Doc. N° 2070
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
99 - 2006/1
Revelação divina e normas clássicas no pensamento construtivo ibérico e suas extensões nos territórios de missão e colonização Sessões de estudos pelos 400 anos de nascimento de Juan Caramuel de Lobkowitz
No contexto da discussão de questões relativas a processos de formação de identidades e a análise de estrategias de encontro nos estudos culturais a Academia Brasil-Europa realizou, em colaboração com a Universidade de Colonia, uma série de sessões destinadas a estudos do relacionamento entre a recepção de normas clássicas em interpretação cristâ e a formação de identidades culturais na arquitetura dentro da história das relações históricas intereuropéias e de suas projeções e reinterpretações no Novo Mundo. As reflexões foram motivadas pela passagem dos 400 anos de Juan Caramuel de Lobkowitz (1606-1682), monge cisterciense, diplomata e bispo, personalidade de projeção européia e autor de obra de excepcional relevância para estudos teóricos em contextos interculturais. As reflexões partiram do tratado Medidas del Romano (Toledo 1526) de Diego de Segredo, dedicado ao Arcebispo de Toledo. Essa obra marcou o início de uma série de tratados teóricos de arquitetura na Espanha. Nele se manifesta a recepção da obra de Vitrúvio e de Leon Battista Alberti na Península Ibérica. O tratado apresenta-se na forma de um diálogo entre dois amigos a respeito da ordenação de colunas e da doutrina das proporções. Faz-se crítica às más proporções e à falta de beleza das construções espanholas. Salienta-se o cunho modelar do corpo para os estudos de proporções e do significado da geometria. O pensamento central da argumentação é a de que um bom arquiteto não é apenas um artista - ele é e deve ser sobretudo um filósofo. De particular significado nos estudos de identificação é o fato de se introduzir na classificação dos 5 gêneros (dórico, jônico, toscano, coríntio e ático) uma quase-ordem orientada em características espanholas e caracterizada por colunas monstruosa, por candelabros e pela balustrada. Discutiu-se a noção de coluna monstruosa com base na concepção tipológica de fundamentação teológica. O conceito de "Balaustium" foi discutido nas suas relações com o símbolo da flor de Granada e suas conotações com a Reconquista e, assim com a identidade cristã da Espanha. A seguir, discutiu-se o pensamento de Juan Bautista Villalpando S.J. (1552-1608), exposto em Ezechielem Explanationes, publicado em Roma, em 1596. Nessa obra, a fundamentação cristã da teoria arquitetônica espanhola já se mostra em toda a sua evidência, uma vez que as argumentações partem do templo de Salomão em Jerusalem. O mais importante não são tanto as tentativas de reconstrução do santuário em harmonização com conceitos da Antiguidade Clássica, mas sim a concepção teórica de templo bíblico como ideal arquitetônico de origem divina. Após a consideração de problemas teológicos manifestados na polêmica entre Benito Aris Montano e J. B. Villalpando, passou-se a discutir o relacionamento entre concepções musicais e arquitetônicas, e as suas transformações no contexto da Companhia de Jesus e de sua ação nos países de missão. Sob esse aspecto, discutiu-se sobretudo questões de análise intercultural referentes à época da união pessoal entre Portugal e Espanha. Justificando a relevância de questões construtivas espanholas para os estudos brasileiros do século XVII, discutiu-se conceitos da época de Felipe II na sua imagem de novo Salomão e, consequentemente, do templo como modêlo de um palácio barroco de conotação claustral. Um estudo pormenorizado do El Escorial foi ponto de partida para a discussão de princípios conceituais de planejamento urbano e de construção de cidades nos territórios de missão da América Latina. As aldeias jesuíticas e as atividades culturais de formação comunitária nas missões do Paraguai e suas repercussões foram consideradas sob a perspectiva de conceitos de fundamentação bíblica e de interpretação hermenêutica. Passou-se então ao estudo do tratado de Fray Lorenzo de San Nicolás (1595-1679), Arte y Uso de Architectura (Madrid 1639), no qual se constata o cuidado pelo tratamento de questões práticas e pela necessidade de contrôle contínuo dos procedimentos construtivos. Saindo das considerações relativas ao Jesuitismo, considerou-se aqui o arquiteto a serviço da Ordem Augustina, sem porém perder a perspectiva voltada para a questão da ordenação de fachadas e da arquitetura interna de igrejas da Contra-Reformação e seu significado para os estudos culturais das colonias. Salientou-se o significado da geometria e da formação de cúpulas sob o aspecto do louvor divino, em particular as concepções teológicas e místicas relativas à cúpula encamonada, ou seja, àquela cúpula que apresenta a forma de um octógono no exterior. Por fim, considerou-se o tratado de Juan Caramuel de Lobkowitz, Architectura civil recta, y obliqua (3 volumes, Vigevano 1678). Nessa obra, constata-se o desenvolvimento de uma teoria complexa de construção a partir de leis matemáticas e de perspectiva. Discutiu-se a influência de René Descartes no pensamento de Caramuel, apesar da permanência do conceito de arquitetura perfeita, representada na residência claustral do Escorial. Salientou-se sobretudo o papel excepcional da obra no contexto da história dos estudos culturais relativos à arquitetura, uma vez que constituiu uma verdadeira história mundial da arquitetura, considerando pirâmides e colonias na Ásia, África e América. Do ponto de vista teórico, particular atenção mereceram as distinções feitas entre arquitetura reta e oblíqua. A arquitetura reta diria respeito à doutrina dos gêneros de colunas (11 gêneros, colunas salomônicas ou de Tiros, góticas, mosaicas, atlânticas ou paranínficas); a arquitetura oblíqua diria respeito à consideração das artes liberais, correspondendo à décima musa e a um princípio dado por Deus, representando a verdadeira nova arte. Um dos pontos centrais e inovadores do pensamento de Caramuel residiu na defesa e na necessidade de métodos de projeção da geometria para a consideração e para a criação construtiva. Os elementos arquitetônicos deveriam ser corrigidos sob o ponto de vista da ótica. Dessa forma, o espaço construído submete-se ao ponto de vista do observador.
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