Doc. N° 2101
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
102 - 2006/4
Metáforas e problemas da estetização Reflexões nos jardins da Villa Ephrussi Rotschild, Saint-Jean-Cap Ferrat, Côte d'Azur Ano de comemorações W.A.Mozart e Robert Schumann
No contexto do Festival littéraire des écrivains de la mer, realizado em Saint-Jean-Cap-Ferrat, localidade considerada a "pérola da Côte d'Azur", o Brasil esteve presente através de uma exposição de título "Les Jangadas du Brésil", de Philip Plisson, apresentada nos dias 1 e 2 de julho de 2006. Alguns meses antes, em março, representantes da Academia Brasil-Europa tiveram ali o ensejo de encetar reflexões concernentes às possibilidades e às dificuldades do uso de conceitos, procedimentos e argumentações baseadas em metáforas nos estudos culturais, em particular com relação ao termo Hibridismo. Retomou-se, assim, em local sugestivo para o tratamento do tema, questões discutidas em ocasiões anteriores, tais como no contexto de estudos de transplantações culturais do antigo projeto "A música na vida do Homem" (ICM/UNESCO), quando se considerou criticamente o emprêgo de conceitos derivados da biologia ou da botânica na argumentação histórico-cultural (São Paulo 1987). As reflexões foram desta vez particularmente marcadas pelas comemorações de Robert Schumann do ano de 2006, ou melhor por questões da recepção da obra de Robert Schumann no Brasil em situações caracterizadas por problemas identificatórios em comunidades de imigrantes, contextos aptos a serem analisados sob o prisma do Hibridismo e da utilização de metáforas. Ponto de partida das reflexões foi a rememoração do concerto coro-orquestral Schumann realizado pela comunidade de imigrantes de língua alemã em São Paulo, no dia 11 de abril de 1940, quando se executou "Der Rose Pilgerfahrt" (A peregrinação da rosa) op. 112, com texto baseado em poema de M. Horn para voz solista, coro e orquestra e o concerto em lá menor op. 54 para piano e orquestra, obras apresentadas após a audição da modinha "Último adeus de Amor", das "Modinhas Imperiais" coletadas por Mário de Andrade. O concerto foi realizado pela Sociedade Filarmônica Alemã Lyra em época crítica das relações internacionais e de problemas de identificação para os imigrantes de língua alemã, em benefício da "deutsche Nothilfe", com a anuência do Consulado Alemão em São Paulo. Solista do concerto de Schumann foi Margarete von Schütz, solistas de "A peregrinação da Rosa" Elfriede Lantzius-Benigna, Herta Beinhauer, Tatiana Braunwieser, Robert Donat, Fritz Wenger e Josef Springmann. O programa do concerto expôs, em português e alemão, o teor do texto, salientando o seu caráter metafórico: "O conteúdo da lenda, com as suas reflexões algo exageradas para o nosso modo de pensar e com certas sensibilidades romanticas, para a qual Roberto Schumann escreveu uma música quasi popular e de valor eterno, resume-se em breves palavras no seguinte: Após a descrição da bela primavera pelas vozes femininas anuncia-se o dia de São João pelo tenor que nesta obra representa o papel do anunciador e explicador. Segue-se então uma dansa de fadas pelo coro feminino, ouvindo-se em seguida uma flor, uma rosa, que lamenta em melodia suave a falta da primavera de amor para as rosas (...) As reflexões a respeito do uso de metáforas em contextos híbridos procuraram encontrar motivações nos jardins da Villa Ephrussi de Rothschild. Essa fundação-museu, que conserva objetos preciosos e coleções raras, está instalada em construção de 1910/12, caracterizada por um estilo eclético, famosa pelos seus jardins em diferentes estilos e repleto de implicações e conotações metafóricas. A obra foi uma criação de Charlotte Béatrice de Rothschild (1864 1934), membro da família de banqueiros Rothschild. nascida em Paris. Passou a sua infância no castelo de Ferrières (Seine-et-Marne), cujo parque foi desenhado por Joseph Paxton, paisagista inglês que, após ter observado a estrutura de uma folha, criou a estrutura do Crystal Palace na Exposição Universal de Londres, em 1851. Em 1883, casou-se com o banqueiro Maurice Ephrussi (1849-1916), nascido na Rússia e que atuara com a família Rothschild em negócios de petróleo na área Baku do Azerbaijan. O casal mantinha uma residência em Monte Carlo. Nas suas viagens, Béatrice adquiria pinturas de mestres antigos, esculturas, objetos de arte, porcelanas raras e móveis antigos. Em 1902, o primo de seu marido, Th. Reinach, deu início à construção de uma vila em estilo grego em Beaulieu-sur-Mer. A baronesa, impressionada com a beleza da região, adquiriu em Cap Ferrat o terreno para a construção de uma vila em estilo veneziano com a finalidade de abrigar a sua coleção e o seu zoológico particular com pássaros e animais exóticos. A Villa foi doada em 1934 à Academie des Beaux-Arts do Institut de France. Aaron Messiah, arquiteto do rei Leopoldo II da Bélgica, integrou no projeto final elementos neo-venezianos, obtidos em viagens. A composição vista como característicamente italiana se manifesta no uso da água nos jardins para o qual se abre a fachada: a corrente que corre entre tanques simétricos ligados por um canal que se prolonga até uma cascata e um pequeno templo de estilo neoclássico representa metaforicamente a água selvagem que se civiliza à medida em que se aproxima da habitação, atravessando tanques e terraços cada vez mais refinados. Devido a sua disposição geométrica, porém, esses jardins foram considerados como sendo à la française na época da fundação. O conjunto foi desenhado por Achille Duchêne, paisagista de renome na Europa e nos Estados Unidos. A série de jardins se inicia com um jardim espanhol, no qual se entra através de uma gruta construída em espírito do Classicismo; uma fonte alimenta o pequeno canal desse jardim fechado. De lá se pode descobrir o jardin lapidaire, onde se encontram elementos de arquitetura não utilizados na construção.O jardim asiático, com bambús, mostra o universo exótico que conduz por fim de volta a um jardim de rosas ao pé de um pequeno templo hexagonal. Relacionado com o arte inglesa de jardinagem há uma parte deixada em estado natural. Menção especial merece o jardin provençal, em terraços, que deu origem o estilo neo-regional na Riviera. As reflexões se basearam sobretudo nos problemas da recepção ambivalente de linguagens e obras baseadas em pensamento metafórico. Como na Villa visitada ou no evento Schumann entre os imigrantes alemães de São Paulo da época da Guerra, a metáfora vegetal e/ou floral contribuiria para uma visão estetizante da realidade. Seria esse o caso do uso do termo Hibridismo na atualidade, traria ele em si o perigo de levar a uma recepção superficial nos estudos culturais, encobrindo as tragédias humanas, sociais e ecológicas? Salientou-se, porém, que esse problema parece poder ser evitado se o conceito - em si de fato criticável - deveria não tanto servir para categorizar fatos e processos mas sim para a auto-crítica do estudioso, contextualizando-se ele a si próprio.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).
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