Doc. N° 2188
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
Museu Casa Juscelino Kubitschek, Diamantina Ano Oscar Niemeyer
Trabalhos da A.B.E., 2007
A.A.Bispo
No âmbito dos estudos promovidos por motivo dos cem anos do arquiteto Oscar Niemeyer, efetuou-se, em janeiro de 2007, uma visita à cidade natal de um dos nomes que mais influenciaram a sua carreira, o Presidente Juscelino Kubitschek, em Diamantina, Minas Gerais.
A casa de nascimento do presidente, hoje transformada em museu, oferece valiosos subsídios para reflexões de cunho teórico-cultural, tais como encetadas no âmbito dos estudos desenvolvidos pela A.B.E. relativos a processos identificatórios e suas expressões em contextos de formação colonial e missionária do passado. Esta revista, em números anteriores, publicou vários relatos de alguns desses estudos, nas suas respectivas contextualizações. No caso, tratou-se de considerar se as circunstâncias da origem e da formação do futuro presidente, em cidade tradicional que permanece culturalmente vinculada a seu passado de extração diamantífera, humilde e isolado, e que levou a extraordinárias expressões culturais testemunhadas na própria imagem urbana, não teriam influenciado psicológico-culturalmente posições, atitudes e a vontade política que possibilitaram a concretização de exponenciais obras de Oscar Niemeyer, tais como a igreja da Pampulha ou edifícios de Brasília. O próprio esplendor das expressões artísticas de Diamantina poderia ser talvez explicado em função de mecanismos próprios de situações de labilidade na formação de identidades, tais como aqueles compensatórios e de auto-afirmação, demonstrativos de domínio das mais recentes tendências do pensamento e das expressões estéticas, Considerando-se que as características estéticas da obra de Niemeyer corresponderam e/ou correspondem a anseios e tendências existentes na sociedade, até mesmo acima de orientações político-partidárias e de sistemas governamentais, e que marcaram uma nova imagem do país, raramente questionada e relativada historicamente, indaga-se se esse fenômeno surpreendente não poderia ser elucidado a partir de análises da sua inserção em processos de identidade vigentes no complexo cultural do país.
A casa de nascimento do Pres. Juscelino Kubitschek apresenta-se como um precioso exemplo da arquitetura singela de casa modesta de tradição colonial. A construção e a disposição museal de móveis, objetos, fotografias, jornais e documentos vários permitem de forma feliz o aguçamento da sensibilidade a serviço da análise e reconstrução do passado no sentido da história das mentalidades. Nessa ambientação, torna-se particularmente compreensível que o filho de um caixeiro-viajante, João Cesar de Oliveira, e de uma professora, Júlia Kubitschek, ao lado de uma disposição natural realística e metódica, tenha sido marcado por anseios de ascenção social e cultural.
Particularmente elucidativos são os documentos referentes ao período de estudos de Juscelino Kubitschek no Seminário. A época da sua infância e juventude foi marcada pelo movimento mundial de renovação católica de cunho restaurativo. A atmosfera da instituição era determinada pela reconscientização das bases teológicas da liturgia, da superação de tradições e expressões religioso-culturais consideradas desgastadas, inadequadas ou impuras.
O museu oferece também objetos e documentos relativos aos estudos de Medicina de Juscelino Kubitschek em Belo Horizonte e ao exercício dessa profissão em fins da década de vinte, permitindo reflexões acerca dos vínculos da Medicina com a cultura na história des processos sócio-culturais no Brasil.
A história da vida política do futuro presidente, que teve como marcos iniciais a sua nomeação a chefe de gabinete de Benedito Valadares, em 1934, então interventor federal em Minas Gerais, e a sua eleição a deputado federal, é tratada no museu com base em considerável número de documentos e artigos de jornal, por exemplo relativos à sua atuação como prefeito de Belo Horizonte, a partir de 1940, como deputado federal desde 1945 e como governador de Minas Gerais, a partir de 1955.
Fotografias ao lado de Oscar Niemeyer na fase da edificação das obras da Pampulha testemunham o papel da arquitetura e do urbanismo na carreira política de Juscelino Kubitschek e sugerem a existência de vínculos entre a política e a carreira arquitetônica de Oscar Niemeyer. Esses vínculos, como já salientado, não seriam tanto de fundamentação ideológico-política, mas sim derivados de mecanismos de processos culturais nos quais Juscelino Kubitschek estaria inserido. O desenvolvimentismo e a aceleração modernizadora dos planos do governador e, posteriormente, do presidente, surgem como particularmente expressivos se considerados sob o pano de fundo dos debates relativos ao Modernismo na história cultural do século XX. Concepções teóricas urbanísticas e arquitetônicas não apenas foram influenciadas pelas correntes do Moderno, mas co-determinaram fundamentalmente o seu vir-a-ser e a sua concretização. O debate relativo à Modernidade no século que passou e a sua adequada inserção como fenômeno de natureza histórica - fato que não foi sempre fácil de ser aceito - permite novas perspectivas para a análise política do passado recente do Brasil, manifestado de forma mais evidente na construção de Brasília e na abertura de estradas, momentos decisivos na expansão moderna da malha urbana de implantação colonial em regiões do Brasil até então conservadas nas suas condições de natural riqueza.
Essa fase da história do Brasil tem sido considerada em geral sob a perspectiva econômica e político-social. Segundo o enfoque debatido, não é a cultura que deveria ser vista por assim dizer como um epifenômeno da economia e da história social, mas sim essas é que deveriam ser considerados como fenômenos a serem analisados a partir de processos culturais. Sob essa perspectiva, o modernismo no Brasil, assim como expresso na imagem criada nas últimas décadas e à qual a obra de Niemeyer muito contribuiu, é fase de um passado a ser analisado já à distância, com os meios de uma historiografia cultural ciente da constante necessidade de exame de seus próprios pressupostos.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).