Doc. N° 2158
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
105 - 2007/1
Palácio do Catete. Museu da República: Jogo de Damas
No âmbito da viagem de estudos culturais realizada em fins de 2006 e início de 2007 pela A.B.E., deu-se especial atenção à exposição intitulada Jogo de Damas, levada a efeito no Museu da República, Palácio do Catete, Rio de Janeiro. Nessa exposição (14 de agosto de 2006 a 4 de março de 2007), a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, dirigida por Nilcéa Freire e o Museu da República se uniram para salientar perfís femininos da história republicana, em particular das 34 primeiras damas, além de vultos de particular relêvo da história cultural, artística e social do país. A curadoria geral da exposição esteve a cargo de Luiz Alberto Zúñiga (coordenador da exposição), Cíntia Kury (coordenação executiva) e Filipe Chagas (programação visual). O significado da exposição para as reflexões encetadas no âmbito do complexo de questões tratado pela A.B.E., de título "Caminhos do passado - reorientações para o futuro", focalizando os estudos de expansão urbana nos seus vínculos com processos de transformação de identidades, com fatores econômicos e com a imigração, residiu no fato de salientar a perspectiva dos estudos de gênero na discussão. Um dos pontos de partida das reflexões específicas foi a rememoração de iniciativas de Nair de Tefé (1886-1981), espôsa do presidente Hermes da Fonseca, que convidou artistas populares tais como Chiquinha Gonzava e Catulo da Paixão Cearense para se apresentarem no Palácio do Catete. Essa iniciativa tem sempre sido mencionada em textos culturais e valorizada pelo fato de ter aberto salões a artistas populares. Quase sempre se salienta o escândalo da introdução do Corta Jaca e do Maxixe no palácio e a importância desse reconhecimento da música popular pelas esferas mais privilegiadas. Entretanto, uma reflexão mais profunda desses acontecimentos dirige a atenção a questões muito mais abrangentes e complexas. Como se discutiu em vários eventos da A.B.E., o processo performativo de identidades, acompanhado de mecanismos de contínua auto-reprodução de sentidos, leva, em sociedades de formação missionária, colonial e de imigração a situações de instabilidade, nas quais os protagonistas em ascenção tendem, por um lado, a exagerar nas suas manifestações de domínio das expressões culturais da sociedade hegemônica, tornando-se por assim dizer mais europeus do que os europeus, por outro lado, porém, continuam presos a situações sócio-culturais de donde se originam, manifestando, na realização do intendido, as suas singularidades diferenciadoras. Metaforicamente: a partitura cultural é européia, a realização sonora, porém, produto da situação de hibridismo de identidades. Sob a perspectiva dos estudos de gênero - que aliás forneceram subsídios básicos para essas concepções teóricas - a posição da mulher, em sociedade patriarcal, também estaria marcada pela necessidade de impor-se através da demonstração de domínio de expressões culturais e pela situação de inferioridade determinada por estruturas discriminatórias. O teor das reflexões encetadas dirigiu-se, assim, às questões derivadas de uma somatória dos dois processos em países de formação missionária, colonial e de imigração. As circunstâncias de instabilidade derivadas da situação feminina e do processo de dinâmica identificatória da sociedade poderiam levar, a serviço da auto-afirmação, a um extraordinário incremento de atividades, a uma produção exagerada de obras e textos, a manifestações múltiplas de domínio das mais recentes técnicas e formas de expressão. O analista cultural, no caso, deveria dirigir a sua atenção portanto não a essa quantidade de produções, mas sim à expressão de sua singularidade, em termos musicais, não à "partitura", mas sim à "realidade sonora". Aqui, apenas estudos culturológicos parecem poder abrir perspectivas de abordagens mais diferenciadas. Não parece ser tão relevante discutir se os processos que hoje se estudam da Criolização e Mulatização tenham uma conotação feminina ou não, devendo ser estudados primordialmente sob o ponto de vista de gênero. Mais relevante parece ser aprofundar a reflexão teórica relativa à interação de processos para análises mais apropriadas da cultura, uma vez que, em países de formação colonial e imigratória, hoje se observa uma explosão quase que inflacionária de produções culturais e de projetos culturais que necessitariam ser avaliados no seu sentido dentro de constelações globais e no conjunto dos processos em que se inserem. Para considerações filosófico-culturais, porém, o panorama que se descortina é de grande significado, pois a instabilidade de uma situação marcada ao mesmo tempo por fragilidade social e tendência à auto-afirmação através da produção cultural pode ser estudada nos seus elos com uma ânsia existencial, falta de equilíbrio interno e, portanto, com conflitos humanos inerentes a um processo cultural recebido da Europa e que precisariam ser refletidos e, talvez, superados. As discussões deverão ter prosseguimento.
A.A.B.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).