Doc. N° 2091
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
101 - 2006/3
Estudos Indígenas e Post-Colonial-Studies Ciclo de estudos - maio de 2006
Fotos: J. de Andrade O objetivo desse ciclo de estudos foi o de retomar os trabalhos internacionais relativos às culturas indígenas no Brasil, desenvolvidos desde 1992 com o apoio do Serviço das Relações Exteriores da Alemanha, à luz das discussões teóricas encetadas na sessão realizada no Museu de História Diplomática do palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, pelo encerramento do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros, em 2002. Tratou-se, numa série de 8 sessões, sobretudo das possibilidades do emprêgo de conceitos e de aportes críticos de pensadores do Post-Colonial-Studies nos estudos indígenas. Indagou-se se a consideração dessa literatura poderia abrir novos caminhos para a análise de processos e fatos do passado e para uma maior sensibilidade perante situações do presente em várias regiões do Brasil, sobretudo naquelas caracterizadas pela migração de indígenas a zonas urbanas, com todas as dificuldades concernentes a processos de transformação de identidades. Introdutoriamente, ressaltou-se a necessidade de uma renovação contínua das reflexões teóricas nos estudos indígenas e sobretudo de uma contínua auto-observação crítica por parte do estudioso, analisando a sua posição perante o indígena, os modêlos de pensamento que consciente ou inconscientemente emprega e o seu discurso. Salientou-se, a seguir, a necessidade de uma contínua reavalição dos aportes do passado e da atualidade sob diferentes perspectivas, no caso, à luz da crítica de pensadores póscoloniais. Em estudos de caso, procedeu-se à releitura crítica de exemplos da literatura relevante para os estudos indígenas, de autores estrangeiros e brasileiros, dando-se principal atenção à representação do indígena nos diferentes textos. Foram considerados, entre outros, escritos de Th. Koch-Grünberg, M. Schmidt, F. Krause, E. Snethlage, A. Brückner, F. Speiser, H. Werhli, E. Wustmann, O. Zerries, E. Nordenskiöld, K. G. Izikowitz, Cl. Lévi-Strauss, C. M. da Silva Rondon, Roquette Pinto, Paes de Souza Brasil, Willy Aurelio, Herbert Baldus, E. Schaden, Helza Cameu, Desiderio Aytai e de estudiosos de hoje. Foram tratados, a seguir, problemas históricos referentes às culturas indígenas, à arqueologia e reconstrução do passado pré-colombiano e à etnohistória sob a perspectiva da construtividade de edifícios históricos e da questão de possíveis deconstruções. Considerou-se os aportes já antigos da comparativística etnográfica, sobretudo da organologia para a reconstrução histórica de culturas e processos culturais. Salientou-se o fato de que as reflexões referentes à questão da alteralidade trazem implicações de natureza fundamental para a própria definição de etnologia e do enquadramento dos estudos indígenas no seu âmbito e não na área dos estudos da cultura da sociedade hegemônica (estudos de folclore, estudos da cultura popular). A própria divisão disciplinar implicaria na questão de identificação cultural do próprio observador e na forma com que se defronta com o indígena. Entretanto, uma extensão do objeto da etnologia a questões da cultura dominante e um entendimento do Folclore como "etnologia européia", como o desejam alguns estudiosos, sobretudo europeus, não seriam suficientes para a solução dos problemas. A identificação da etnologia com os estudos culturais, pelo seu desenvolvimento histórico e prática mais relacionados com a cultura popular de grupos subprivilegiados e minoritários de sociedades ocidentais, por exemplo com a transformação da etnomusicologia em área de pesquisa da cultura da música popular, traria em si o perigo de uma absoluta europeização da disciplina, que se transformaria em nova edição da área de estudos definida a partir da cultura do observador, ou seja, do antigo Folclore (ou Volkskunde). Como problema fundamental da aplicação de aportes do Post-Colonial-Studies nos estudos culturais indígenas foi salientado o fato de terem sido esses estudos desenvolvidos por estudiosos procedentes de outros contextos culturais, sobretudo de regiões de influências britânicas e francesas, descolonizadas em passado relativamente recente. Quando utilizados por pensadores provenientes da América Latina, traz em si o perigo de que se considere a sociedade decorrente do processo colonial nesses países como sendo somente a vítima de um sistema colonial, sem considerar que ela foi e é também extensão desse próprio sistema e agente do processo colonizador com relação ao índio. A seguir, discutiu-se propostas recentes de latinoamericanos confrontados eles próprios com questões de migração relativas a uma revitalização do conceito de Antropofagia cultural. Assim, Luzenir Caixeta, ao refletir acerca das possibilidades de uma deconstrução feminista da hegemonia cultural eurocêntrica a partir da perspectiva da auto-organização política de migrantes na Europa, sugere uma estrategia de ação baseada no Antropofagismo dos anos vinte da história das reflexões brasileiras. Essa estrategia seria capaz de resistir a uma política cultural eurocêntrica e uma prática de atribuição na forma de vitimização ou exotização ("Anthropophagie als Antwort auf die eurozentrische Kulturhegemonie (...)", in H. Steyerl, E. G. Rodriguez (ed.), Spricht die Subalterne deutsch? Münster 2003, 186-194). Discutiu-se, porém, no âmbito do ciclo de estudos, se justamente as idéias do Antropofagismo Cultural dos anos 20 não seriam expressões de uma sociedade profundamente vinculada com a Europa, e o mecanismo deglutador e criador idealizado antes expressão de processos eminentemente coloniais, apesar de todas as suas conotações com as antigas práticas antropofágicas indígenas, o que significaria na verdade uma apropriação indevida e uma forma de construção e representação em nome do indígena. Entretanto, apesar de todos os problemas, salientou-se o fato de que a atenção a certos fenômenos e processos discutidos no âmbito dos Post-Colonial-Studies pode ser de grande utilidade para os estudos indígenas. Este seria o caso do interesse por questões de identidade e de sua transformação, problema esse fundamentalmente experimentado pelo indígena desde o início da história colonial e da cristianização. Também seria o caso do conceito de Hibridismo para o estudo das situações de instabilidade daí decorrentes. Entretanto, aqui manter-se-ia o problema do posicionamento do observador, uma vez que o Hibridismo cultural da sociedade criada pode ser analisado de duas perspectivas, do agente transformador e do transformado. Na cultura híbrida resultante manter-se-ia a visão do indígena como o Outro, o velho ou o superado. Essa situação foi considerada em estudos de caso de expressões culturais de comunidades indígenas em fase de integração em zonas periféricas de cidades do Norte do Brasil, em especial de Roraima, do Amapá e do Acre. Por fim, salientou-se que as reflexões dos representantes dos Post-Colonial-Studies podem ser sobretudo úteis para a auto-análise cultural do próprio pesquisador, para o exame de sua posição e de seus modêlos de pensamento. A crítica póscolonial seria antes um problema interno da própria sociedade colonizadora. Com relação ao índio, a denominação desses estudos como sendo pós-coloniais seria imprecisa e poderia conduzir a êrros, uma vez que se encontram confrontados com os mecanismos de processos coloniais ainda atuantes. A.A.Bispo
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