Doc. N° 2140
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104 - 2006/6
Música no Novo Mundo: Processos e reciprocidades
Conferência em Bad Nauheim
O Departamento de Cultura da cidade de Bad Nauheim, significativo centro cultural próximo de Frankfurt a. M., vem realizando, há anos, em colaboração com um grupo especializado de historiadores, séries anuais de conferências dedicadas a temas específicos de interesse internacional. O complexo temático do ano de 2006 disse respeito à problemas do continente americano.
A convite do magistrado do município, do prefeito Bernd Witzel e do primeiro conselheiro Konrad Dörner, e seguindo sugestão de três universidades alemãs, o editor deste órgão, assessorado por membros da diretoria da A.B.E., proferiu a conferência dedicada a questões musicológicas nas relações Europa-America, realizada no dia 6 de novembro. Seguiu-se um debate público.
Em primeiro lugar, foram salientadas as múltiplas possibilidades de tratamento do tema, as diversas perspectivas e procedimentos. Todos eles poderiam chamar a atenção para a relevância de questões musicais no estudo das relações euro-americanas. Poder-se-ia dirigir a atenção, entre outros aspectos, à música popular, que tanto influencia a vida musical européia na atualidade; à música tradicional ou folclórica dos diversos países, à música erudita, com os numerosos compositores e executantes de projeção internacional, à vida musical dos grandes centros do continente, com as suas casas de ópera e orquestras e à música dos diferentes grupos étnicos, dos indígenas, dos afro-americanos ou dos imigrantes. Poder-se-ia escolher outras categorias na consideração do tema, todas elas, porém, seriam insuficientes e apenas ofereceriam aspectos de um complexo panorama cultural. Por essa razão, o caminho para o tratamento do tema deveria ser outro, independente das focalizações convencionais segundo as várias áreas disciplinares e categorizações do objeto.
O pensamento condutor da exposição e dos debates foi aquele segundo o qual o processo de expansão européia, iniciado na sua dimensão transatlântica com Colombo, ainda não estaria encerrado. A sua vigência se revela da forma mais evidente nas frontes da expansão colonizadora e de ocupação das sociedades nacionais, por exemplo na Amazônia. O estudo dos processos de atração, contacto e integração de grupos indígenas na atualidade pode oferecer perspectivas para o estudo dos mecanismos inerentes a esse processo. A música desempenha um papel importante na atração, na conquista afetiva e na transformação cultural dos indígenas, fato salientado em vários relatos de sertanistas, indigenistas, missionários e etnólogos. Como discutido em simpósio da A.B.E. (2002), o primeiro contacto com a cultura nacional ocorre, em geral, com uma cultura rural, marcada por um repertório de imagens e conotações simbólicas que remontam a princípios de conversão e solidificação de identidade cristã dos primeiros séculos da colonização. As expressões lúdicas dessas expressões consuetudinárias são, assim, apenas aparentemente inócuas. Elas transmitem um conjunto de significados e normas e estabelecem mecanismos de transformação de identidades.
Foram expostas, a seguir, os princípios desse mecanismo de transformação cultural e a função da música e da simbologia instrumental segundo as análises que estão sendo desenvolvidas há anos no âmbito dos trabalhos da A.B.E. Salientou-se, nesse contexto, a transformação cultural por meio da integração de elementos culturais indígenas e africanos no repertório das imagens grotescas da natureza humana carnal segundo a simbologia medieval. Estabeleceu-se, assim um processo continuo de "carnavalização", deculturativo através da representação grotesca de tipos, e, ao mesmo tempo, autopoético de criação de sentidos antipológicos.
Após a elucidação do estado das discussões e dos trabalhos já realizados nesse sentido, sobretudo daqueles referentes ao Hibridismo como conceito de análise identificatória, tratou-se de questões relativas às transformações desse processo através de novos desenvolvimentos no século XIX, sobretudo por influência de imigrantes. Ofereceu-se um panorama das questões particulares que se levantam no tratamento histórico-musical de orientação culturológica dos Estados Unidos e da América Latina.
Salientou-se, sob este aspecto do cunho processual na formação de identidades culturais, a necessidade de revisões críticas de posições essencialistas da estética nacionalista de fins do século XIX e início do XX nos vários países americanos, contextualizando-os na história das tendências musicais européias da época. Também posições estéticas consideradas universalistas de compositores não-nacionalistas necessitariam, porém, ser rediscutidas por uma musicologia orientada científico-culturalmente.
Tratou-se, a seguir, das novas situações criadas por movimentos migratórios interamericanos, por exemplo do significado de grupos latinos que vivem em grandes cidades da América do Norte e na Europa para a história da música popular, em particular sob o aspecto da world music.
Por fim, salientou-se o projeto em andamento da A.B.E. que diz respeito às relações culturais transatlânticas e interamericanas nas suas interligações e interdependências. O tema da conferência - Música do Novo Mundo - não pode ser visto como assunto que diz respeito apenas a um desenvolvimento histórico e a um presente exóticos, do Outro, mas sim a um complexo cultural no qual a Europa não surge apenas como causadora, mas no qual está até hoje profundamente integrada. A consideração de linhas de desenvolvimento nas áreas e nas fronteiras da sua expansão pode, assim fornecer subsídios para a elucidação de estruturas e mecanismos da própria Europa.
A pesquisa da música do Novo Mundo não pertence apenas à Etnomusicologia, como é inserida no programa da maior parte dos institutos de musicologia da Europa. Ela é uma questão de natureza histórica, pois trata primordialmente de processos, ou seja, de desenvolvimentos no tempo. Salientar a necessidade e a importância da perspectiva histórica nessa área, porém, não significa defender uma Musicologia Histórica convencional, disciplina que está sendo justamente cada vez mais criticada pelos seus aspectos eurocêntricos . A situação atual da consideração de questões relativas à música das Américas nas instituições especializadas européias é altamente insuficiente; somente uma discussão mais ampla dos fundamentos teóricos do próprio trabalho científico é que poderá abrir caminhos para perspectivas mais promissoras.