Doc. N° 2146
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
105 - 2007/1
Teatro Carlos Gomes, Vitória - Espírito Santo: 80 anos
No âmbito do complexo temático "Caminhos do passado-reorientações para o futuro" da A.B.E., que motivou a realização de uma viagem de estudos culturais a vários Estados do Brasil em fins de 2006 e início de 2007, deu-se particular atenção à capital do Espírito Santo. Vitória, de fato, injustamente raramente considerada nos estudos voltados à cultura brasileira, apresenta relevante significado também para análises de processos culturais entre a Europa e o Brasil. As questões tratadas no contexto do tema, referentes à história missionária e à performação de identidades, à exploração econômica como fator do processo expansionista e à imigração podem ser tratadas, no exemplo de Vitória, nos seus elos e interdempendências. Um dos vários exemplos expressivos para estudos dessa natureza é o Teatro Carlos Gomes, um dos edifícios representativos do considerável patrimônio de casas teatrais brasileiras de interesse histórico-arquitetônico. O estudo desse edifício pressupõe a consideração global da década de 20 no Espírito Santo, caracterizada por pujança econômica fundamentada sobretudo no café. Essa fase promissora do período de govêrno de Florentino Avidos (1924-1928), anterior à crise de 1929, ficou marcada na imagem de Vitória com empreendimentos arquitetônicos e urbanísticos representativos. Uma particular atenção foi dada à abertura e ao melhoramento de vias e estradas, à reforma da malha viária e à construção de pontes. Estudos de vias de comunicação e sua vinculação a contextos culturais encontram aqui campo fértil para análises. Como monumento e símbolo dessa época, o Teatro Carlos Gomes foi iniciado em 1925 e inaugurado oficialmente sob a presidência do referido Florentino Avidos às vésperas de Reis de 1927. Já antes da sua abertura oficial abrigara o Congresso de Geografia, em 1926, sob a presidência de Cândido Mariano da Silva Rondon. O novo teatro vinha preencher a lacuna deixada pelo antigo teatro Melpômene (1896), demolido após um incêndio. Colunas de ferro desse edifício foram reutilizadas no novo teatro. O projeto, do italiano de nascença Andre Carloni, é considerado como sendo inspirado no Scala. Esse elo, porém, não é imediatamente percebido pelos observadores que conhecem o teatro de Milão, não apenas pelas suas muito menores dimensões como também pela ornamentação mais profusa do seu exterior. Na realidade, o teatro se insere, de forma altamente conservadora para a sua época, na tradição de grandes casas de ópera de estilo historicista e eclético representativas de sociedades urbanas em ascenção e que, desde meados do século XIX foram levantados em várias cidades da Europa e do Brasil. No dia de sua inauguração, o teatro não abrigou uma companhia de ópera, mas sim a Companhia Tan-Tan com a peça "Verde e Amarelo". No dia seguinte, deu-se início às atividades cinematográficas. Vendido ao Governo Estadual, pertenceu a partir de 1969, quando passou por uma grande reforma, à Fundação Cultural do Estado do Espírito Santo e, depois, à Secretaria de Estado da Cultura. O Teatro Carlos Gomes, na sua magnificência de ornamentação, adquire um significado particular sob a perspectiva dos estudos da imigração, dos processos desencadeados por situações decorrentes e das expressões culturais resultantes das circunstâncias de labilidade identificatória e da necessidade de auto-afirmação do imigrante no novo país, André Carloni, nascido em Bolonha, em 1883, e vindo ao Brasil juntamente com os seus pais, o mecânico Zarna Carloni, mulher e dois irmãos, apresenta uma vida caracterizada por extraordinária força de vontade de ascenção social com base em trabalho persistente e de solidez artesanal. Após ter trabalhado com o seu pai na Fazenda Guaraná, em Santa Cruz, acompanha-o a Vitória, em 1892, onde atua como ajudante de serralheria. Após o falecimento de seu pai, dois anos mais tarde, mantém a família assumindo os mais variados tipos de trabalho. Decisivo para a sua vida artística foi o período que esteve como ajudante de pintor do decorador italiano Spiridione Astolfoni, no teatro Melpômene, entre 1895 e 1896. Colaborando em decorações para teatros e no projeto de cartazes e cenários, adquiriu conhecimentos práticos e sobretudo uma tendência estética de cunho ilustrativo e pictórico. A partir de 1900, procura aprimorar a sua técnica no desenho e outras artes, inclusive música, freqüentando aulas noturnas mantidas pela maçonaria. Com esse aprimoramento, passa a atuar por conta própria, desenhando monumentos e ruas de Vitória e dando aulas da máteria. Esse foi o tipo de formação de um artista imigrante que deixaria marcas profundas na imagem pitoresca de Vitória, tal como manifesta na remodelação neogótico-eclética do antigo Convento e Igreja do Carmo, em 1909, e em várias outras obras, tais como a Santa Casa de Misericórcia, a Assembléia Legislativa, a Escola Normal Pedro II, a Alfândega e a Delegacia Fiscal. Atuou também em obras viárias, tais como alargamento de ruas e edificação da escadaria do Palácio, e em sistemas de transportes, como a ligação entre Vitória, Vila Velha e Santa Leopoldina; explorou em concessão a Estrada Costa Pereira, manteve serviço de transportes entre Santa Leopoldina e a estação de Alfredo Maia, da Estrada de Ferro Vitória a Minas, e a estação de Domingos Martins às de Campinho e Santa Isabel, na rêde da Estrada de Ferro Leopoldina. O significado do Teatro Carlos Gomes sob o pano de fundo da vida de A. Carloni e no contexto das relações Brasil-Europa e em seqüência ao projeto Imigração e Estética, foi ressaltado durante a visita da A.B.E., em janeiro de 2007. Considerou-se, assim, a passagem dos 80 anos da inauguração oficial do edifício de forma contextualizada e focalizada na pessoa de um imigrante que marcou o panorama de uma das principais capitais do país. A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).