os estudos euro-brasileiros, no escopo da A.B.E., necessitam ter um cunho científico, renovando e revendo, sob novas condições e enfoques, estudos até hoje desenvolvidos sob perspectivas bi-laterais, então exigem particulares esforços de reflexão e crítica de conceitos, perspectivas e métodos.
Não se tratando, ainda na linha preconizada pela A.B.E., absolutamente de representação cultural de países, - tarefa de diplomatas -, nem de difusão de expressões da cultura brasileira, - área em que atuam artistas plásticos, músicos e esportistas -, nem de fomento de intercâmbio cultural e de troca de informações, - campo de trabalho de sociedades bi-laterais, de fundações políticas e de diversas outras organizações -, e não aceitando-se como apropriada e legítima a mistura dessas diversas áreas de competência, atribuições, atividades e interesses, o desenvolvimento de um ramo específico de estudos euro-brasileiros com caráter científico pressupõe a discussão de seus pressupostos teóricos e métodos. Uma das propostas básicas - e pioneiras - da A.B.E. diz respeito à superação de uma unilateralidade nas perspectivas e na colocação de questões relacionadas com o Brasil na Europa, unilateralidade que se pode constatar, em geral, no trabalho de institutos e disciplinas que se dedicam a assuntos brasileiros, em sociedades bi-laterais e em revistas informativas voltadas à América Latina ou, em especial, ao mundo lusófono.
O tratamento de questões culturais brasileiras, o comentário de obras da literatura, das artes plásticas e da música do Brasil, o acompanhamento com textos e com palavras de exposições e concertos de artistas brasileiros, a realização de festas "típicas", tais como festividades juninas em universidades, a organização de eventos culturais e científicos por especialistas e organizações européias podem ser considerados como manifestações de simpatia e interesse por parte de não-brasileiros para com a cultura do Brasil e de consciência pátria e de conservação de identidades por parte de brasileiros residentes no Exterior.
Tais atividades, porém, deveriam ser vistas, segundo os objetivos da A.B.E., como apenas uma das faces da medalha, ou melhor, como um dos lados de uma cooperação realmente recíproca no alcance de conhecimentos e no avanço da ciências do Homem.
Os estudos culturais e interculturais deveriam ser complementados pelo interesse do lado brasileiro por fatos, processos e questões culturais dos diversos países europeus e da Europa no seu todo, e esse procedimento recíproco, que relaciona a Brasilianística com os Estudos Europeus, deveria ocorrer tanto na Europa como no Brasil.
Por essa razão, um dos caminhos percorridos pela A.B.E. tem sido o de fomentar o desenvolvimento da reflexividade de questões teórico-culturais de relevância para ambos os lados de forma contextualizada em cidades e regiões da Europa e do Brasil, ou seja, promover o tratamento de assuntos teóricos a partir e à luz das observações feitas de forma concretizada em casos específicos e na vivência sensível das particulares situações.
Não se trata, portanto, nesses trabalhos realizados na Europa e no Brasil, de se encontrar somente laços históricos que vinculam cidades e personalidades dos países europeus com o Brasil, detectar nomes de pesquisadores europeus que atuaram no Brasil e vice-versa, e/ou estudar processos migratórios. Trata-se também, e prioritariamente, do debate de questões teórico-culturais mais abrangentes ou fundamentais, focalizadas entretanto a partir de pontos de observação contextualizados em determinadas situações, no Brasil e na Europa. Esse intento da A.B.E., porém, que a caracteriza e que foi por ela primeiramente definido, coloca questões teóricas e metodológicas que necessitam ser levantadas e consideradas. Nele se integram problemas de observação analítica de fatos e processos culturais constatáveis nos diferentes contextos e teoretizações da cultura. Torna-se necessário refletir acerca das distinções e das relações de interferência entre análise e teoria.
Foi essa a problemática que esteve no centro das atenções nas reflexões encetadas em Derenburg.
Análise Cultural e edifícios teóricos
Análise de fenômenos e processos culturais não é o mesmo que Teoria da Cultura. O pesquisador que se dedica a análises parte da observação de fenômenos e processos, constâncias e transformações, procura identificar estruturas e mecanismos, descobrir significados e relações de sentido, constatar ou não vigência de sistemas conceituais subjacentes, e considerar interações entre complexos sistêmicos e processuais. Êle procede metódicamente e reflete continuamente acerca os seus próprios pressupostos conceituais e procedimentos.
Uma alta refletividade deve caracterizar o trabalho analítico. Uma contínua atenção a possíveis projeções de modêlos explicativos, de conceitos pré-concebidos, de um repertório de formas de classificação e organização deve evitar que a análise se reduza à constatação ou à confirmação de estruturas de pensamento e modêlos elucidativos estabelecidos apriorísticamente.
Nesse procedimento de análise cultural, o pesquisador se aproxima por assim dizer da atitude de um cientista natural, de um biólogo, de um químico. O extraordinário desenvolvimento das ciências naturais nos últimos séculos foi sobretudo devido a essa aproximação empírica, indutiva e experimental, à procura e verificação de mecanismos, processos, regularidades, causas e efeitos, superando posições que partiam de edifícios teóricos pré-estabelecidos e que levavam antes a procedimentos dedutivos. Nesse sentido, o estudioso cultural que se dedica à pesquisa e à análise merece ser designado como cientista cultural com o mesma legitimação que um cientista natural assim se qualifica. Os estudos científico-naturais levam à procura e à formulação de leis que orientarão novas pesquisas, à construção de edifícios teóricos e à formulação de paradigmas de pensamento condutores. Estes, porém, devem estar constantemente sujeitos a verificações, e as leis formuladas devem ser continuamente sujeitas a comprovações, procurando-se permanentemente possíveis razões que as possam revogar. Jamais deveriam os edifícios teóricos resultantes do trabalho científico-natural levar ao estabelecimento de ideologias ou de sistemas de concepções tidas por absolutas e imutáveis, pois isso significaria um novo retorno a princípios de dedutividade. A certeza da permanente possibilidade de constatação de êrros e, sobretudo, de mudança de paradigmas deveria permanecer uma garantia para o avanço dos conhecimentos científicos. Reflexões similares podem ser feitas com relação à ciência da cultura. Os fatos e mecanismos constatados, os resultados dos exames e de suas conseqüências devem ser considerados sempre como de validade possivelmente temporária, sujeitos a retificações e refutações, e o intuito do próprio pesquisador deve ser continuamente o de procurar fatores que possam colocar em questão as conclusões e formulações resultantes. Ele deve sobretudo estar atento em permanentemente verificar se aquilo que observou ou constatou realmente nunca foi observado antes; deve, assim, continuamente situar os resultados de suas pesquisas em processos históricos da conquista de conhecimentos guiado por um imperativo ético no trabalho profissional relativamente a estudiosos do passado e do presente.
Diferentemente procede em geral um teórico da cultura com relação ao método de conquista e elaboração de conhecimentos. Não necessariamente um pesquisador e analista, utiliza-se antes dos resultados de análises para a construção de um edifício teórico, dando especial atenção à coerência e à lógica do construto, propondo-o como uma teoria da cultura que pode orientar ações pragmáticas, por exemplo na educação e na política cultural. Também aqui a consciência da vulnerabilidade da teoria - e a obediência ao imperativo ético - deveriam permanecer constantemente vivas.
Pelo que tudo indica, esses cuidados auto-críticos na formulação de teorias e na diferenciação sensível de suas relações com a análise cultural, em diversos níveis, não estão sendo observados com o necessário rigor em algumas propostas teórico-culturais e orientação basicamente sociológica da atualidade e que estabelecem uma vinculação da discussão cultural ao desenvolvimento evolutivo-natural.
O tratamento de questões teórico-culturais gerais a partir de situações contextualizadas em países europeus e no Brasil, correspondentemente à proposta da A.B.E., necessita portanto considerar criticamente tais possíveis deficiências em determinados aportes teórico-culturais contemporâneos para que as análises de processos interculturais não sejam orientadas segundo conceitos e edifícios teóricos inadequados. Os trabalhos da A.B.E. nos meses de julho e agosto de 2007 foram basicamente dedicados à discussão desse conjunto de problemas a partir de leituras críticas da assim-chamada Teoria histórico-genética da cultura. Esta edição inclui relatos de vários complexos de questões abordados.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).