Doc. N° 2151
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
105 - 2007/1
Música nos caminhos da imigração: Alemães no Espírito Santo
No âmbito do programa "Caminhos do passado - reorientações para o futuro", a A.B.E. fomentou reflexões a respeito das relações de interdependência entre vias de expansão urbana e processos culturais vários, entre eles os desencadeados no passado por atividades missionárias responsáveis pela performação de identidades cristãs, os motivados por interesses econômicos e aqueles que se inserem em surtos imigratórios. O estudo do contexto de questões relacionadas com a imigração, em particular, foi preparado por uma série de eventos realizados desde o Forum Rio Grande do Sul do Congresso de Estudos Euro-Brasileiros, em 2002, salientando-se, por último, os trabalhos realizados e em realização do projeto interdisciplinar "Migração e Estética" da A.B.E.. A posição da música no processo de formação de identidades vem sendo tratado sob diferentes aspectos e em diversos contextos históricos e sociais. No decorrer da viagem de estudos culturais realizada em fins de 2006 e em janeiro de 2007 em vários Estados do Brasil, essas reflexões foram focalizadas sobretudo na imigração alemã no Espírito Santo. Tratou-se de levantar fontes, observar o desenvolvimento de estudos e iniciativas locais e dar início a análises relativas à função da música na história imigratória regional, em particular relativamente a questões de assimilação, integração, manutenção e transformação de identidades e tendências de revalorização no presente. Tais reflexões deram prosseguimento aos debates teóricos do assunto; os fatos puderam ser considerados em função dos conhecimentos já existentes relativamente a outras regiões de imigração no Brasil. Os estudos desse contexto não são pioneiros no Espírito Santo. Há, sobretudo, uma considerável coleção de documentos, fotos, instrumentos de imigrantes e antigos aparelhos mecânicos e elétricos de reprodução sonora no museu da Casa da Cultura de Domingos Martins. Essa mostra, bem organizada e apresentada, em sala especialmente dedicada à vida musical dos imigrantes, demonstra o grau de preocupação pelo assunto entre os estudiosos locais. Entre os instrumentos ali conservados, salienta-se uma rabeca construída na própria região pelos primeiros imigrantes e antigas fotos de corporações musicais. A partir desses dados, torna-se possível reconstruir redes de contactos sociais e musicais entre músicos do passado e estudar os pressupostos que explicam a existências dos atuais grupos musicais. Entre os músicos de banda de Campinho do início do século XX, então sob a regência de Theodor Schwambach, citam-se: Ricrdo Hülle, Oscar Gerhardt, Edmund Schneider, Otto Köhler, João Lorenzoni, Emílio Köhler, Samuel Schneider, Walter Soyka, Augusto Schwambach, Antonio Paiva, Alfredo Schneider, Waldemar Kill, Robert Schneider, Aureliano Hoffmann, Waldemiro A. Hülle, Osvaldo Köhler e Arthur Schneider. Na sala de conferências do museu realizam-se audições musicais, estando ali expostas partituras de música de salão cultivada no passado entre as famílias locais. Durante a visita, algumas dessas peças foram executadas, salientando-se, entre outras, o Schottisch "L'Amazone", e a polca de salão "La Gazelle", de H. A. Wollenhaupt, ambas de coleções doadas por Elisa S. Kautsky. As apresentações musicais nesse centro se desenrolam sob a égide de Helena Gerhardt Brickwedde (Campinho, 1899-1978), cuja imagem domina a sala e cuja memória continua presente sobretudo pela existência da Escola de Música que leva o seu nome. Helena Gerhardt Brickwedde representa não apenas um nome exponencial na história da música local. O seu vulto pode ser visto como dos mais representativos na história da música dos imigrados europeus no Brasil e a consideração de sua vida e obra como de especial relevância para estudos especializados da imigração e de seus vínculos culturais e musicais. Já representante de uma geração nascida no Brasil e em fase na qual a colonia se encontrava estabelecida e transformada em comunidade em grande parte integrada no novo país, Helena Gerhardt, filha dos imigrantes alemães Carl Gerhardt e Elizabeth Bohrer Gerhardt, cresceu em ambiente familiar e social no qual a música desempenhava importante papel. Primeiras orientações no domínio do piano recebeu de um pianista dessa nacionalidade, de nome Krause. Sobretudo a prática doméstica da música e a música de câmara em grupos de aficcionados marcou a sua formação. Assim, conheceu o seu futuro marido, Alberto Brickwedde, através da música de câmara; este, homem de negócios e de finanças, também era violinista. O casal teve quatro filhos. O seu aperfeiçoamento como pianista foi feito no Rio de Janeiro, ali atuando também como solista em concerto dado no Teatro Municipal. A admiração que despertou valeu-lhe um convite para estudar na França. Em 1920, apresentou-se em concerto para os reis da Bélgica, então em visita ao Brasil. Entretanto, procurou também a proximidade da música popular, sempre se salientando as suas relações com Pixinguinha. Já essas breves referências indicam o significado de Helena Gerhardt Brickwedde para estudos histórico-musicais de orientação culturológica, sobretudo sob a perspectiva das relações euro-brasileiras e a necessidade do desenvolvimento de trabalhos que analise a sua atuação em vários contextos e épocas. Como em geral nas regiões de imigrantes alemães, a prática coral foi, ao lado da música de câmara e de sôpros, de fundamental importância para a vida cultural das comunidades espírito-santenses. Um levantamento das obras cantadas entre os católicos e os protestantes permitirá estudos comparativos com o que já se conhece do repertório da prática coral do Sul do Brasil. A análise do repertório profano, sobretudo, permitirá reconhecer, através da música e do texto, influências, concepções, estados de espírito, posições e atitudes nas diferentes fases da integração. Como exemplo significativo, cita-se o hino "O Imigrante Alemão no Espírito Santo", de Gulherme José Brickwedde. A sua letra demonstra, em primeiro lugar, o fundamento religioso da vida cultural dos imigrantes, uma vez que a glorificação de Deus abre esse canto de louvor à nova terra. Esse hino, aliás, difere musicalmente dos hinos patrióticos brasileiros, inserindo-se antes na tradição hinológica de cunho religioso. No texto, aquele que canta, na primeira pessoa, em português singular, manifesta a situação instável de sentimentos em que se encontra aquele que sabe que não mais retornará à Alemanha, dividido entre sensação de culpa pelo abandono do país natal e o desejo de vencer no novo meio. Afirma ao mesmo tempo o eterno vínculo com a pátria antiga e termina com fórmulas convencionais de louvor da nova terra segundo a literatura patriótica nacional.
"Glória e louvor a Jesus Senhor, meu Deus, foi quando junto aos meus minha pátria eu lá deixei. Sei que nunca voltarei meu pai, minha mãe e também meu irmão, no meu pensamento sempre estarão. Foi com lágrimas que eu embarquei, ao encontro do porvir, com saudade em terra nova, tudo estranho por aqui. Minha pátria eternamente sinto estar longe de ti. Glória e louvor só a ti, Senhor. Novo lar aqui eu construi junto a pessoas a cantar sob um sol sempre a brilhar e à noite, no luar, meu Deus peço perdão, saúde, paz e Sua proteção. Com alegria eu lutarei trabalhando sem cessar, surge aurora, tenho agora com este povo varonil esta terra abençoada, esta terra é o Brasil." Uma área de atividades culturais e musicais que exige maiores reflexões do ponto de vista teórico-cultural das abordagens é o do folclore da imigração. Não apenas o levantamento de dados a respeito dos grupos de danças e trajes tradicionais necessita ser aqui realizado de forma abrangente. As reflexões atuais dirigem-se sobretudo às transformações que devem ser observadas na função que exercem esses grupos na complexidade de processos identificatórios e diferenciadores. Assim, o grupo folclórico de Campinho, fundado em 1984, no sentido de refortalecer os elos com as suas origens alemãs, adotou, em 1992, o nome alemão de "Bergfreunde" (Amigos da Montanha). O grupo de danças folclóricas de Campinho, cuja primeira apresentação ocorreu no dia 25 de fevereiro de 1984, foi fundado por Joel Guilerme Velten, sendo orientado por R. Heumann. Sobretudo em Santa Maria do Jetibá, onde se constata atualmente intensos esforços no sentido de revalorização das origens pomeranas de grande parte de sua população, a música tradicional alemã e o seu papel na comunidade do passado vem sendo alvo de particular atenção.
Consideração especial merece a comunidade de Domingos Martins sob o ponto de vista campanológico. A cidade orgulha-se de possuir dois sinos de aço dos maiores até hoje ja fundidos no Brasil, denominados de Paz e União. Por iniciativa de Anselmo Kautsky Jr. e Hermann R. Miertschink, e com o apoio de uma comissão organizadora dirigida por Roberto A. Kautsky e vários doadores, esses sinos foram instalados na Capela da União, no pico Eldorado (reserva florestal da família Kautsky). Os sinos foram fabricados pela firma Altona S/A de Blumenau. As suas características são as seguintes: Sino Paz. 900 Kg; altura 1208 mm; diâmetro 1027 mm; tonalidade Si. Sino União. 1100 Kg; altura 1291 mm; diâmetro 1290 mm; tonalidade Sol.
A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).