Doc. N° 2190
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
Arquitetura brasileira e patrimônio moderno Rio de Janeiro, Paço Imperial Ano Oscar Niemeyer
A.A.Bispo
Poucos edifícios há no Brasil que possuem um significado histórico comparável ao do Paço Imperial do Rio de Janeiro. Essa construção de digna simplicidade, quase que modestamente encravada no centro do Rio Antigo, polo da vida política da nação no Reino e no Império, degradada por longos anos a mera agência de correios no período republicano, é um sinal eloqüente de conteúdos culturais, porém pouco perceptível nos discursos histórico-culturais do país. A sua transformação em centro cultural representa hoje não apenas uma possibilidade de revalorização de seus espaços, de recuperação da posição que lhe é devida na ordenação simbólica do Rio de Janeiro, mas sim, também, da revivificação do antigo centro e que deveria vir a ser novamente sentido como o coração da urbe. Longe porém de tornar-se uma instituição apenas evocativa do passado, o visitante percebe o intuito do novo Paço em transformar-se em agente dinâmico de diálogos entre o passado e o presente, incentivador de atitudes refletidas com relação a processos históricos e à inserção nestes do próprio presente de hoje.
A longa e diversificada história do edifício e de seu papel na história da nação é elucidada em painéis com textos criteriosamente elaborados, documentos e imagens. O compromisso com a contemporaneidade dos debates culturais manifesta-se sobretudo nas exposições que se realizam nos espaços históricos e que, no contraponto com o ambiente, na sua multifacetada carga simbólica, adquirem especial expressividade e força motivadora de reflexões.
Exemplo modelar desse jogo consciente e sutil a serviço do aguçamento da sensibilidade e do intelecto foi a exposição "Arquitetura Brasileira e o Patrimônio Moderno", empreendimento que levantou um complexo de questões da mais alta relevância nos estudos culturais da atualidade, não apenas relacionados com o Brasil. Trata-se, na discussão que também a A.B.E. vem desenvolvendo em eventos e seminários, não apenas da inserção das obras representativas da arquitetura do Brasil no patrimônio universal do Moderno da Humanidade. Este é fato de legitimidade inquestionável e que mereceria ser mais considerado na prática de uma História das Artes sem limitações eurocêntricas, orientada segundo processos globais. Trata-se, porém, sobretudo, entre outros aspectos e em amplos termos, da questão da historicidade do Modernismo, da superação de conceitos a-temporais e a-históricos do passado recente - e ainda vigentes em alguns contextos e círculos - de que as expressões arquitetônicas do Moderno do século XX possam ser definitivas, representando um ponto final num desenvolvimento histórico-cultural do Ocidente ou de um determinado país. Esta não é apenas questão de superar-se uma quase que ingênua atitude de auto-consciência de valor exacerbada de algumas gerações. Mesmo os resultados não-positivos que uma certa insensibilidade pelo Histórico determinada por tal posição causou em numerosas cidades do mundo, sobretudo sob regimes autoritários ou de inerentes concepções totalitárias, já pertencem a um patrimônio arquitetônico/urbanistico e histórico-cultural que merece ser conservado, ainda que apenas como advertência a futuras gerações.
O conceito de patrimônio material e imaterial - parece colocar certas dificuldades para o aprofundamento das reflexões. A questão do relacionamento dialético entre Estrutura e História tem sido levantada como sendo o problema de fundamental significado na discussão teórico-cultural. Poder-se-ia talvez dar mais precisão a essa relação substituindo-se termos, sobretudo o de Estrutura, pelas implicações que nele se tem visto de sentidos e significados. A historicidade/temporalidade do Sistêmico e a estruturalidade no Histórico, nas suas inter-relações e indissolubilidades vem sendo analisadas como duas faces de processos culturais. O que coloca dificuldades, porém, é que manifestações concretizadas de intuitos apologéticos do passado, quase que em formidável cenografia, hajam instrumentalizado tal relação dialética entre o Estrutural e o Temporal como método de formação de identidades no âmbito da missão e colonização. Tomar tais expressões de procedimentos educativo-pragmáticos e teatralizantes não como momentos de um processo, mas sim como fenômenos, emprestando-lhes valor de constâncias culturais, parece representar um resultado de mal-entendidos ou um intuito de natureza ideológica apenas compreensível no contexto de determinada época.
O vínculo do Barroco com a arquitetura do Modernismo surge, nesse debate, como o agente principal de um Não-Moderno no Moderno. A apreciação e valorização do não-retilíneo, das linhas ondulantes, de sinuosidades e outros meios realizadores de intuitos líricos e poéticos, possíveis, legítimas e necessárias no Moderno do futuro, não deveria ser legitimada pelo Barroco, mas sim por uma nova consciência da arquitetura perante a Natureza, essa sim o verdadeiro patrimônio do país e da humanidade. O problema que se coloca é o da transição sensível e diferenciada, no Brasil, de uma tradição do Moderno vinculada a construções teórico-interpretativas do Barroco a um Moderno de orientação ecológico-ambiental, na consciência de que a proximidade do Barroco à Natureza é apenas aparente, encenação potente de um universo de concepções que, na realidade, visa a sua superaçã.
Os debates deverão ter prosseguimento no âmbito do projeto "Cultura, Natureza e Música" da A.B.E. O andamento das reflexões será regularmente relatado nas edições deste órgão.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).