Doc. N° 2156
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
105 - 2007/1
Viagem cultural I: Estrada Real
No âmbito do complexo temático "Caminhos do passado - reorientações: vias de processos culturais - performação, exploração e colonização". a A.B.E. dedica-se ao estudo de fatores que vinculam a história da abertura de estradas e a expansão da rêde urbana com a história missionária, a da exploração econômica e a da imigração. Até agora, em vários eventos, tem dado sobretudo atenção ao conjunto de questões que se levantam relativamente ao estudo dos métodos missionários de conversão dos indígenas no passado e os seus vínculos com aldeiamentos e desenvolvimento de caminhos. Também o complexo relacionado com a imigração tem sido tratado em várias ocasiões, sobretudo no âmbito do projeto atualmente em curso dicado ao tema "Migração e Estética". Com a viagem de estudos culturais realizada em fins de 2006 e início de 2007, procurou-se dar maior pêso ao estudo de vias que se inserem em contextos determinados primordialmente por interesses econômicos. Também e sobretudo a reinterpretação atual desses caminhos deveria suscitar reflexões. Para tal, escolheu-se o exemplo das "Estradas Reais", que, na forma singular, tem-se tornado nos últimos anos uma verdadeira instituição valorizadora e promotora do turismo cultural e ambiental em Minas Gerais. O "Instituto Estrada Real" surgiu como uma iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais - FIEMG. O termo Estrada Real vem sendo divulgado como designação do conjunto de caminhos desenvolvidos a partir do início da história da mineração de Minas Gerais. Foram vias legais de acesso às regiões do ouro e diamante da capitania, e as referências atuais acentuam esse aspecto oficial ou oficioso das vias. Salienta-se também proibições de abertura de outros caminhos, uma vez que poderiam prejudicar o controle fiscal das atividades econômicas exercido nos diferentes postos de inspeção. O termo "real" seria entendido aqui não como designação de privilégio, mas sim como indicação de propriedade oficial. Na literatura de viagens se encontram várias referências aos postos controladores que marcaram a vida do país no passado. Cita-se, aqui, por exemplo, Saint Hilaire, que assim descreve o posto fiscal à entrada da Província de Minas Gerais:
"A poucos passos da ponte há um galpão aberto dos quatro lados e armado sobre mourões. É ali o registro (posto fiscal) onde se descarregam os burros que entram e saem da Província de Minas. Os fardos dos que estão saindo são abertos e examinados para ver se não levam nem ouro nem diamantes, e os procedentes do Rio de Janeiro pagam a taxa de portagem, sendo igualmente examinados a fim de se verificar se não estão trazendo para Minas falsas licenças de permuta ou cartas, sonegando assim ao correio o que lhe é devido. As taxas são calculadas ali, como em Matias Barbosa e em Malhada, sobre o peso das mercadorias, sem nenhuma relação com o seu valor intrínseco ou o seu grau de utilidade.
A guarnição do registro é composta por dois funcionários civis, um administrador que faz a cobrança, um escriturário, além de seis soldados do Regimento de Cavalaria de Minas, comandados por um furriel e um cabo. Os funcionários civis são os únicos permanentes. Os soldados e o comandante são trocados de tempos em tempos.
Fui isentado dos dissabores de uma revista devido aos salvo-condutos que trazia, fornecidos pelo ministro do Estado."
Em nota de rodapé, coloca-se em questão a conveniência das alfândegas no interior do Brasil sob o ponto de vista da discussão internacional do assunto:
"Sabe-se que os economistas condenam vivamente as alfândegas no interior e que Horace Say aconselhou veementemente a sua supressão às autoridades brasileiras em seu excelente livro Histoire des relations commerciales entre la France et le Brésil, 1840. O governo finalmente percebeu quais eram os reais interesses do país. O registro de Matias Barbosa, na estrada que liga Minas ao Rio de Janeiro, já não existe (Suzannet, Souv., 268), e é pouco provável que os outros tenham sido conservados. A supressão das alfândegas no interior tem enorme importância para o Brasil, porquanto elas constituíam uma barreira entre as províncias e eram baldados os esforços do governo para aproximar umas das outras, imbuir em todos os seus habitantes o mesmo espírito e apagar qualquer vestígio de rivalidades mesquinhas e desintegradoras, que resultavam em grande parte do antigo sistema colonial e dos obstáculos opostos às comunicações mais indispensáveis."
Auguste de Saint-Hilaire, Viagem às nascentes do rio S. Francisco; tradução de Regina Regis Junqueira. Belo Horizonte: Itatia/São Paulo: Universidade de São Paulo, 1975, 41 (Reconquista do Brasil, 7) Distingue-se, nos empreendimentos de hoje, duas "estradas reais", uma velha, ligando Minas Gerais a Parati, outra nova, levando diretamente ao Rio de Janeiro. Diferencia-se também o complexo de estradas em uma rota do ouro e outra dos diamantes. Durante a viagem de estudos culturais da A.B.E., foram visitadas várias cidades, tanto da estrada velha quanto da nova, tanto da rota do ouro quanto da dos diamantes. O escopo foi o de observar as ações e as conseqüências dos empreendimentos do Instituto Estrada Real e refletir acerca dos seus fundamentos teóricos e de suas justificativas político-culturais dentro de uma colocação mais ampla da questão dos caminhos, como aquela proposta pelo programa "Caminhos do passado: reorientações para o futuro" da A.B.E.. Tratava-se também de verificar as bases historiográficas e as necessárias diferenciações que correm o perigo de serem niveladas, assim como as transformações de sentido que se produzem com a difusão do termo, ou seja, se a designação Estrada Real se converte em atributo ilustrativo e de interesse superficialmente turístico tais como ocorre na Europa com "Estradas Românticas", e outras. Com base nas constatações e observações in loco, os debates deverão ter continuidade nos seminários da A.B.E.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).