Doc. N° 2186
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
Sofrimento dividido é meio sofrimento, alegria dividida é dupla alegria
Formação prussiana e sua influência na História Intercultural da Educação no Brasil
Por motivo dos 120 anos de projeto teuto-brasileiro de reforma do ensino no Brasil Gardelegen, março de 2007
A cidade de Gardelegen, na Saxônia-Anhalt, é, sob vários aspectos, significativa para os estudos histórico-culturais, sobretudo devido ao seu bem conservado patrimônio arquitetônico do passado. A cidade e o seu castelo já são mencionados em fonte de 1196. Infelizmente, a imagem da cidade está marcada pelo assassínio, nos últimos momentos da Segunda Guerra, de grande número de judeus deportados, fato rememorado em monumento erguido no local.
A história cultural da cidade apresenta vários nomes de personalidades que se projetaram no Exterior. O mais conhecido deles, na América Latina, é Carl Backhausen (1849-1900), pesquisador da Terra do Fogo chilena, um dos maiores conhecedores do sul do continente no século XIX, guia de viajantes e etnólogos europeus que desenvolveram pesquisas nos países do sul.
Um outro nome da história de Gardelegen que merece atenção nos estudos culturais, sobretudo daqueles voltados à pesquisa da imigração e das questões de identidades nas colonias alemãs do Brasil, é o de Christoph August Tiedge (1752-1841), poeta e pedagogo, cuja obra poética Urania (Sobre a imortalidade) foi lida em comunidades alemãs do Brasil,
Esse autor foi o autor do moto "Sofrimento dividido é meio sofrimento, alegria dividida é dupla alegria" ("Geteiltes Leid ist halbes Leid und geteilte Freude ist doppelte Freude"), frase que se popularizou nas famílias e nos grupos e se tornou quase que ditado folclórico fortalecedor do sentido comunitário.
O significado desses dizeres de uma sabedoria tornada popular e transmitida oralmente de geração em geração não pode ser minimizado nos estudos histórico-culturais relativos à imigração e à colonização. O etos e a consciência das comunidades foram possivelmente mais impregnados por essa cultura de transmissão informal do que por atividades dirigidas de ensino. Esse repertório de saberes e de concepções de cunho popular influenciou a formação das gerações já nascidas no Brasil no âmbito familiar e nas escolas.
Apesar de todas as tensões internas constatadas em colonias de imigrantes no Brasil, sobretudo por motivos confessionais, o historiador se surpreende constantemente pelo sentido comunitário dos grupos alemães do passado, pela auto-confiança, auto-consciência de valor e até por um certo orgulho de superioridade. Sobretudo sob o aspecto da educação e do ensino, os alemães no Brasil e seus descendentes não apenas procuraram logo fundar escolas próprias e desenvolver rêdes de contactos entre mestres de língua alemã, criando uma estrutura paralela e distinta da brasileira, mas sim também, após fase extraordinariamente curta de integração, atuar de forma reformadora na educação no país.
Um exemplo expressivo dessa auto-consciência de valor foi o projeto de reforma do ensino normal partido da escola alemã de São Paulo nos últimos anos do Império. A carta, dirigida ao presidente da província, e publicada em jornais da capital, é, no seu tom decidido, um documento eloqüente do espírito de disciplina e autoridade que dava cunho ao ensino e, ao mesmo tempo da consciência de superioridade e de maior preparo dos educadores alemães. Como P.S.Freitas, o responsável pela seção de Pedagogia do órgão que editou essa petição salientou na época, o teor do texto é surpreendente, considerando-se que os seus autores nem mesmo dominavam bem o português.
S. Paulo, 3 de Março 1887
Os abaixo assignados professores da Escola Allemã de São Paulo pedem ao Illm. e Excellmo. Senhr. Dr. Presidente d'esta provincia de tomar em consideração esta nova petição nossa sobre reforma das escolas normaes.
Não pode ser nem o nosso desejo nem a intenção do Snhr. Ministro da Instrucção Publica no seu officio recomendando tomar em consideração o nosso projecto, que a reforma tão necessaria das Escolas Normaes seja inutilisada por professores inhabeis, os quaes atrevem-se a ensinar o que não aprendiam.
Somente professores que podem provar por documentos que têm aprendido tambem o methodo do ensino, até hoje mal conhecido no Brasil, são bastante habilitados para o ensino methodico nas escolas normais, onde se formam homens, que vão ser os promotores da instrucção publica.
Vimos com muito prazer, que a direcção da Escola Normal considerou as nossas proposições em respeito da reorganisação das Escolas Normaes, que nos enviamos ao Governo Brasileiro.
Isso mostra claramente a necessidade e a utilidade destas reformas no ensino daquelle estabelecimento.
Receiamos porém que estas reformas forem sómente no papel, como muitas das leis e instituições do nosso paiz, por falta de homens habeis e peritos para os effectuar. Esta lacuna se manifestará também na nova organisação deste ensino methodico pratico na Escola Normal, por falta de professores, que para isto sejam bastante preparados. Isso nós não pode admirar, considerando que até hoje no exame dos Normalistas não foi exigido mostrarem os candidatos a sua habilidade n'uma lição que tomam em presença de homens peritissimos, e que até hoje este ensino methodico não foi dado aos candidatos.
É por isso que nenhum dos mestres ahi preparados se tem adquirido estes conhecimentos importantíssimos para o magisterio. Pois, o que os professores das Escolas Normaes mesmo não apendiam, naturalmente não sabem ensinar aos moços que se dedicam ao magisterio e esta é a razão, porque dizemos que tambem esta nova instituição pratica no ensino das Escolas Normaes não se realisará, como devia, porque no Brasil ha falta de professores para isto bem preparados.
Não tendo professores praticamente preparados, os quaes, mesmo se quizessem, sabiam dar estas lições, levanta-se a pergunta, donde tomar estes professores para principiar com essas innovações tão importantes para o ensino pratico nas Escolas Normaes.
Tambem estas difficuldades temos devidamente considerado no nosso projecto mandado ao Governo Brasileiro offerecendo, para as reformas na provincia de S. Paulo, o nosso auxilio e serviço, porque nós somos habilitados para isso na Europa; pois nos Estados adiantados da Europa não se admitte professores que não sejam formados methodicamente. Para obter para todas as provincias do Brasil professores habei que possam principiar com estas innovações, o Governo Brasileiro deve chamar professores de taes Estados da Europa, como a França, a Inglaterra, a Allemanha (como faz agora mesmo o Chile), ao menos para cada provincia um professor.
A estes professores cabem as duas obrigações principais:
1) Dirigir a inspecção de todas as escolas de sua provincia e emendar o ensino dos professores ahi já funccionados.
2) Inscenar a organização do ensino methodico e pratico dos Normalistas.
Para ter as mãos livres, este inspector não é responsavel senão ao Snhr. Presidente de sua provincia ou ao Senhr. Ministro da instrucção geral.
Parece-nos o unico meio de tirar o Brasil deste estado triste da instrucção publica e lhe dar mestres de profissão como teem os Estados Europeos mais adiantados.
Desejamos o progresso do ensino da nossa nova patria. Por isso faremos sine ira mais projectos de reformas neste ramo tão importante da educação do povo Brazileiro.
Paulo Issberner, Director da Escola Allemã.
Carlos Gerke, Professor da Escola Allemã.
"Ensino Normal", In: A Procellaria I/7 (São Paulo, 20 de março de 1887). 52
Um de seus autores, Paulo Issberner, diretor da escola alemã, vem sendo ultimamente mencionado em trabalhos de pesquisa relativos à educação e ao ensino em cidades de Santa Catarina e do Paraná. Observa-se, também aqui, a propagação e a prática de conceitos de disciplina autoritária e de cunho militar. Estudos futuros, supra-regionais, poderão traçar um panorama geral e diferenciado da sua ação. Em todo caso, somente a consideração dos pressupostos culturais já existentes nos grupos de imigrados, e fundamentados em expressões como as de Tidge podem abrir portas para a compreensão da adoção de tais concepções educativas pelas comunidades. A história da educação no Brasil, a ser enriquecida e diferenciada pela consideração do ensino nas colonias de imigrados, não pode ser realizada adequadamente sem ser do ponto de vista dos estudos culturais. Ela está estreitamente relacionada com processos de performação de identidades.
Os debates deverão ter prosseguimento.
A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).