Doc. N° 2037
Direção: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo e Dr. Harald Hülskath © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
96 - 2005:4
Processos transatlânticos e a tradição muso-filosófica do Ocidente Ciclo de estudos e seminário em seqüência aos trabalhos da A.B.E. nos EUA
Dando continuidade aos trabalhos encetados no âmbito do projeto Transatlântico, destinado a estudos relativos às interações entre processos culturais transatlânticos e interamericanos, a A.B.E. patrocinou, em colaboração com a Universidade de Colonia, Alemanha, um ciclo de aulas expositivas dedicado ao tema Processos Musicais Transatlânticos. Paralelamente, realizou-se um seminário dedicado à tradição muso-filosófica da Idade Média sob o aspecto do diálogo de culturas e religiões. Ambos os eventos orientaram-se segundo o escopo mais amplo de renovação teórica e aprofundamento dos estudos transatlânticos, em particular euro-brasileiros da A.B.E.. Assim, os temas das sessões do seminário foram tratados à luz de desenvolvimentos posteriores da expansão européia, ou seja, como pressupostos histórico-culturais e histórico-filosóficos dos estudos transatlânticos. Aspectos relativos à continuidade e à discontinuidade de correntes de pensamento estiveram no centro das atenções.
O ciclo expositivo relativo aos processos musicais transatlânticos seguiu uma metodologia sui-generis. Em lugar de apresentar cronologicamente a história cultural dos vínculos entre a Europa e o continente americano do ponto de vista convencional de narração histórica, optou-se pelo tratamento contrastante de temas. Procurou-se, com esse confronto de situações culturais de diferentes épocas, aparentemente paradoxais, aguçar a atenção para paralelos e diferenças subjacentes a desenvolvimentos, contribuindo para a detectação de possíveis estruturas e mecanismos processuais.
O ciclo, partindo dos trabalhos interamericanos/transatlânticos realizados nos Estados Unidos e no Caribe no mês de março de 2005, concentrou-se sobretudo nos processos euro-norteamericanos, considerados porém à luz dos estudos já desenvolvidos com relação ao Brasil.
Partiu-se da atualidade e do significado dos estudos transatlânticos. Considerou-se a criação de uma cátedra de relaçõers internacionais na Universidade Martin-Luther em Halle-Wittenberg em 2001 e do texto de Reinhard Wolf de título "O futuro das relações transatlânticas: uma prognose otimista", concentrando-se as atenções na questão: parceria ou rivalidade e na possível predominância futura de elementos cooperativos, para a qual todos os esforços deveriam ser canalizados. A análise dos fatores causais considerou as modificações nas relações de poder no sistema internacional, as constelações de interesses de políticas do interior e as tendências da cultura política entre a Europa e o continente americano. Entre os fatores culturais, considerou-se a probabilidade de prejuízos da cooperação no caso de um desenvolvimento que levasse a um afastamento gradativo com relação a normas e a interações (Weidenfeld 1996). Considerou-se também a suposição de que provavelmente se acentuará um processo de delimitação cultural entre a Europa e os EUA causado por modificações demográficas, pela mudança de gerações e sobretudo por transformações da constituição étnico-cultural das nações. Nesse caso, a latinização dos EUA assume excepcional relevância, salientando -se aqui a razão e o significado do projeto da A.B.E. de entrelaçamento das redes sociais de migrantes latinos na América do Norte e na Europa para o desenvolvimento dos estudos culturais.
Alvo de análise foi uma conferência de Karsten D. Voigt proferida na Universidade Humboldt de Berlim, no dia 11 de fevereiro de 2004. Tratou-se aqui da questão: comunidade de valores ou Crash de civilizações? Na análise de fatores positivos e negativos na atitude de europeus com relação aos americanos depois do 11 de setembro, salientou-se aqui a estranheza dos europeus no concernente à terminologia de cunho religiosa do discurso norte-americano do presente. Nesse contexto, parece tornar-se necessária uma reforma das perspectivas transatlânticas, uma reconsideração e elucidação dos fatores comuns e das diferenças, e o pressuposto para isso seria um conhecimento recíproco mais profundo. Filmes de Hollywood, Clips e a literatura trivial prejudicariam a visão da complexidade cultural americana.
A questão da comunhão de valores e das diferenças culturais domina as reflexões transatlânticas atuais e essas, segundo a concepção da A.B.E., devem ser analisadas nos seus vínculos interamericanos. Considerou-se o argumento segundo o qual a América se teria definido desde o Descobrimento também à medida em que se distinguiu da Europa. As relações transatlânticas, apesar dos vínculos e concordâncias, também teriam sido marcadas por incongruências e problemas. Em geral poder-se-ia constatar paradoxias e ambivalências de admiração recíproca e antipatia , desejos de aproximação e de distanciamento mental. As tradições intelectuais americanas seriam mais do que um simples produto da herança européia. O papel sui-generis desempenhado pela religião nos EUA, que causa estranheza na Europa, deveria ser analisado também em função da formação colonial norte-americana, marcada que foi por perseguidos e fugitivos por motivos religiosos. Considerou-se o argumento segundo o qual o protestantismo americano seria mais próximo à psicologia, enquanto que o europeu teria mais proximidade com a filosofia. Um dos aspectos discutidos disse respeito à hipótese de que se teria aqui diferentes hierarquias de valores dos dois lados do Atlântico, apesar de todas as congruências fundamentais. As diferenças poderiam prejudicar as relações transatlânticas; seria necessário analisá-las para o fomento da compreensão mútua.
As sessões destinadas a estudos de caso contextuais partiram da cultura musical dos nativos americanos, sendo abertas com uma análise do texto "The Song of the Ancient People" de Edna Dean Proctor. Tratou-se, entre outros, de problemas do conceito de autoctonia, de questões de reconstrução etno-histórica, do significado das culturas nativas na atualidade com base na sua relação com a natureza, das relações intertribais no exemplo do calumet song e de sua divulgação em publicações. Tratou-se do papel da transcrição na história dos estudos musicais nativos. Sob o aspecto transatlântico, considerou-se em particular a obra pioneira de Theodor Baker (Ueber die Musik der Nordamerikanischen Wilden), publicada em Leipzig, em 1882. Considerou-se também a obra de Alice C. Fletcher, Jesse Walter Fewkes, Benjamin Ives Gilman, Frances Densmore e o Bureau of American Ethnology of the Smithsonian Institution, Washington. Após a consideração de aspectos musicológicos, a atenção foi dirigida ao simbolismo de manifestações dançadas, em particular à Sun Dance dos Sioux, à Eagle Dance/Arapaho e, sobretudo, ao movimento de Ghost Dance do século XIX.
Em contraste, a segunda sessão tratou do Rock como "produto americano", em particular sob o aspecto da interracialidade e dos aportes sociológicos para a compreensão de sua gênese e difusão.
Outro contexto que mereceu particular consideração no ciclo foi a da Hinologia nas suas relações com o processo colonizador em comparação com a situação católica da América Latina. Em contraste, tratou-se da Avant-Garde norte-americana e de suas recepções interamericanas e européias. Um complexo temático tratado à parte foi o das relações anglo-americanas no contexto de movimentos migratórios, sobretudo provenientes da Irlanda. Considerou-se em especial a questão do relacionamento entre a Balada e a consciência histórica. A reciprocidade das relações foi estudada em obras do século XVIII e XIX, entre outras de Thomas Percy, David Herd e Sir Walter Scott. Em paralelo a essa sessão, tratou-se da história e do desenvolvimento da pesquisa da Folk song nos EUA, considerando-se, entre outros, Francis James Child. Ocupou-se aqui com os estudos relativos ao processo de americanização da canção e com as características próprias do Sul. As tradições coreográficas, em particular as country dances, foram analisadas sob a perspectiva das relações transatlânticas. Por fim tratou-se da questão da origem e do desenvolvimento do banjo, considerando-se hipóteses afro-americanas e anglo-americanas. Estes estudos constituiram a ponte para o tratamento do Jazz. Entre os pontos considerados salienta-se a fase do New Orelans Style e do Red Hot Peppers em Chicago; tratou-se sobretudo da questão das relações raciais na origem e no desenvolvimento do Jazz.
Entre outros complexos considerados na base de e temas contrastantes citam-se: a vida musical nas colonias americanas/ Hillbilly e Country-Western; relações África-América/procura de uma identidade norte-americana na cultura musical; vida musical transatlântica no século XIX/ situação atual da cultura popular americana nas suas dimensões globais.
Uma sessão especial foi motivada pelos cem anos de falecimento de Theodore Tomas, visto como exemplo privilegiado para estudos da relação cultural transatlântica. As reflexões se concentraram aqui na recepção de Beethoven nos EUA e de suas repercussões na história da música européia. Nesse contexto, foram considerados também William Mason, James C. Dunn Parker, John Knowles Paine, Dudley Buck, william W. Gilchrist, Silas Gamaliel Pratt, Frederic Grant Gleason, Frank van der Stucken, Louis Adolphe Coerne, Arthur Foote, George Whiotefield Chadwick e Horatio Parker. A questão da "música germânica" nos EUA foi tratada comparativamente à situação brasileira, salientando-se diferenciadamente a influência de compositores brasileiros que estudaram na Alemanha e de imigrantes alemães no Brasil. As relações franco-americanas foram analisadas a partir da obra de Virgil Thomson, Aaron Copland e Roy Harris, também comparando-as com o desenvolvimento no Brasil e em outros países latino-americanos, em particular com a obra de compositores que receberam orientação de Nadia Boulanger. As relações ítalo-americanas foi considerada sobretudo sob a perspectiva da ópera. Outro complexo euro-americano tratado foi aquele relacionado com imigrantes provenientes da Irlanda. Aqui, procurou-se analisar situações de subalternidade comuns a imigrantes e afro-americanos. Uma consideração especial foi dada à imigração judaica nos EUA e o seu significado para os estudos culturais.
A.A.B.
Observação: o presente texto oferece apenas um relato suscinto de eventos, estudos e projetos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu conteúdo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).