Doc. N° 2082
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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África islâmica e "África negra" na América Latina - Informações e ações Papel histórico de missionários franceses Reflexões relativas à missão pontifical da Obra de Propaganda da Fé, Paris e Lyon
Questões relativas à imagem do mouro e do negro na cultura brasileira já foram debatidas, sob diferentes perspectivas, em vários eventos organizados pela Academia Brasil-Europa e pelas instituições a ela integradas. Esses debates se concentraram sobretudo na análise e interpretação da linguagem simbólica de expressões culturais tradicionais relacionadas com o conflito entre cristãos e mouros, como foi o caso na sessão de Paraty do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros, em 2002. O estudo dos paradigmas antropológicos de fundamentação bíblica demonstraram sobreposições de imagens do negro e do muçulmano na ordem simbólica de expressões culturais, mas também diferenças que necessitam ser consideradas nas análises. No âmbito da discussão das possibilidades de uma deconstrução de construções ocidentais do Oriente do corrente ano, com base na crítica de autores dos Post-Colonial-Studies e motivados pelos conflitos da atualidade, a questão foi tratada sob outro ponto de vista. O interesse dirigiu-se não a concepções inerentes e aos fundamentos conceptuais de expressões culturais tradicionais do Brasil, mas sim a processos muito mais recentes, ou seja, da época da emancipação dos escravos no país, em meados do século XIX. Tratou-se da questão da imagem da África numa sociedade que se preparava para a mudança ou que a ela resistia. No decorrer dos estudos, discutiu-se o fato singular, até hoje pouco considerado nos estudos africano-brasileiros, da existência de elos entre a propagação do movimento emancipatório, ou melhor entre um aguçamento da sensibilidade de esferas politicamente influentes da sociedade brasileira pelos problemas éticamente insustentáveis do regime de escravidão e a difusão de conhecimentos da situação do africano na própria África, retratos aptos a despertar comoção e desejos de ajuda. O mais relevante desse relacionamento sob muitos aspectos paradoxo é o fato de ter sido essa difusão de conhecimentos dirigida e sistematicamente organizada por instituições internacionais As discussões se fundamentaram sobretudo na obra Douze ans dans l'Amérique latine. Voyages. Souvenirs - Travaux apostoliques do Mgr. Ferdinand Terrien, publicado em Paris, pela Librairie Bloud, em 1903. Essa obra, pouco conhecida e considerada nos estudos brasileiros, revela-se como de excepcional interesse pela posição exponencial de seu autor na hierarquia católica, nas ações missionárias internacionais e nas relações culturais entre a Europa, a África e a América Latina, em particular entre a Santa Sé, a França e o Brasil. Trata-se de um livro de 431 páginas, com 90 gravuras e 7 mapas no texto. O Monsenhor Ferdinand Terrien, sacerdote da diocese de Nantes, membro da Sociedade de Missões Africanas de Lyon, França, realizou os seus principais empreendimentos na qualidade de delegado da "Obra de Propagação da Fé em favor das missões estrangeiras dos dois mundos". Essa organização possuía os seus conselhos centrais em Lyon e em Paris. Após ter passado seis anos na América do Sul, visitando o Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile com a finalidade de executar uma missão especial em favor dos cristãos da costa ocidental da África, Mons. Terrien retornou a Lyon em abril de 1888 para, juntamente com o seu companheiro de viagens, P. Boutry, apresentar o resultado de seus trabalhos ao Superior Geral da Sociedade de Missões Africanas. Nessa época, os conselhos centrais da Obra da Propagação da Fé procuravam meios para enraizar essa organização nos países católicos da América Latina. Aos diretores pareceu ser o Mons. Terrien a pessoa adequada para fazê-lo, uma vez que vivera vários anos na região e dominava o espanhol e o português. Em carta de primeiro de abril de 1889, o presidente do Conselho Central de Paris, C. Hamel, e o presidente do Conselho Central de Lyon, Fr. des Garets, salientaram a competência de F. Terrien e o fato de ser a missão a ele confiada já aprovada pela Sacra Congregação de Propaganda Fide de Roma. Ele havia conhecido as necessidades dos missionários na África, pois atuara vários anos na Costa dos Escravos, tendo constatado a miséria dos propagadores do Evangelho e a falta de recursos necessários para a missão africana. Ninguém melhor do que ele seria capaz de fazer com que os fiéis das nações católicas da América do Sul compreendessem a necessidade de ajuda à África. Ele deveria deixar organizada uma rêde de contactos, com diretores em cada diocese, com o objetivo de angariar os recursos de alta monta necessários para a África. A nomeação de F. Terrien para essa obra deu-se por carta de 5 de fevereiro do mesmo ano, onde se salientava mais uma vez a finalidade do empreendimento. A Obra já se estabelecera praticamente em toda a Europa e também em alguns países do Novo Mundo. Várias nações, entre elas os Estados Unidos, já ocupavam uma posição de destaque no esforço de angariar fundos para a missão jundo "aos infiéis de todo o mundo". Entretanto, a precariedade da organização em outros países da América tinham até então impedido um desenvolvimento satisfatório dos trabalhos. De países potencialmente tão ricos da América Central e da América Meridional, países onde a fé era tão ardente e a caridade tão generosa, apenas se recebia de vez em quando algumas parcas esmolas. Nos Anais da Propagação da Fé, no seu Boletim de abril de 1889, ficou registrada a audiência pontifical concedida pelo papa Leão XIII à Obra da Propagação da Fé no dia 15 daquele mês. O missionário surge aqui como enviado diretamente do Pontífice aos países americanos. Nessa missão, F. Terrien foi acompanhado pelo P. Léandre Gallen, da Bretanha, também membro da Sociedade das Missões Africanas. A partida deu-se no dia 19 de outubro de 1989 pelo transatlântico "La Bretagne", com destino de Nova Iorque, uma rota mais curta do que aquela que ligava Saint-Nazaire a Vera Cruz. Nos dois primeiros capítulos da obra, o autor relata pormenores da viagem do Havre ao México, as suas primeiras impressões no país, a recepção pelo arcebispo do México, uma noite no Círculo Católico, uma carta pastoral do arcebispo e dá pormenores a respeito da organização do Comitê, das relações entre a imprensa católica e a Obra. Para atingir os objetivos da sua viagem, F. Terrien procurou sempre impressionar e comover os católicos dos diversos países com relatos de suas experiências na África, salientando os aspectos negativos das religiões locais: "l'horrible fétichisme et les sacrifices humains de la Guinée, tantôt sur le fanatisme des musulmans" (pág. 81). Essas informações, expostas no capítulo III de sua obra, constituem hoje, se lidas criticamente, material de extraordinário interesse para o estudo cultural de várias etnias da África e para o estudo mais diferenciado do despertar das atenções em meios de estudiosos das Américas para questões africanas e afro-americanas. Nesse capítulo, o autor trata dos seguintes pontos: O fetichismo ou a idolatria; Os sacrifícios humanos; O papel do missionário: a igreja de Porto Novo; S. José de Tocpo; O Passado e o presente; Tiko; Coisas do Egito; Tantah; Fayoum. Apenas após expor o conteúdo de seus relatos africanos nas comunidades que visitava no México (e mais tarde no Brasil) é que o autor passa a dar notícias relativas à cultura mexicana no capítulo IV, considerando usos e costumes, relatando uma viagem ao país dos Astecas e considerando a devoção a Nossa Senhora de Guadalupe. A seguir, expõe os primeiros resultados da Obra, incluindo cartas dos cardeais Simeoni e Lavigerie e descrevendo os trabalhos em Toluca e Puebla, em San-Andres-Chalchicomula, em Veracruz e o relato feito aos Conselhos Centrais da Propagação da Fé para o ano de 1890. O capítulo VI é dedicado aos trabalhos do ano de 1891, considerando, entre outros pontos, ações realizadas em Querétaro, Léon, Guanajuato e San Luis Potosi. Nos anos de 1892 e 1893, como exposto no capítulo VII, o autor realizou uma viagem a Roma, onde teve uma audiência com o Papa Leão XIII, retornando depois ao México via New York. Atuou em Guadalajara e visitou Zamara e Tulancingo. No ano seguinte, visitou as dioceses de Linmares, Saltillo, Zacatecas, Durango, Oaxaca, Colima e Tepic. Em 1895, encerrou a sua missão mexicana e retornou à Europa, tendo nova audiência pontifícia. Realizou também uma viagem à Terra Santa e ao Egito. A segunda parte da obra é dedicada aos trabalhos de F. Terrien na América do Sul, começando pelo Brasil, onde esteve em 1896 e 1897 (Capítulo X), continuando com o relato de seus esforços no Uruguai e na Argentina, em 1897 (Capítulo XI), da sua visita à Patagônia, em 1898 (Capítulo XII), da sua viagem ao Chile por mar e por terra (Capítulo XIII), da sua obra no Chile, da viagem à Bolívia e ao Peru, em 1899 (Capítulo XIV) e, por fim, à Venezuela (Capítulo XV). A viagem à América do Sul foi realizada a partir de uma carta-convite recebida do Arcebispo de Montevideo. Sabendo dos sucessos obtidos no México, pedia ao Conselho da Obra que enviasse também delegados aos países sul-americanos. Certamente foi essa uma medida para que a vinda do missionário fosse realizada a pedido das próprias igrejas locais e não como iniciativa externa. F. Terrien partiu no dia 20 de novembro de 1896 de Bordeaux, acompanhado de um irmão da Sociedade. F. Terrien já tinha percorrido o Brasil de 1882 a 1884, juntamente com o já falecido P. Boutry e salientava o desejo que sempre teve em retornar, lembrando da riqueza do país, da beleza de sua natureza e sobretudo do acolhimento tocante que recebera, da caridade dos brasileiros, tendo sempre recordado as pessoas que conhecera e que se tornaram seus amigos. De forma entusiástica descreve ele a entrada da Baía do Rio de Janeiro, comparando os seus montes com um pórtico, lembrando obeliscos à entrada do templo de Isis e de Osiris no antigo Egito. F. Terrien expressa a sua admiração pela beleza da natureza do Brasil rememorando as florestas que visitara nas várias províncias. O que mais admirava era a magestade, a solenidade da floresta virgem. Os troncos de árvores gigantescas surgiam, para êle, como colunas de um templo imenso que se elevava ao ar, culminando com volutas de galhos entrelaçados. Sob a sombra das árvores reinaria uma calma profunda, uma obscuridade misteriosa que despertaria na alma a idéia de uma potência superior. Um volume não bastaria para descrever a variedade desses espetáculos e a diversidade da vegetação. A seguir, passa a descrever uma fazenda de café, entrando em pormenores a respeito das construções, das plantagens, da casa de fazenda e da vida familiar dos fazendeiros. Inclui no seu livro um documento de particular interesse, um longo texto descritivo de uma fazenda de autoria de uma brasileira, Margarida Pereira Pinto. Nesse trabalho, a autora se refere sobretudo às fazendas do Estado de São Paulo, salientando que as mais belas se encontrariam a Oeste. Depois da abolição da escravatura, os africanos teriam abandonado pouco a pouco as fazendas, alguns deles teriam porém permanecidos fiéis a seus antigos donos, morando em casas separadas. Entre eles, muitos tinham vindo jovens da África, sobretudo de Angola. Eles se denominavam "malungos" ou companheiros, se lembravam freqüentemente do seu país natal, falando dele com amor e entoando cantos cujas vibrações ainda permaneciam na memória. Os africanos das fazendas de São Paulo não representavam porém mais do que uma parcela pequena da população que parecia estar destinada a desaparecer. Na época, era a imigração italiana que supria as necessidades de mão de obra. Os italianos teriam invadido o Estado de São Paulo e não haveria plantação na qual não constituissem a maioria dos trabalhadores. Uma colonia seria uma verdadeira aldeia formada por casinhas de boa aparência, agrupadas às vezes ao redor de uma igreja e com cercas para proteger um pequeno terreno que o colono cultivava para viver, uma vez que não era pago senão pela colheita. Os demais trabalhos eram efetuados pelos camaradas, trabalhadores assalariados e a serviço dos proprietários. Descrevendo a movimentação pitoresca de uma colheita de café, a autora se refere à fazenda Santa Cruz da família de M. Elias Chaves, com 500 hectares e mais de 420.000 pés, assim como à fazendo São Martinho, com mais de dois milhões de pés. O texto representa uma das mais pormenorizadas descrições da vida do colono italiano que se conhece. F. Terrien salienta que, à época em que vivera anteriormente no Brasil, ainda havia a escravidão. Em geral, porém, o espírito cristão dos proprietários teria permitido que se estabelecesse uma "grande doçura" nas relações com os africanos. Todos previam a mudança próxima no estado social do Brasil e muitos procuravam evitar uma modificação por demais brusca, procedendo a uma libertação gradativa. O imperador Pedro II tinha sido uma homem predestinado a fazer tal revolução pacífica. Espírito superior, elevado através do estudo científico, familiarizado com todas as grandes questões modernas, orientado por princípios cristãos, tinha sido o primeiro a conclamar todos os escravos à liberdade, mas o ato da emancipação somente teria sido assinado pela Condessa d'Eu, sua filha, à época em que fora regente do Império. Pouco depois desse ato memorável, F. Terrien teria tido a honra de falar com Pedro II e com todo o corpo diplomático reunido na igreja paroquial de Petrópolis. Missionário africano, dedicado à melhoria da vida espiritual e material dos africanos, não perdeu a oportunidade de solicitar à assistência ajuda para o trabalho de evangelização no outro lado do Atlântico, em particular na Costa dos Escravos. O acolhimento que recebeu por parte do imperador, da imperatriz, do conde e da condessa d'Eu, as palavras de simpatia dirigidas ao missionário demonstraram que suas palavras não foram em vão. As grandes famílias da Corte, de São Paulo e de Minas, os ricos fazendeiros seguiram o exemplo da família imperial, oferecendo substanciosas doações para o auxílio dos africanos na Costa dos Escravos. O livro de subscrições do missionário incluia uma longa série de nomes dos mais ilustres do Brasil. Discutiu-se, por fim, o tipo de informações que Pedro II, a princesa Isabel e outros dignatários do Império receberam desse enviado em missão pontifícia com base nas suas próprias palavras. Sobretudo, ele salienta a necessidade de uma consideração mais profunda do fetichismo. À luz de um estudo mais pormenorizado, o fetichismo surgiria como algo muito diferente daquilo que os europeus julgavam. Tinha-se a surprêsa de nele descobrir, por detrás das aparências grosseiras, um encadeamento de doutrinas e todo um sistema religioso de notáveis analogias com o paganismo das nações da Antiguidade. Se as estátuas disformes dos africanos fossem substituídas por modelos da arte grega, então se revelaria a presença de sentidos idênticos sob formas diversas, descobrindo-se todo o panteão antigo de deuses, semi-deuses e gênios tais como Netuno, Marte, Mercúrio, Vulcano, Esculápio e Apolo. Já que muitos cientistas procuravam desvendar os hieroglifos, a estudar os cultos antigos ou a procurar restos arqueológicos de antigas religiões, não seria menos interessante dedicar a atenção aos mistérios desse fetichismo que era a religião de milhões de seres humanos na África equatorial. Isso representaria o "muito obrigado" dos missionários àqueles que teriam ajudado a obra apostólica. Os viajantes, ficando apenas pouco tempo no meio dos africanos, apenas teriam uma visão superficial dessas religiões; os missionários, pelo contrário, obrigados a fazer um estudo cuidadoso dos ídolos e das cerimônias, poderiam dar informações preciosas a respeito desse misterioso continente. Em particular, o autor trata de uma divindade tão antiga quanto o mundo, ou seja, a da serpente e do seu templo (Dangbé Romé). Esse culto seria uma reminiscência de tradições antigas, vivas ainda na costa da África, provenientes de práticas e concepções julgadas por alguns como sendo anteriores à da religião cristã, provavelmente originárias do Egito. Segundo o autor, haveria aqui relações com o antigo culto gnóstico dos ofitas. Para motivar os seus ouvintes à ajuda aos pobres africanos, imersos na obscuridade, o missionário salientava o culto ao demônio na Costa dos Escravos. O príncipe dos maus gênios, o mais perverso e o mais terrível seria Echou (Exú), palavra que significaria o Intrépido. Seria também chamado de Elegba ou Elegbara, o Forte, ou também Ogongo Ogo. O missionário oferece, em texto relativamente longo, pormenores a respeito das práticas dedicadas à Exú. Para ele, seria comparável a Priapos da Antiguidade, que segundo Origenes seria o deus da turpidez, nada outro do que o Beelphegor dos moabitas. Sobretudo de interesse para os estudos africano-brasileiros são as suas referências ao conceito de Oricha (Orixá). Relatando um mito de Elegba, cultuado num templo próximo à missão católica de Porto Novo, - fato de interesse para os estudos por se tratar de tradição oral - , salienta que seria ele que levaria à contenda. Sob esse pano de fundo de horrores, apelava a seus leitores (ou ouvintes): "Católicos, meus caros leitores, ajudai-nos a destruir o culto do demônio para substituí-lo por aquele de Jesus, morto na cruz para a salvação de todos os homens. Podemos nós dizer que amamos a Deus se não amamos o nosso próximo do qual conhecemos as imensas necessidades. Os pobres irmãos morrem de fome de Deus, e nós não teríamos pena dessas almas imortais como as outras! Piedade! As almas do purgatório que nos inspiram uma piedosa compaixão são amigas de Deus e têm a certeza da sua salvação eterna. Os pobres africanos morrem aos milhares todos os dias, e morrem sem Deus e sem fé, sem esperança e sem amor. Amemos pois a Deus nos nossos irmãos, enviamos a eles que gemem na pior das escravidões, aquela do demônio, apóstolos que farão por eles o que fizeram por nós, os missionários de Jesus Cristo que a eles darão, em uma palavra, Deus, a salvação e a esperança" (pág. 92) O autor oferece ainda várias outras informações, por exemplo a respeito da concepção de Deus, Olorun, e da criação do mundo. Menciona Ogun e Chango (Xangô). Salienta que os portugueses chamariam aos sacerdotes desse culto de feiticeiros, sendo os mais importantes aqueles de Ifa, divindade dos casamentos e da natureza, consultada através da sorte. As sacerdotisas seriam as mais fervorosas no exercício de suas funções. Considera também a sociedade secreta de nome Ogboni no país dos Nago. Relatando as atividades da Igreja de Porto Novo, o missionário descreve a festa por ocasião da benção da igreja local, construída com a ajuda de católicos de Nantes, com a presença do rei Toffa, e na qual tomaram parte os comerciantes brasileiros que ali se encontravam. A festa ocorreu no dia 24 de novembro de 1878 e foi realizada com grande aparato, com cânticos marianos e com a assistência de pagãos e muçulmanos. Após alguns dias, os missionários conseguiram que um bosque próximo à igreja fosse abatido, uma vez que o Deus dos cristão tinha-se mostrado mais forte do que Xangô. Mais uma vez o missionário procurava comover os seus ouvintes: "A hora da alvorada e da luz evangélica soou para esses povos, até hoje nas trevas da idolatria e das práticas do fetichismo sanguinolento. Nós não podemos esperar conversões em massa, mas nós podemos ao menos contar com numerosas almas, e a juventude, formada nas nossas escolas, promete uma geração de sólidos cristãos" (pág. 98) Um subcapítulo especial é dedicado na obra à parte da África que o autor considera a mais digna de interesse e da atenção dos católicos da Europa e das duas América, ou seja, àquela da costa ocidental que se estende do Cabo das Palmas até o golfe de Biafra. Na época das grandes descobertas, os portugueses teriam dado especial atenção à cristianização dos povos. Agora, porém estes estariam em perigo de cair na mão de protestantes europeus, ingleses ou alemães, ou de muçulmanos. Aqui, o missionário fazia outro apelo a seus ouvintes: que os católicos da América, que saberiam tanto fazer obras de caridade e de humanidade, impedissem que milhões de homens, irmãos, se fizessem maometanos ou protestantes. Pela sua generosa esmola, o número de missionários aumentaria. Não se desconhecia, portanto, totalmente nomes e conceitos relacionados com os orixás nas altas esferas sociais do Brasil. Sobretudo referências a Exú eram feitas para alcançar a comoção dos ouvintes e motivá-los a doações. Ao mesmo tempo, salientava-se o valor científico dos conhecimentos dos missionários, uma vez que conheciam melhor do que os cientistas os pormenores de práticas religiosas que seriam reminiscências da Antiguidade. Sobretudo, porém, a ajuda dos brasileiros mostrava-se necessária para o socorro daqueles católicos ameaçados pela missão protestante e, em especial, pela islamização de antigos territórios cristãos. Os estudos relativos a expressões culturais da esfera islâmica que são hoje considerados como reminiscências de escravos da África Negra não podem portanto deixar de considerar a possibilidade de aqui se tratar de africanos de antiga identificação cristã. Antonio Alexandre Bispo
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