Doc. N° 2191
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
106 - 2007/2
História das relações interculturais na Europa e repercussões do colonialismo Estudo de caso: Wilhelm Bruch em Arnhem, Geldern, Países Baixos Pelos 80 anos da morte de Wilhelm Bruch (1854-1927)
materiais do projeto de pesquisa de Wilhelm e Hans Bruch de Isolda Bassi-Bruch, São Paulo
A.A.Bispo
No âmbito do projeto de levantamento de materiais e desenvolvimento de estudos relacionados com Wilhelm e Hans Bruch, de iniciativa de Isolda Bassi-Bruch, representantes da A.B.E. realizaram uma viagem de estudos a Arnhem, Países Baixos, com o objetivo de contextualizar histórico-culturalmente dados documentais relativos à execução na cidade, em 1877 e 1878, da principal obra de Wilhelm Bruch, o "Canto do Cisne". Procurou-se analisar rêdes de contactos entre a Alemanha e os Países Baixos no século XIX sob a perspectiva de suas repercussões nas relações Europa-Brasil.
A cidade de Arnhem, capital da província de Geldern, região do Baixo Reno, é de particular interesse para estudos interculturais. Devido às características aprazíveis de sua localização, foi, no passado, escolhida por holandeses proprietários de plantagens nas colonias, sobretudo da Indonésia, que, retornados do Exterior, ali se estabeleciam em idade avançada. Essa população, com a sua experiência de mundos exóticos, parece ter contribuído para o florescimento cultural de cunho cosmopolita da cidade no século XIX.
A abertura para novos mundos de Arnhem tinha porém raízes mais antigas. A cidade, cujo primeiro documento histórico é do ano de 893, pertenceu à Hansa, a partir de 1440, e com isso manteve relações comerciais dentro de vasta rêde de contactos. Pertenceu culturalmente a diversos contextos europeus, uma vez que fêz parte politicamente da Burgúndia, de Geldern e da Espanha.
Infelizmente, a silhueta urbana de Arnhem foi grandemente modificada com as destruições ocorridas durante a IIa. Guerra Mundial. A Grote Kerk (1452), reconstruída entre 1961 e 1963, a igreja de Santa Walburga, do século XIV, também reconstruída, a Waaggebouw, de 1768, a Duivelshuis (Casa do Diabo), de 1545, a Provinciehuis, de 1440, são os principais monumentos do passado arquitetônico medieval, renascentista e barroco. Os edifícios do século XIX, porém, tais como o prédio neo-gótico dos Correios, testemunham a época de apogeu cultural de um período caracterizado pelo historicismo e ecleticismo de uma população heterogênea.
A primeira menção documental de uma apresentação de obra de Wilhelm Bruch nos Países Baixos diz respeito à uma "Cavatina". No dia 28 de dezembro de 1877, na sala de concertos da Harmonie, a Vereeniging G.O. ofereceu um concerto com a participação especial de C. Coster, violista de Keulen. O programa constou de peças de Chopin, Beethoven, Benoit, Raff, Reinecke, Grieg, Brahms, Bersch, Kücken e do próprio Coster. Deste, apresentou-se a Marcha Festiva Batávia, composta para o club holandês Batávia, de Hannover. De W. Bruch, o concertista incluiu a referida Cavatina, seguida de um noturno de Chopin, encerrando a récita.
A composição mixta do programa demonstra claramente um tipo de repertório de organizações amadoras da sociedade de Arnhem da época e seus vínculos culturais com as colonias. As relações entre os holandeses comerciantes em outras cidades européias, organizados em clubes, e os holandeses no Exterior, em particular no Oriente, despertam a atenção para novos aspectos relativos a influências culturais recíprocas, dignos de serem melhor analisados nos estudos da imigração e colonização.
A obra Schwanengesang, de Wilhelm Bruch, para solo de tenor, coro feminino e orquesta foi executada pelo coro Euphonia de Arnheim no Bovenzaal van het Centraalgebouw no dia 26 de abril de 1878. Os solistas foram Mevrouw Kwast (soprano), Janssen (Tenor) e o já citado C. Coster, agora atuando como cantor (baixo).O concerto foi regido por H. A. Meijroos. A obra foi regida pelo próprio compositor. Seguiu-se a ela "Sancta Caecilia", de G. A. Heinze.
Os próprios cantores fizeram uma homenagem ao compositor, a êle oferecendo uma coroa de louros. Tudo indica que houve elos estreitos de amizade entre o jovem músico e membros da sociedade coral que executou a obra. O contexto do programa, no qual foi apresentada, sugere também a existência de intenções simbólicas e conotações religiosas na inclusão da peça.
O jornal Arnhemsche Courant, de 1 de maio de 1878, publicou uma crítica lisongeira do concerto:
"Het werk van den heer Bruch, voor Tenor-solo, Frauenchor und Orchester, geschreven, hebben wij met genoegen gehoord en het komt ons als eene originele compositie voor, die blijken van veel talent geeft. Het werk werd door de dames onder zijne persoonlijke leiding con amore gezongen, terwijl de heer Jansen ook in deze compositie de tenor-solo voordroeg. De heer Coster, die door ongesteldheid verhinderd was de bas-solo's in de Sancta-Caecilia te zingen, was toch wirkzaam; de viool-solo in "Schwanengesant´g" werd door hem, als gewoonlijk, met veel smaak gespeeld. De heer Bruch werd na de uitvoering zijner compositie luide toegejuicht, terwijl eender dames hem bij zijn optreden een krans, voorzien van de nederlandsche kleuren, "Dem Componisten vom Damenchor hochachtungsvoll gewidmet" annbood. Is deze krans een bewijs van hulde en ingenomenheid met het werk door haar die het uitvoerdem, ook de toehoorders stemden daarmede geheel iu, en zij zal ongetwijfeld voor den jeugdigen componist eene aansporing zijn om opden ingeslagen weg voort te gaan en in het belang der kunst hopen wij, dat hij het niet bij deze compositie zal laten, maar nog veel van zich zal doen hooren."
O tema "Canto do Cisne" deu sempre ensejo a reflexões simbólicas e a diversas formas de expressões artísticas, sobretudo e também no século XIX. O símbolo do cisne adquire até mesmo um papel relevante no repertório de imagens de uma antropologia simbólica herdada da Antigüidade e que atuou na formação cultural do Ocidente e de suas colonias. Como tratado em várias ocasiões em eventos da A.B.E., em particular no âmbito do Colóquio Internacional de Antropologia Simbólica, em 1997, o símbolo do cisne se relaciona não apenas com relevantes contextos mitológicos da cultura greco-latina, mas sim também com conceitos e imagens resultantes da cristianização dos antigos mitos e suas expressões. Nessa metamorfose, conservados porém muito de seus significados originais, o símbolo do cisne permaneceu atuante na cultura cristã européia e suas extensões e adaptações fora do continente. Como discutido por ocasião do Congresso Internacional pelos 500 anos da América, em 1992, a constelação do cisne, dominando o conjunto de imagens celestiais da época que vai do solstício de inverno ao solstício de verão, está intimamente relacionada com o movimento ascendente do ano natural no hemisfério norte. Por conter o Cruzeiro do Norte, foi relacionada com a descoberta da Cruz por Santa Helena, determinando, assim, a festa de Santa Cruz de Maio, de tanta importância na cultura tradicional ibérica e na história dos Descobrimentos. Para a Terra de Santa Cruz ou Vera Cruz, o Brasil, a constelação do Cisne surge, correspondentemente, como de especial relevância para os estudos simbólicos e culturais. Como várias vezes salientado em eventos da A.B.E., o real símbolo do Brasil não deveria ser o Cruzeiro do Sul, estrêlas da constelação do Centauro, na parte descendente do ano, mas sim o Cruzeiro do Norte, na constelação do Cisne. O conteúdo simbólico, aqui muito mais relevante do que o do Cruzeiro do Sul, apresenta vínculos com a época do descobrimento do país e com a sua primeira denominação. O Cisne é um símbolo que permite análises de conteúdo em diversos contextos mitológicos e culturais, e, na sua interpretação cristã, reflexões teológicas sob diversas perspectivas. Além do mais, estudos mais aprofundados revelam profundos vínculos com concepções da antiga filosofia da natureza.
Tratou-se, nas reflexões encetadas em Arnhem, de possíveis pressupostos culturais determinados pelo passado espanhol da cidade no interesse especial pelo símbolo do Cisne e suas repercussões na recepção da obra de Bruch. Os debates deverão ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).