Doc. N° 2213
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107 - 2007/3
Tópicos Multilaterais Alemanha-Brasil
Cultura popular e língua da Baixa Alemanha sob a perspectiva dos estudos da imigração e da história intercultural de mentalidades
Altentreptow: À procura do universo cultural de Fritz Reuter (I). Jornadas da A.B.E. Circuito de estudos euro-brasileiros de Mecklenburg e Pomerânia Ocidental. A.B.E.
A.A.Bispo
"'Quem quiser compreender o poeta deve ir à sua terra', diz a a palavra de Goethe. Para quem vale ela mais do que para o poeta do dialeto? Já o seu surgimento significa que a individualidade, por assim dizer a personalidade de uma minoria original deseja expressar-se; que uma reciprocidade misteriosa, por longo tempo silenciada, inconsciente de país e povo, natureza e história humana, até então agindo no silêncio, está lutando pela sua própria presença". (Adolf Wilbrandt, "Fritz Reuters Leben und Werke", Fritz Reuters Werke, 2 vols., Doetinchem: Weißenturn, 1-34,1)
No sentido dessas palavras introdutórias de uma antiga edição de escritos de Fritz Reuter (Stavenhagen 1810, Eisenach 1874) trazida por colonos alemães ao Brasil, a A.B.E. realizou visitas a cidades e regiões alemãs particularmente relacionadas com a vida daquele escritor. Tratou-se de procurar elementos que permitissem a contextualização da obra e a sua análise cultural adequada sob a perspectiva de sua função e da influência que teria exercido em círculos de imigrantes alemães no Brasil.
Exemplares antigos de obras de Fritz Reuter, encontrados em diferentes regiões de antiga colonização alemã no Brasil, indicam a sua popularidade e divulgação. Para o pesquisador brasileiro, porém, mesmo para aquele com conhecimento do idioma alemão, o nome de Fritz Reuter pouco significa. Além do mais, com os conhecimentos do idioma erudito, o estudioso não se encontra em condições de ler os livros encontrados, uma vez que são escritos em dialeto baixo-alemão.
Os estudos culturais de contextos da imigração e colonização não podem negligenciar o fato de que considerável parcela dos imigrantes que vieram para o Brasil no século XIX provinha de camadas mais modestas, de regiões empobrecidas e afastadas dos grandes centros da Alemanha. entre outras do Norte e do Nordeste, da Baixa Alemanha, e que se utilizava na fala quotidiana da forma popular de expressão do alemão.
Em regiões nas quais houve uma certa homogeneidade na constituição das comunidades, e sobretudo no âmbito familiar e nos círculos mais estreitos de relações, a forma popular de expressão continuou a ser praticada e transmitida às gerações futuras. Os filhos de imigrantes não se confrontavam apenas com o problema do aprendizado do português. Muitas vezes, nas escolas alemãs, tinham de lutar com as dificuldades de entender e de aprender uma língua que seguia as normas eruditas.
Não se trata, porém, apénas de uma questão da linguagem. A fala estava inserida em contexto cultural diferenciado, implicava em associações diversificadas, em atitudes e modos de pensar e de se exprimir identificados com determinadas regiões. Trata-se, portanto, muito mais do que o estudo de extensões, de recepção. da permanência ou de transformações de formas da língua alemã no Brasil. O campo de estudos é mais amplo do que o da filologia. O seu tratamento adequado deve partir de uma perspectiva científico-cultural refletida quanto a seus conceitos e seus métodos.
A pesquisa de dialetos ou de formas populares de expressão sempre fêz parte integrante dos estudos da cultura do povo ("Volkskunde"); hoje, deve passar a ser desenvolvida sob as novas perspectivas teóricas possibilitadas pelos estudos culturológicos, sobretudo aquelas dirigidas a processos de formação de identidade e de diferenciação de grupos, sobretudo de minorias. Nessen sentido, os esforços no sentido de pesquisa e cultivo de formas dialetais ou não-conformes com normas consideradas cultas perdem muito de sua delimitação regional e de estreitas conotações passadistas.
Essa abertura de visões e caminhos apenas pode ser alcançada através uma orientação dos estudos dirigida a processos históricos globais e interculturais. A análise de situações nas antigas zonas de imigração não pode ser feita sem a consideração da história e do presente das formas de expressão de conotação dialetal na Europa e de sua discussão teórica, assim como esta não deveria mais ser encetada sem a consideração de contextos extra-europeus.
As edições das obras levadas por imigrantes ao Brasil incluiam muitas vezes estudos introdutórios, comentários e adendos elucidativos que transmitiam concepções e caracterizações de culturas e tipos regionais. Assim, o texto citado da antologia de obras de F. Reuter salienta a "grandeza" das pessoas simples, em particular a dos camponeses da região de Mecklenburg e da Pomerânia: "Esse campôneo simples, alegre da vida tem algumas características que se transforma em grandeza ao chegar a hora favorável e acontecer a mistura certa. O Mecklenburguês é talvez o mais modesto tipo de homem da terra; modesto, poirque não tem vaidade que se manifesta, porque êle tem entendimento e é justo. Possui um amor pela sua profissão infantilmente quente, masculinamente fiel; um amor que brota do seu caráter maravilhosamente puro. Ele tem, por fim, algo mais que substitui nele a profundidade de sentido, o gênio artístico e a força de empreendimento apaixonada, o que faz a êle ser a terra tão amada e ser êle tão amável na terra: um humor de ouro, risonho, cordial. Com as outras características poderia dele - sob a disciplina prussiana - surgir um herói popular como Blücher, um lúcido pensador de batalhas como Moltke; com ela, a região de Mecklenburg conseguiu dar-nos o maior humorista alemão do século: Fritz Reuter." (op.cit. 1)
Fritz Reuter
De família de prestígio na sua cidade natal Stavenhagen, - o seu pai era burgomestre -, estava Fritz Reuter destinado ao estudo do Direito. Como estudante em Rostock e em Jena, participou ativamente do movimento estudantil. Em 1836 foi preso, posteriormente condenado à morte, tendo sido a pena comutada a 30 anos de prisão; recebeu anistia em 1840. Em dez anos de prática de vida de campo, adquiriu considerável connhecimento das tradições e dos costumes dos camponeses. Em 1850, seguindo conselhos de amigos, mudou-se para a pequena cidade de Treptow, atuando como professor particular. Tendo renunciado à herança paterna, foi obrigado a viver a partir de suas próprias forças. Em 1851, casou-se com Louise Kuntze, em Roggenstorf. Conseguindo logo integrar-se em círculo de amigos empreendedores, passou a empenhar-se por questões sociais do município a partir de 1853. Para ganhar a vida, passou a pintar retratos, a escrever poesias circunstanciais e textos compostos a partir de anedotas e estórias humorísticas. Publicou, em edição própria, Lauschen un Rimels, em 1853, alcançando considerável sucesso. Essa coleção de textos manifesta o cunho humorístico que caracterizaria outras de suas obras. Em 1855, surgiu "De Reis' nah Beligen", uma história em rimas sobre uma viagem de estudos malograda de quatro camponeses de Mecklenburg à Bélgica. Em Kein Hüsung, de 1857, versificado, dedicou-se à questão social.
Treptow: Pelo desenvolvimento do físico e do intelecto na educação popular
Logo após a sua mudança para Treptow, Reuter procurou realizar o seu projeto de criação de uma instituiçao de ginástica e de natação. Para divulgar a sua concepção educativa, publicou um artigo no semanário local a respeito da necessidade do ensino da ginástica para a juventude. Para êle, entre os meios da educação popular, a ginástica seria um dos mais importantes. Na formação do homem, a capacidade intelectual e a física deveriam ser desenvolvidas com a mesma atenção, sobretudo quando se consideraria aquelas classes da sociedade cujas profissões as obrigariam a empregar a força física. Também aqueles, porém, que se dedicavam a profissões intelectuais apenas ganhariam com a educação física. Se o corpo adoece, assinalava Reuter, o espírito perde a sua força, se o corpo amolece, o espírito se torna opaco, se o corpo perde o frecor, o espirito procurará inutilmente progredir e subir. Fazer ginástica seria uma prática lúdica, alegre, um combate para liberar as forças das algemas de uma civilização opressiva.
Ginástica, música, espírito de humor e a fala do povo
O empenho de Fritz Reuter pela ginástica e por caminhadas noturnas em Treptow trouxe-lhe popularidade. A sua mulher, Luise, uma soprano que participou do coro local e granjeou sucesso como cantora e professora de piano e canto, foi a principal agente da vinculação dos interesses de Reuter pela ginástica e pela cultura popular com a música. Ao redor de Reuter, formou-se uma sociedade de amadores com interesses intelectuais, musicais e recreativos. Reuter, com a sua capacidade de improvisão de anedotas, tornou-se o principal motor de uma concepção de vida que fomentava o sentido de alegria.
Biógrafos e críticos procuravam saber quais os modelos que teriam levado ao uso do dialeto, do plattdeutsch, por Reuter. Muitos salientaram a publicação anterior do Quickborn de Klaus Groth, outros lembram de poemas de Hebbel. Groth, entretanto, tornou-se o crítico de Fritz Reuter, dando motivo a uma réplica deste autor.
Muitos dos aspectos da cultura das comunidades de origem alemã no Brasil podem ser melhor elucidados se considerados a partir do universo cultural no qual se inseria Fritz Reuter. O sentido de alegria, manifestado de forma expressa em tantas associações denominadas de Frohsinn, o cultivo das sociedades de ginástica ao lado das atividades corais a serviço de finalidades recreativas e educativas de senso comunitário, o uso de jogos de sociedade, a prática de caminhadas e uma valorização do homem simples e de sua cultura representam alguns desses aspectos.
As reflexões tiveram prosseguimento em visita a Neubrandenburg (veja o relato correspondente nesta edição)
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).