Doc. N° 2153
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
105 - 2007/1
Palácio do Catete - Museu da República
O Palácio do Catete, Rio de Janeiro, foi sede da Presidência do Brasil de 1897 a 1960, quando a capital foi transferida para Brasília. Durante décadas foi centro de poder político, local de decisões que determinaram a história do país e moldura de recepções e atos oficiais e festivos de mais alto nível de representatividade, tal como, por exemplo, a recepção dos reis da Bélgica sob Epitácio Pessoa. Nada mais adequado, portanto, do que o fato de hoje abrigar o Museu da República. Um museu, porém, não apenas conserva objetos, mas sim se constitui, entre outras finalidades, em instituição que fomenta estudos, análises e reflexões. Poder-se-ia dizer, sob esse aspecto, que um Museu da República é a República em Museu, transformando-se em fenômeno cultural e histórico e, portanto, objeto de estudos culturais. Uma das inúmeras questões que se levantam durante uma visita do museu é a da influência que a arquitetura e a decoração do Palácio possa ter exercido na imagem do país interna e externa e, portanto, indiretamente, nos projetos e desígnios da nação. A extraordinária qualidade dos materiais empregados e a dos trabalhos construtivos, artesanais e artísticos impressiona o observador tanto quanto a profusão de estilos no seu interior, a cenografia de espaços que usa ecleticamente dos mais variados estilos a serviço da suntuosidade e opulência. Parece intrigante, à primeira vista, que a sede da suprema representação da nação tivesse sido, na sua aparência, durante tantas décadas, tão distante das principais preocupações estéticas e das tendências culturais e artísticas do país. Dir-se-ia, de modo irrefletido: o palácio nada tem de brasileiro. Parece ser compreensível, assim, que em espíritos marcados por obras da arquitetura moderna e internacional, sobretudo nos anos 60, a prolixidade do interior do Palácio tivesse sido considerada como de gosto duvidável e despertado sensação de mal-estar, tal como a sua exteriorização de riqueza repugna a observadores atuais que a contemplam sob o pano de fundo da realidade social. O visitante conhecedor de outros edifícios-monumentos da história poderiam notar a diferença com relação à nobre simplicidade do Paço Real, à austeridade do Palácio de Petrópolis, à singeleza da Quinta da Boa Vista e serem tomados de uma sensação desagradável de demonstração quase que indecorosa de luxo. Hoje, com a reconsideração que o Historismo nas artes e na arquitetura vem experimentando, parece ter chegado a hora de estudos mais diferenciados do Palácio do Catete. É de estranhar que essa construção e o seu interior tenham sido tão pouco considerados em estudos da história da arquitetura no Brasil. Independentemente de julgamentos estéticos, é um edifício que mereceria atenção e posição privilegiada em estudos da história da arquitetura global do século XIX. O significado do Palácio do Catete para os estudos culturais, porém, não será reconhecido através de estudos histórico-artísticos convencionais. Uma orientação culturológica da história da arquitetura torna-se aqui fundamental para a abertura de novas perspectivas de análises. Nessa visão, o Palácio se transforma em monumento de extraordinário significado de um processo complexo que vincula questões de imigração, ascenção social, auto-afirmação e sobrecompensação nas expressões culturais. O Palácio do Catete torna-se, aqui, mais do que um objeto para estudos estilísticos de Ecletismo, um modêlo para a compreensão do Hibridismo como resultante de mecanismos identificatórios criadores de situações de labilidade. A construção adquirida pela República à época de Prudente de Morais não pode ser estudada sem a consideração da vida do imigrante português Antonio Clemente Pinto (Ovelha de Matão, Santa Maria de Aboadela, 1795 - Rio de Janeiro, 1869), chegado ao Brasil, sem meios, ao redor de 1820. As circunstâncias do extraordinário enriquecimento desse pobre migrante ainda se encontram pouco esclarecidas; ao lado da proteção recebida do Barão de Ubá (João Rodrigues Pereira de Almeida), foi, sem dúvida, indivíduo que, econômico e modesto nos seus hábitos e exigências pessoais, foi movido por singular desejo de subir, capacidade de trabalho e extraordinário senso prático e administrativo. A sua vida interliga-se sob vários aspectos com a história da imigração européia ao Brasil, um deles diz respeito ao fato de contratar estrangeiros para a administração racional de suas fazendas, a eles se associando, tal como foi o caso de Jakob Gijsbertus Paulus van Erven. Tornou-se proprietário de várias fazendas na região de Cantagalo, São Fidélis e Nova Friburgo, além de vários prédios no Rio de Janeiro e outros empreendimentos. Fez também um nome na expansão do sistema ferroviário no país, tomando parte saliente na construção da ferrovia entre Porto das Caixas e Cachoeiras e que passava por fazendas de café de sua propriedade. Em 1854, foi agraciado com o título de Barão de Nova Friburgo. Quatro anos mais tarde, após a aquisição do terreno, deu-se início à construção do palácio, nela sendo empregados trabalhadores de várias nacionalidades. As obras foram terminadas em 1866. O projeto do edifício - o Palácio das Águias - foi do arquiteto Carl Friedrich Gustav Waehneld, personalidade que deveria vir a ser objeto de estudos pormenorizados no âmbito das relações Alemanha-Brasil na história da arquitetura. O seu traçado insere-se na tradição classicista alemã. Especialmente para a decoração interior do Palácio, o Barão de Nova Friburgo realizou uma viagem à França. Em 1889, desfazendo-se a família do imóvel, pretendia-se transformá-lo em hotel. Adquirido por Francisco de Paula Mayrink, e hipotecado, foi vendido em 1896 à Fazenda Federal.
A visita realizada em janeiro de 2007 pela A.B.E. teve como objeto incentivar reflexões a respeito do Palácio do Catete no âmbito do projeto "Caminhos do passado: reorientações para o futuro" e no qual se considera um complexo de questões relacionando vias de comunicação e a expansão urbana com mecanismos de formação de identidades, de exploração econômica e a história da imigração. A discussão deverá ter prosseguimento.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).